“Não há sábado sem sol, domingo sem missa, nem segunda sem preguiça”. Mas eis que acontece um sábado nublado no sertão. A princípio são nuvens claras que vão se tornando pesadas ao se vestirem para chover. O dia, tradicionalmente de feira e faxina, segue indiferente à chuva iminente.
O trânsito está normal em Montes Claros, cidade em que chove pouco. Numa das mais importantes avenidas da cidade, a Mestra Fininha, o sinal se fecha e os carros da avenida Sanitária cruzam.
O tempo ficou sombrio, chove de forma branda há meia hora. Nos carros parados, os motoristas com o pé no freio fazem rebrilhar em estrelas as lanternas vermelhas molhadas. O asfalto tem buracos, mostrando a ação da chuva dos últimos dois meses, mesmo tendo havido um recapeamento recente pelo centro da cidade.
Na calçada à direita, assim como tudo em volta, tem água empoçada. Nela um pai com tênis pretos e meias brancas leva a filha. Ele deve ter trinta e poucos anos. Está de bermuda caqui e camiseta preta. Carrega em sua mão esquerda duas bolsinhas, uma cinza e preta e a outra, dentro de uma sacolinha de plástico, branca com bichinhos, só pode ser da filha.
O pai é alto, bonito, pele clara. A menina, no segundo andar, está sendo levada de cavalinho, sendo segura na perna pela mão direita do pai. Aparenta três anos e veste calça rosa choque e blusa branca de bichinhos, como sua bolsinha. Assemelha-se ao pai e está de máscara branca.
Sobre sua cabeça há uma imensa sombrinha rosa e branca com motivos geométricos, agarrada por ela, que abarca o pescoço do pai com os dois braços. Está feliz por enfrentar o mundo e a chuva lá de cima, nas costas do seu herói que responde pelo chamado de Papai.
Então, essa visão sublime chega à esquina. O sinal da transversal ainda está aberto para a avenida que cruza. É preciso esperar um pouco mais. Os cuidados desse pai com máscara preta são marcantes. A menina sacode as perninhas de felicidade. O sinal se abre para eles. O pai amoroso atravessa a avenida levando sua menina. Lá vão eles, quase ao longe, já.
Sábados de chuva não são tão frequentes no sertão. A precipitação de curto período já acabou, porém deixou a vista de todos uma cena de paternidade superlativamente bela. Todas as crianças merecem ser cuidadas assim.