Tarzan e a fidelidade canina

Mara Narciso
04/06/2019 às 08:27.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:57

Tarzan veio correndo latindo aflito lá da roça, o que assustou Filomena, que varria o terreiro. O cão estava agitado, esbarrava nas pernas da mulher, corria na direção de onde tinha vindo, olhava para longe, como se pedisse para ser seguido. Entendeu logo, largou tudo e correu atrás do cão, apavorada. 

Filomena acompanhou Tarzan, prevendo coisa ruim acontecida com Joaquim, que tinha saído para a roça de milho, ao amanhecer. Era verdade. Esbaforida, de longe avistou o marido. Ele estava desmaiado ao sol, de lado, dentro de uma poça de sangue. Magro e rosado, o homem estava cor de cera, rosto crispado, olhos entreabertos e olhar vago. Tinha ferido o antebraço com o machado, quando tentava tirar um resto de madeira sobre um monturo – contou depois. A ferramenta estava próxima, e, a mulher nem imagina como, mas o marido tinha amarrado a camisa branca acima do ferimento, numa espécie de torniquete improvisado. Ela arrancou o pano da cabeça, e, rapidamente, comprimiu o talho, extenso e profundo, coisa para muitos pontos, para reduzir o sangramento. Tinha coágulos, mas, qualquer movimento faria o sangue escorrer. Enquanto ela acudia o marido, o cão latia, se aproximava e se afastava com medo, demonstrando sentimentos de aflição e amor, seguidos de alívio, tudo ao mesmo tempo. 

Era necessário se apressar e levar Joaquim ao hospital o mais rápido possível. Naqueles tempos antigos, os atendimentos eram morosos e faltavam recursos. Filomena, com a ajuda de um vizinho, sempre comprimindo o corte no antebraço, conseguiu colocar o marido numa carroça e levá-lo ao hospital. Lá fizeram um atendimento precário, providenciaram soro para reverter o choque hipovolêmico no qual ele se encontrava. Após controlar o volume, arrumaram um carro e viajaram para a cidade vizinha, que era perto, onde foi prontamente atendido. O sangramento parara e ele estava acordado. Seu corte fora suturado, enquanto tomava bolsas de sangue, que lhe fizeram voltar a cor e a saúde, pouco a pouco, até se recuperar totalmente. 

O heroísmo de Tarzan recebeu reconhecimento e recompensa de Joaquim, marcando toda a família. O cachorro vira-latas, preto, feinho, esperto e valente, recebia agrados na alimentação. Mas a valentia dele, que, quando não acompanhava Joaquim ao trabalho olhava a casa de terra batida e quatro cômodos, em Patis, distrito de Mirabela, incomodava. A atitude protetora do animal dava ares de preciosidade à singela moradia, pois latia contra tudo que passava na estrada em frente, sendo gente ou animal, irritando os passantes. 

Tarzan avançava sobre os transeuntes mais atrevidos, que parassem ou se aproximassem da casa. Alguns atacavam o cão com paus e pedras. Não demorou muito, e revidaram ao sentimento de guarda de Tarzan de forma cruel. Mataram o cão com uma pedrada, acabando, simultaneamente, com Joaquim, que chorou e ficou amuado por muitos dias, sem conseguir trabalhar, de luto pela perda do amigo, que lhe salvara a vida. Nunca se esquecera de enaltecer o feito daquele cão. Enquanto alguns humanos parecem se vangloriar de serem maus, os animais dão lição de solidariedade. 

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