Para além da inteligência

Mara Narciso - Médica e jornalista
25/12/2018 às 23:10.
Atualizado em 05/09/2021 às 15:44

Há pessoas que nos deixam em estado de êxtase, tamanha é a admiração que nos brota quando as ouvimos falar. Esse dom comunicativo nasce de admiráveis cérebros, que podem se esconder por trás de rostos comuns e deixam nossa alma esfuziante. São pessoas interessantes, brilhantes e inteligentes no pensar e no se expressar. É emblemático quando encontramos alguém desse quilate, que nos acordam os neurônios e nos deixam enlevados com o seu comunicar. Desejamos que não se acabasse o tempo da palestra, aula, sermão ou conversa. Também por escrito, nas redes sociais, essas pessoas se destacam.

Esses iluminados podem falar coisas que se contrapõem às nossas mais profundas certezas, mas se expressam de um jeito tão rico e convincente que, enquanto vão falando, pensamos: em parte eles estão certos. Mesmo que nossas convicções não tenham sido postas em cheque, dali se abre uma fresta, uma janela, uma porta, uma imensidão de possibilidades. Para gostarmos da conversa, não é preciso que a pessoa brilhante fale coisas com as quais nós concordamos. Discursar o que achamos, apenas clarearia o que já está sedimentado dentro de nós. O impacto maior se dá quando falam ideias opostas às nossas.

Como é bom encontrar pessoas desse quilate, dessa inteligência, com esse dom de falar. Para acontecer o encantamento é preciso, além de inteligência e de cultura, a empatia. Dificilmente levamos a sério ou nos concentramos naquilo que diz ou escreve alguém que desconsideramos. Algumas vezes, gente antes admirada passa a ser evitada. Uma ação ou várias atitudes nos fazem mudar de ideia e aquilo que parecia bom não nos engana mais.

Quando muitos se esquecem de quem está perto para se aproximar de quem está longe através das redes sociais, precisamos estimular a conversa cara a cara. Há 19 anos, quando os chats estavam se popularizando, já sentíamos isso. A intimidade vem rápida, assim como a confiança se acelera nas conversas por escrito. Num instante se está lá na frente. Quando a amizade ou namoro virtual vem para o mundo real, tomamos um choque, acontecendo um recuo. Mas logo, o embalo vocal encontra o ritmo das letrinhas e volta ao normal. Então é hora de conversarmos muito, buscando as cores da realidade.

É bom termos alguém confiável para conversar, que nos escute com atenção, que valorize e acompanhe o que lhe é dito. Precisa ser discreto, e não mencionar nem as derrotas nem as vitórias ouvidas. Por outro lado, devemos evitar nos aprofundar em conversas com pessoas rasas, que não conseguem ver para além da superfície. Não compreendem as necessidades do interlocutor em avançar adiante do prático.

Depois de obedecidas as necessidades primárias, sonhamos, nos abstraímos, aprofundamos o pensamento, apreciamos o belo, queremos ter acesso à arte. Sentimos prazer em estar com quem flerta com a filosofia, literatura, poesia, com cultura geral. Porque, como seres humanos que somos, temos vontades, desejos e gostos, podemos ter crises existenciais e ansiamos em entender o mundo de forma mais abstrata. Precisamos mais do que o utilitário. A inteligência, as boas falas e músicas vêm em nosso socorro, nós que buscamos algo para além do racional. É quando abraçamos a contemplação.

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