Samuel Nunes
Repórter
samuelnunes@onorte.net
Em 8 de julho de 896, apenas sete meses depois da histórica exibição dos filmes dos irmãos Lumière em Paris, realiza-se, no Rio de Janeiro, a primeira sessão de cinema no país. Um ano depois, Paschoal Segreto e José Roberto Cunha Salles inauguram, na rua do Ouvidor, uma sala permanente. Em 1898, Afonso Segreto roda o primeiro filme brasileiro: algumas cenas da baía de Guanabara. Cinema pode ser considerado como um precioso meio de comunicação e, sobretudo, faz parte da história de uma cidade que é considerada a 5ª maior do estado de Minas Gerais.
Sabendo desta importância a reportagem de O Norte inicia na edição de hoje uma série sobre o Cine Fátima que se localiza na avenida D.Pedro II. Com o progresso, a cultura e história de uma cidade infelizmente perdem se perde com o tempo. A série de reportagens sobre o cine Fátima visa valorizar uma época e um lugar onde as pessoas cresceram, alguns se tornaram políticos, outros empresários, outros intelectuais e artistas.
Durante muitos anos o Cine Fátima levou alegria e descontração para jovens e adultos nos idos de 1959 mostrando filmes para uma cidade que na época tinha pouco mais de 80 mil habitantes e que tinha no Cine Fátima o único meio de diversão. Recentemente, onde funcionava o cine Fátima passou a funcionar uma casa de Bingo. O bingo fechou e agora o lugar será uma loja de móveis e eletrodomésticos.
MARCO NA HISTÓRIA
Eram 2 horas da tarde de quinta-feira, 19, de outubro quando a reportagem de O Norte chegou à residência do atualmente cronista do suplemento literário Opinião Raphael Reys. Demonstrando saudosismo ele revelou em aproximadamente 2 horas de conversa a importância do Cine Fátima para a juventude montes-clarense da década de 60.
Rafael Reys era freqüentador assíduo do cine Fátima
(foto: Wilson Medeiros)
- O Cine Fátima foi com certeza um elemento que modificou a juventude de Montes Claros daquela época. Tínhamos em nossa cidade mais 4 cinemas, Nova Olinda, Ipiranga, São Luiz e Coronel Ribeiro. Infelizmente estes caíram no ostracismo, pois eles só passavam filmes de 2º e 3º categoria. Depois do centenário da nossa cidade a grande novidade foi o marco do modernismo com o cine Fátima, no ano de 1959 - conta.
Rafael Reys lembra que Montes Claros era um marasmo nesta época, não possuindo nenhum meio de diversão a não ser as festas do clube de Montes Claros, da boate da praça, e ainda, o Automóvel Clube que criou uma geração nova em termos de festas em salões. Apesar do surgimento de algumas escolas no mesmo período nossa grande escola foi o cine Fátima. Ele conta que todos os cinemas existentes em Montes Claros eram de propriedade de um grupo de acionistas, entre eles o ex-prefeito de Montes Claros, Dr. Mário Ribeiro que, de acordo com Rafael Reys, era o que se comunicava mais e conseqüentemente se sobressaiu melhor entre os acionistas.
GRANDES PRODUÇÕES
Rafael Reys, com riqueza de detalhes, revela que os grandes épicos como El Cid, Ben Hur, os 10 Mandamentos e outras grandes produções foram filmes de destaques que a juventude da época teve a oportunidade de assistir.
Outra revelação de Rafael Reys foi o primeiro filme que passou no Cine Fátima – O Cristo de bronze. No entanto, de acordo com ele, este filme não vingou.
- Na época todos os amantes por filme queriam assistir, gerou até tumulto na portaria do cinema, mas a expectativa da inauguração do cinema superou a vontade de assistir o Cristo de bronze – relembra.
Segundo Rafael Reys, na época eram duas sessões, uma às 16h e uma outra às 18h. Com irreverência e saudosismo ele conta que aos domingos a sessão das 16 horas era mais romântica, onde acontecia mos grandes encontros de casais de namorados.
- Essa sessão chamava-se de matinê e veio substituir o futting da praça Coronel Ribeiro onde se formou a maioria das famílias de Montes Claros. Esta era uma cidade que tinha um outro ritmo de vida. Na época do Cine Fátima, Montes Claros não tinha nem porta nem cancela - filosofa.
Ele conta que com o sucesso do Cine Fátima os concorrentes começaram a reagir através, por exemplo, da sessão Road-Show, filmes de arte que foi uma grande característica da escola Italiana e Francesa. Rafael lembra que o número de pessoas que freqüentavam o Cine Fátima apenas para ouvir a música tema do cinema era considerável.
- O nome da música era Doucment Mon Amour que era da escola romântica Francesa que preservou e solidificou o elo do romantismo no cine Fátima – diz.
GRANDES DEBATES
Perguntado se existe atualmente alguma diferença do cinema dos anos 60 para o dos dias atuais, Rafael Reys lembra que o cinema de hoje é uma diversão estipulada pelo marketing, ao contrário da sua época, onde, depois dos filmes que passavam no Cine Fátima, aconteciam debates o que provocava crescimento intelectual entre os participantes. – Destas discussões após os filmes no Cine Fátima e também em outros locais públicos nasceu uma geração de artistas para a nossa cidade como os cineastas Alberto Graça, Carlos Alberto Prates, os músicos Yuri Popov e o maestro Armênio Graça.
Rafael Reys lembra ainda que no que diz respeito à qualidade dos cinemas no caso especifico da Europa a concepção e a busca da qualidade se mantém. Já o cinema brasileiro se perdeu por falta de financiamentos e ainda de um gerenciamento pleno. Outra recordação de Rafael Reys foi do criador do centenário de Montes Claros Hermes de Paula. Ele menciona que ele foi um grande incentivador da arte e da cultura e trouxe à cidade artistas famosos como João Gilberto, Baden Power. O trio era formado por Vinicius de Moraes que não veio com eles a Montes Claros.
- Eles foram os expoentes da bossa nova, mas o pessoal dos nossos Montes Claros da época não deu muito valor. Eles foram vaiados no auditório do colégio Imaculada Conceição. Ainda não tínhamos o Cine Fátima para nos informar, por isso eles não fizeram sucesso aqui - conclui.
CONTROLE NA PORTARIA
Outra revelação que Rafael Reys contou à reportagem de O Norte é que havia um controle rigoroso e não explícito na portaria do cine Fátima. De acordo com ele os porteiros filtravam as pessoas de boa aparência e o indivíduo que não tinha boa aparência era conhecido como Sesé.
- Era uma portaria severa com dois seguranças. Quem estivesse na companhia de alguém conhecido entrava normalmente. Sobre o valor do bilhete para entrar no cine Fátima ele não soube precisar, mas todo mundo tinha condições de pagar, pois não tinha inflação na época. E quem não tinha dinheiro e queria assistir aos filmes sempre alguém pagava o ingresso, era uma outra cultura. Esta época ficou enterrada nos anais da história da nossa cidade - lembra.
Outra lembrança dele é que o cine Fátima foi também palco de manifestações e provocações da juventude, pois alguns rapazes levavam para o cinema as chamadas Damas da Noite para assistirem às sessões. De acordo com Rafael Reys, por ser a sociedade da época muito conservadora, este ato representava o denominado estatus viril.
- O cine Fátima de certa forma rompeu com alguns preconceitos existentes - diz.
IMPORTÂNCIA DO ALMANAQUE
Outra novidade da época era os almanaques, que de acordo com Rafael eram o único meio de informação diversificada da época. Ele observa que atualmente, especialmente a juventude, está com um excesso de informação o que resulta na falta de senso crítico.
- Naquele tempo o pessoal buscava, por exemplo, disco de vinil na Europa e Estados Unidos. Atualmente tudo é muito fácil e condicionado ao que o sistema determinar - crítica. Ela afirma ainda que a rádio Nacional do Rio de Janeiro foi outro grande expoente de desenvolvimento e progresso no que refere à busca pela informação.
- O Repórter Esso que originou o Jornal Nacional da rede Globo era apresentado com competência pela voz marcante de Heron Domingues – relembra.
GERAÇÃO PÓS-GUERRA
O cronista Rafael Reys ressalta que a juventude que freqüentava o Cine Fátima pode ser considerada uma geração privilegiada por ser de um período pós-guerra.
- Ainda digo mais, que falta à juventude moderna comprometimento ou estadiamento epidérmico, que significa a gente sentir na pele o que buscamos entender – conclui.
