Desde 2019, ao menos 12 crianças, em Montes Claros, perderam um dos pais diretamente por Covid-19 (FREEPIK)
Levantamento inédito dos Cartórios de Registro Civil de Minas Gerais revela que, em Montes Claros, 46 crianças e adolescentes de até 17 anos ficam órfãos de pelo menos um dos pais anualmente. Em 2021, a Covid-19 foi responsável por cerca de um terço dos casos de orfandade na cidade, deixando 11 de 33 crianças sem um dos genitores. Desde 2019, ao menos 12 crianças perderam um dos pais diretamente por Covid-19, mas, considerando doenças correlacionadas, como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), Insuficiência Respiratória e causas indeterminadas, esse número pode alcançar 28 órfãos.
Impactos Sociais
A diretora do Recivil, Letícia Franco Maculan Assumpção, destacou a importância do cruzamento de dados realizado pelos Cartórios de Registro Civil para compreender os impactos sociais de doenças como a Covid-19, especialmente no aumento da orfandade infantil. “Com essa nova pesquisa feita pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) Nacional, identificamos a gravidade da situação: a quantidade de crianças e adolescentes que perderam pai e mãe durante a pandemia”, afirmou.
Letícia compartilhou sua experiência como registradora civil durante o auge da crise sanitária. “Foi um período muito impactante na minha vida. Registrávamos óbitos de famílias inteiras. Às vezes, morria mãe, pai, filho. Era uma quantidade de óbitos por dia assustadora, acompanhada pelo Portal da Transparência”, relatou. Além dos registros de óbitos, os cartórios também enfrentavam um aumento na demanda por inventários, muitas vezes envolvendo jovens que, ao perderem os pais, se viam sem recursos para sobreviver. “Na época, inventários extrajudiciais não podiam envolver menores, mas víamos jovens de 18 ou 19 anos que haviam perdido toda a família, e tentávamos agilizar os processos para ajudá-los”, explicou.
Políticas Públicas
Segundo a diretora, a coleta e análise de dados pelo registro civil são ferramentas essenciais para orientar políticas públicas e criar medidas que atendam às necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade. “Espero que crises como a Covid-19 não se repitam tão cedo, mas, de qualquer forma, é fundamental cuidar dessas pessoas e oferecer suporte adequado para quem vive na orfandade”, concluiu.
Efeitos psicológicos
A perda de um dos pais provoca profundos impactos psicológicos em crianças, afetando principalmente o aspecto emocional e a sensação de pertencimento familiar. Segundo a psicóloga jurídica Danielle Ribeiro Cardoso, essas crianças enfrentam a ausência de uma estrutura de apoio e podem sentir-se desamparadas .“A situação torna-se ainda mais crítica nos casos em que ambas as figuras parentais são perdidas, como ocorreu durante a pandemia de Covid-19”.
Daniele explica que, ao perder os dois pais, a criança sofre uma ruptura total com suas referências familiares e emocionais. “Quando não há amparo de familiares próximos, como tios ou avós, o sentimento de abandono e desproteção emocional pode se intensificar, agravando os efeitos psicológicos da perda”, afirma.
A especialista destaca que o apoio familiar é essencial para mitigar os danos emocionais. “Sem essa rede de suporte, o impacto da perda tende a ser ainda mais devastador, prejudicando o desenvolvimento e o bem-estar psicológico da criança”, conclui.