O Parque Estadual Lapa Grande, recentemente afetado por dois incêndios de grande proporção, entrou na pauta de discussão da Câmara Municipal de Montes Claros. Nesta última quinta-feira (23), em audiência pública proposta pelo vereador Edson Cabeleireiro, o parlamentar destacou que, conforme o Decreto n° 4340/2022, que trata da implantação do parque, já deveria ter sido efetivada a regularização fundiária e a demarcação das terras, bem como a elaboração ou revisão e implantação dos planos de manejo, aquisição de bens, serviços necessários, gestão, monitoramento e proteção da unidade, entre outras iniciativas que ainda não aconteceram.
“O primeiro objetivo é a regularização fundiária e a delimitação da área, pois sem isso os moradores do entorno não conseguem nem uma ligação de energia. Eles sequer sabem se estão ou não na área que pertence ao parque. Isso tem que ser resolvido”, disse o vereador, que afirmou não ser contra as leis ambientais e a preservação do espaço, mas solicita uma solução para as famílias que moram e produzem na região.
Maria Ivanete Cardoso, presidente de uma associação de produtores rurais local, conta que são muitos os desafios para conseguir desenvolver o trabalho. “Venho aqui com a voz de 120 famílias que vivem e produzem nessa terra há anos. A prova viva da contradição do Estado é que, enquanto nos cobram a preservação, nos condenam à precariedade. E vocês estão nos condenando à escuridão e à remoção”, desabafou. Segundo Ivanete, os produtores são impactados de maneira desumana. “O zoneamento está sendo construído sobre o sacrifício e a opressão. Produzimos sem acesso a crédito, sem financiamento, sem energia elétrica e sem água encanada. Nos perseguem e nos multam, mas a área que ocupamos é um mosaico de produção sustentável”, declarou. A lista inclui plantação de quiabo, mexerica, laranja e milho, entre outros. O resultado da colheita, conforme os produtores, é para o próprio sustento e para a comercialização nas feiras de bairros da cidade.
Outros produtores utilizaram a reunião para explanar a insatisfação com a ausência de soluções. Marco Antônio Silva disse que as propriedades locais colocam alimentação na mesa do brasileiro e é importante que as famílias tenham o direito de permanecer em suas moradias com condições dignas. Para Sinvaldo Fernandes da Silva, o Instituto Estadual de Floresta (IEF) não esteve presente antes para fazer a preservação, mas depois que a comunidade conseguiu firmar a produção, eles chegaram e fingem que não veem as melhorias efetivadas. “Estive no IEF e pedi mudas para plantar, mas me negaram. Mudei a roça para mais 60 metros de distância e eles não enxergaram isso. Não deixamos ninguém pescar ou caçar, nós protegemos a área, mas eles não reconhecem”, disse.
Durante a audiência, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), representado por Ana Elisa Miranda, analista ambiental e gerente do Parque Estadual, ponderou haver que se considerar a importância do local, especialmente no que se refere à segurança hídrica para a cidade, uma vez que parte dela é abastecida pela água que sai de lá. O projeto, segundo a analista, foi traçado a partir de georreferenciamento e audiências do Ministério Público, que já ofereceu áreas para realocação das famílias. “Mas em nenhum momento houve uma negociação. Foram identificadas no último relatório 74 pessoas, sendo que apenas sete residem no local. Precisamos atualizar esses dados”, afirmou, assegurando que, se for desafetar a área, todas as ponderações serão verificadas.
Ana Elisa lembrou que o parque Lapa Grande é o terceiro mais implementado do Estado, com quase 100 unidades de conservação. Ela informou que tudo previsto no plano de manejo está 85% executado. Sobre os incêndios que ainda ocorrem, ressalta que não é por questões de relacionamento com o entorno, mas sim em decorrência de práticas humanas não intencionais, que acabaram se propagando em virtude do clima. “Qualquer decisão tem que levar em conta todas essas questões. Precisamos caminhar para uma solução prática para todas as partes. Lembrando que estamos falando de segurança hídrica”, reiterou.
Franklin de Paula, representante do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), relatou que o decreto inviabilizou o cadastro do assentamento. “A questão está no colo do Estado e requer a ação executiva do Decreto, seus complementos. O INCRA, como parceiro, fez uma visita técnica e teve confirmação das famílias. Houve uma proposta de busca jurídica para que se encontre uma alternativa para resolução social e ambiental”, concluiu.