Violência contínua para mais de 300 mulheres em Montes Claros

Quase 15% das vítimas em 2019 foram agredidas mais de uma vez

Manoel Freitas
O Norte
06/03/2020 às 18:31.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:52
 (Arte HD)

(Arte HD)

Montes Claros registrou, em 2019, 2.265 vítimas de violência doméstica. No entanto, o número de ocorrências chegou a 2.710. A diferença nos dados é consequência de uma triste realidade: 331 mulheres sofreram a agressão mais de uma vez. Algumas foram alvo dos agressores por seis, sete vezes.
A reincidência dos episódios de violência doméstica tem chamado a atenção da polícia e dos órgãos de segurança pública e de proteção às mulheres. Neste domingo, quando se celebra o Dia da Mulher, há um alerta para que as vítimas denunciem e resguardem sua integridade física e emocional.

A defensora pública Maiza Rodrigues, coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher e presidente do Conselho Municipal da Mulher, ressalta que os números ainda não refletem a realidade. “Afirmo que a quantidade de mulheres que busca o 190, que é na verdade a porta da violência, não é maioria. Elas estão sempre acreditando na recuperação do agressor, que eles vão mudar”, explica.

Segundo Maiza, as mulheres em situação de violência, na maioria das vezes, buscam a Defensoria para saberem dos direitos que têm, como divórcio, alimentos e, em alguns casos, investigação de paternidade. “Elas não querem denunciar, mas somente obterem informações sobre a Lei Maria da Penha e de que forma podemos ajudá-las judicialmente”, afirma.

A defensora, no entanto, ressalta que todas recebem as orientações que precisam para garantirem seus direitos, como a medida protetiva, que é o que o Estado oferece.
 
ESPERANÇA
Mas, para quem quer sair da situação de violência, opressão e sofrimento, em Montes Claros há a Casa Abrigo, que acolhe essas mulheres e os filhos. “Nessa casa é oferecida toda estrutura de acolhimento, embora as vítimas só possam permanecer lá por três meses”, afirma Maiza.

A defensora explica que, quando a mulher quer denunciar o agressor mas não fez boletim de ocorrência, o Núcleo aciona a Polícia Militar para fazer a representação criminal. “Mas, quando ela não quer essa ação, que vai culminar com uma medida protetiva, entramos com ações de divórcio e alimentos contra o agressor”.

REDE
“Estamos torcendo para que a parceria proposta de criação de uma rede de proteção às vítimas de violência doméstica saia do papel e efetivamente funcione”. Essa é uma das expectativas da delegada Carine Costa Maia, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Montes Claros, para que a atenção a essas vítimas possa ser mais completa.

Segundo a delegada, há 18 anos no comando da repartição, o trabalho não pode ser apenas na repressão. “Não temos como fugir desse atendimento multidisciplinar. Elas chegam querendo conversar e não podemos nos ater apenas ao procedimento criminal”, explicou a delegada, que assegura que “nenhuma mulher sai da delegacia sem encaminhamento.
 
MAPEAMENTO
De acordo com os números divulgados pelo Ministério Público e pela Polícia Militar, a violência contra a mulher em 2019 atingiu as quatro grandes regiões de Montes Claros, especialmente os bairros Independência e Nova Suíça, com 121 casos cada um. Em seguida vem o Village do Lago, Major Prates e Carmelo (80 cada); São Geraldo II, São Judas Tadeu, Jardim Palmeiras, Delfino Magalhães, Centro, Morrinhos, Vila Atlântida, Santos Reis e Cidade Industrial (60 cada).

Segundo a tenente Lidiane Caldeira, coordenadora de Patrulhas de Prevenção à Violência Doméstica em Montes Claros, em 2019 foram monitorados 1.994 domicílios e realizadas 2.003 visitas para assegurar o cumprimento de medidas protetivas e conter a escalada de violência contra as mulheres.

Segundo ela, do total de casos com medidas protetivas monitorados, 85 vítimas se recusaram a inclusão no serviço de Prevenção à Violência Doméstica.
 

O número de ocorrências de violência doméstica registrado em Montes Claros em 2019 não corresponde à quantidade de inquéritos instaurados na comarca local. A análise é feita pelo promotor Guilherme Roedel Fernandez Silva, especialista em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública.

Integrante da 16ª Promotoria de Justiça de Montes Claros, responsável pelo acompanhamento das ações judiciais que envolvem os crimes da Lei Maria da Penha no município, o jurista lamenta tal realidade. Ela demonstra, segundo Guilherme, que muitos casos não terão punição.

“Das ocorrências policiais que viraram inquérito, alguns deles foram arquivados porque prescreveram antes do tempo necessário, ou porque não havia elementos informativos necessários para oferecer a denúncia”, explicou o promotor.

Mais ainda: em 62% dos casos, uma ação penal na Comarca de Montes Claros relacionada à violência doméstica dura entre três a cinco anos. “Então, temos a trágica constatação que, na maioria dos casos, os processos demoram mais de seis anos para serem concluídos. E o que isso significa? Significa que os crimes de violência doméstica praticados contra as mulheres raramente são punidos”, lamenta o promotor.
 
DROGAS
Guilherme Roedel chamou a atenção ainda para o fato de que a grande maioria dos agressores fez uso de álcool antes de cometer o crime. Em número menor, há relatos de uso de cocaína e crack.

A realidade de Maria* foi de muito sofrimento durante dois anos e meio. O relacionamento de três anos foi marcado por agressões. Ela conta que apanhou muitas vezes e que foram poucos os momentos de sossego.

A mulher resolveu procurar a Defensoria Pública depois de dois anos e meio de agressões. A motivação foi a dor que sentiu ao apanhar grávida e com o filho no colo. Não era isso o que queria que as crianças vissem na vida.

Atendida pela Defensoria, Maria encontrou abrigo e acolhimento na Casa de Apoio, onde relata que tem sido muito bem tratada. O momento, agora é de reconstrução.

* Nome fictício

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por