Sem pediatras, caos toma conta da saúde em MOC

Santa Casa suspendeu atendimentos e mães esperam por até 18 horas

Larissa Durães
O NORTE
18/01/2022 às 00:18.
Atualizado em 21/01/2022 às 12:15

Nada é tão ruim que não possa piorar. Essa máxima ilustra bem a situação dos atendimentos pediátricos em Montes Claros, que há muito apresentam problemas. Mães relatam uma verdadeira saga para conseguir – mas nem sempre conseguem – atenção médica para os filhos nas últimas semanas. O quadro é consequência da alta demanda, causada principalmente por problemas respiratórios, e pela falta de profissionais dessa especialidade. 

De acordo com a presidente do Sindicato dos Médicos de Montes Claros e Norte de Minas, Ariadna Janice Drummond Moraes, os pediatras que atuam na Santa Casa pararam de atender após não conseguirem melhores condições de trabalho na instituição. E há profissionais de outros hospitais que ameaçam fazer a mesma coisa.

“Eles alegam que a Santa Casa emitiu um comunicado para eles, falando que ia fechar o pronto-atendimento da pediatria por falta de médicos para atender na porta de entrada pelo SUS. A instituição acreditava que, fechando o pronto-atendimento, os médicos que atuavam lá iriam passar a atender pelo SUS”, explica Ariadna. O que não ocorreu. Os médicos acabaram saindo da Santa Casa, alegando terem sido contratados para outros serviços.

“Na verdade, eles não queriam sair da Santa Casa, por isso nos procuraram, porque queriam manter o pronto-atendimento funcionando e querem que a Santa Casa contrate mais pediatras para ajudarem no SUS”, afirma a representante da categoria.

Ariadna diz que a Santa Casa alega que não tem pediatra para contratação. “Conversamos com os médicos sobre isto, e eles alegam é que a Santa Casa não dá condições de trabalho”, diz Ariadna.

REUNIÃO NO MPT
Na última sexta-feira (14) foi realizada uma reunião no Ministério Público do Trabalho, com a presença de pediatras, da presidente do sindicato e advogados do hospital. 

“Reivindicamos o contrato de trabalho adequado, com carteira assinada”, afirma Ariadna. Outro ponto apresentado pelos profissionais na reunião foi sobre a remuneração: eles recebem R$ 40 por hora de plantão. “Querem um pagamento de R$ 100 pela hora do plantão, que é o piso salarial dos médicos da Federação Nacional dos Médicos, e que não tenha mais atrasos no pagamento, o que vem acontecendo há quatro meses”, diz a presidente do sindicato.

Com todos esses problemas, os médicos cobraram uma posição da Santa Casa, que, segundo Ariadna, preferiu suspender os atendimentos. A medida impactou em toda a rede pública da cidade. Sem o serviço da instituição filantrópica, outras unidades de saúde tiveram que assumir a demanda.

A assessoria da Santa Casa encaminhou a O NORTE uma nota que foi divulgada nas redes sociais. No texto, a instituição afirma que teve que suspender o atendimento por convênio e particular pela falta de profissionais, priorizando o serviço pelo SUS, que dá acesso universal à saúde. 

Mães Unidas em protesto
Alheias aos conflitos nos bastidores, as mães de Montes Claros só querem que os filhos possam ser atendidos. E como isso não vem acontecendo, elas realizaram uma manifestação no último sábado, na praça Doutor Carlos, para denunciar a crise pediátrica na cidade.

“A gente tem recebido muitas denúncias de mães com os filhos doentes e sem atendimento. Está muito crítico”, diz a coordenadora do evento e administradora do movimento “Mães Unidas”, Laíza Coelho Gomes. Segundo ela, o objetivo do protesto é denunciar e reivindicar aos órgãos competentes a busca por uma solução para essa crise.

“Desde novembro as mães estão fazendo denúncias de que estavam indo à Santa Casa e voltando sem conseguir atendimento. E que não tinha pediatras nos finais de semana e em horários noturnos”, diz Laíza. Algumas mães chegaram a pagar por consulta particular para que o filho não ficasse sem a atenção necessária. Outras chegaram a esperar por 18 horas em outras unidades de saúde que ficaram superlotadas.

Ela diz que o Hospital Universitário Clemente de Faria (HU) é o único que está tendo pediatras, mas com a alta demanda, não está dando conta de atender. “A cidade está com surto de Influenza, Covid-19, férias escolares – o que aumenta os acidentes domésticos – e, mesmo assim, não tem pediatra”.

Diante da situação caótica, o “Mães Unidas” fez uma carta aberta ao Conselho Municipal de Saúde, enviada na semana passada. Laíza conta que, depois que o texto foi publicado nas redes sociais, houve muita repercussão e vários pais denunciaram casos horrorosos, de terem feito automedicação no desespero porque não conseguiram atendimento.

“Leva quase dez anos para ser quem é, e precisa chegar no lugar de trabalho e ter uma remuneração adequada e se a instituição oferecesse essa remuneração adequada, o profissional médico estaria lá trabalhando. A oferta é muito baixa pelo grau de especialização que o profissional médico tem. Isso pode acarretar consequências desastrosas em outros hospitais e UPAs”. Ariadna Janice Drummond MoraesPresidente do Sindicato dos Médicos de Montes Claros e Norte de Minas

  

 HC é nova porta de entrada para crianças

O colapso na pediatria em Montes Claros deve ser amenizado com a abertura do Pronto-Socorro Infantil do Hospital das Clínicas Dr. Mário Ribeiro da Silveira. A unidade foi credenciada pela Secretaria Municipal de Saúde e começou a operar no último sábado (15).

Os atendimentos, 100% pelo SUS, estão sendo feitos por médicos clínicos, devido à escassez de mão de obra pediátrica no Norte de Minas. Após avaliação clínica, os casos que necessitam de internação passam a ser acompanhados por pediatras.

As demandas podem ser encaminhadas de outros municípios, pelo Samu ou de forma espontânea. O hospital dispõe de 12 leitos de internação.

A fundadora do HC, Raquel Muniz, lembra que a unidade já atende as áreas da pediatria, maternidade, CTI Neonatal e Pronto-Atendimento adulto. “Agora, a gente entrega o Pronto-Atendimento Infantil 24horas”, diz a médica.

Mãe do paciente Davi Lorenzo, de 1 ano e 10 meses, Isabel Soares conta que se sentiu aliviada com o atendimento dado ao filho, transferido de outro hospital para o HC.

“Tanto o atendimento técnico quanto o atendimento médico estão muito bons. O auxílio prestado está excelente, nada a reclamar”, diz.
 
SEM INTERESSE
A dificuldade em conseguir pediatras para atuar nos municípios do interior, principalmente, não é um problema de hoje, nem só de Minas Gerais. Há muitos anos os gestores municipais enfrentam essa situação.

Dentre os argumentos estão a baixa remuneração e o fato de precisarem estar disponíveis para os pais a qualquer hora. Há vários anos a procura por especialização em pediatria vem atraindo menos interessados.

A Prefeitura de Montes Claros informa, por meio da assessoria de comunicação, que “apesar do processo seletivo aberto, não está havendo interesse dos profissionais”. 

Em resposta a esta afirmação, presidente do Sindicato dos Médicos de Montes Claros e Norte de Minas, Ariadna Janice Drummond Moraes, diz que não há interesse porque, de acordo com os médicos, não há condições de trabalhar.

“Não há equipe de enfermagem suficiente para atender a demanda e não existe remuneração adequada”, aponta. Para ela, o profissional médico leva seis anos para se formar, e dois ou cinco para se especializar, por isto deveria ser tratado melhor.

A saga de uma mãe
A gerente administrativo Mariana Crepaldi teve que viver uma odisseia para conseguir atendimento para o filho João Emanuel, de seis meses. “No dia em que ele passou mal, procurei uma clínica de atendimento pediátrico e foi detectado que ele estava com dificuldades respiratórias. Fizeram o raio-X e depois a médica disse que podia ir embora, que com a medicação ele iria melhorar”. Mas isso não aconteceu. À noite, o menino piorou. “Entrei em contato com a clínica e disseram que não tinham pediatra àquela hora – isso foi por volta das 18h. Liguei na Santa Casa, não tinha pediatra. Liguei no HU, estava lotado de crianças. A única opção foi ir até a UPA Chiquinho Guimarães”, lembra Mariana. Ela conta que depois de duas horas João foi levado para a triagem. “Depois fui atendida”. Ela explica que a pediatra percebeu uma piora no filho e começou outra saga. “Colocou ele direto no oxigênio e a enfermeira ficou aproximadamente meia hora implorando uma vaga em outro hospital para conseguir internar. Ouvi ela dizendo: ‘pelo amor de Deus, é um bebê de seis meses!’”, diz emocionada. “A vaga surgiu e ele ficou internado por quatro dias”. Para ela, a falta de pediatras na cidade está muito grave. “Não importa se você tem plano de saúde, tem dinheiro ou não, não tem vaga, não tem pediatra, e é terrível, pois é direito de todos terem atendimento quando se trata de saúde”, diz.

*Com Larissa Rodrigues

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