Projeto Jequitaí: tranqüilidade e paz ameaçadas em nome do progresso

Jornal O Norte
21/03/2006 às 11:12.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:31

Tiago Severino/ Vinícius Barreto *

O projeto do governo federal de construir uma barragem no rio Jequitaí é considerado por muitas pessoas o meio que impulsionará o desenvolvimento do Norte de Minas. Com um custo total estimado em 450 milhões de dólares, a expectativa das autoridades é que em 12 anos sejam feitos dois barramentos: um para a contenção de água, denominado Eixo Jequitaí 1; e outro para a elevação do nível de água, denominado Eixo Jequitaí 2.

Com aproximadamente 15 mil habitantes, os municípios de Jequitaí e Francisco Dumont, que receberão os maiores investimentos da obra, devido à proximidade, terão o modo de vida alterado com o aumento do fluxo de pessoas e o trânsito de máquinas e veículos. O receio da população é que a vida pacata seja mudada para um ritmo mais acelerado.

A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do são Francisco), órgão gestor do empreendimento, defende que o projeto abrange os aspectos ambientais e sociais. Para isso, foi realizado um estudo sobre a fauna, flora, as condições sócio-econômicas da população e o meio cultural da região. O resultado detectou que a maioria dos impactos do projeto agrega fatores positivos.

FIM DA TRANQÜILIDADE

Em Jequitaí, a maior concentração de pessoas fica na praça do Bom Jesus, no centro, onde funciona o comércio. O rio fica a cerca de cinco quilômetros dali. Apesar de não haver uma estrutura turística, com lanchonetes e hotéis, centenas de pessoas das cidades vizinhas (Montes Claros, Pirapora, Lagoa dos Patos) visitam o local para acampar.

Para os jovens da cidade, a maioria das oportunidades de trabalho está no comércio e no campo. Não há faculdades. Aqueles que querem cursar o ensino superior te que se deslocar por mais 70 quilômetros até Montes Claros.

Quanto à diversão, além dos barzinhos, existe uma danceteria chamada “Pé na Cova” – uma referência ao cemitério, que fica logo atrás. “Aqui, se tiver briga e o cara morrer, ele já vai para o ‘buraco’”, diz um dos freqüentadores.

Na cidade com oito mil habitantes, poucas pessoas trancam as casas. A polícia militar conta com um efetivo de quatro policiais e um único veículo. Na maioria dos boletins de ocorrência constam brigas, discussões e pequenos furtos. O sargento Amilton Lima reconhece que com o desenvolvimento do projeto Jequitaí e a chegada de pessoas de outras localidades, o índice de violência poderá aumentar, formando bolsões de pobreza.

DESAPROPRIAÇÕES

Além da barragem, será construído um lago artificial de 705 milhões de metros cúbicos. Por isso, a Codevasf terá que desapropriar uma área de, aproximadamente, nove mil hectares. A maior parte dela é de propriedade particular, com pequenos e médios produtores rurais que estão na região há vários anos.

No entanto, os membros da Pastoral da Terra, de movimentos de sem-terra e representantes de comunidades rurais defendem que a desapropriação dessas terras contribuirá com a desigualdade social. Eles dizem acreditar que o homem que nasceu e foi criado no campo não tem condições de se adaptar à vida na cidade ou de administrar uma grande quantia em dinheiro – recebido da indenização proposta pela gestora da obra. A Codevasf espera desapropriar as terras que serão inundadas em, no máximo, três anos. No total, 276 famílias terão que ser remanejadas para uma nova propriedade no campo ou na cidade.

“É muito complicado uma pessoa pegar o dinheiro porque, às vezes, ela se empolga e pode acabar gastando”, explica Zélia Mendes Santos, representante do acampamento dos sem-terra instalado na BR-365. ela diz que a desapropriação trará prejuízos às famílias, que serão obrigadas a deixar a terra onde vivem e trabalham há anos.

“Sempre as questões sociais ficam em último plano. Como vão gerar emprego, se vão desalojar 300 famílias! Esse é um projeto para abastecer grandes irrigantes”, diz Paulo Roberto Faccion, membro da Pastoral da terra. Para ele, o Projeto Jequitaí não considera os fatores sociais que envolvem a população mais carente e, portanto, contribuirá para o crescimento da pobreza e do desemprego.

Segundo a Codevasf, após a construção da barragem serão gerados 35 mil empregos e 17,3 mil deles serão diretos. Além disso, o projeto irá criar possibilidades de desenvolvimento para o ecoturismo na região e a produção de 188 mil toneladas de alimentos por ano. Estes números são surpreendentes se for levado em consideração o fato dos municípios da microrregião viverem essencialmente da agricultura de subsistência.

De acordo com o deputado estadual Gil Pereira (PP), líder do executivo na assembléia legislativa, o governo do estado garantirá recursos para que as cidades de Jequitaí e Francisco Dumont tenham as condições básicas para a implantação do projeto. O deputado garantiu o aumento de vagas nas escolas e ampliação da rede de saúde pública.

Para o prefeito de Jequitaí, José Humberto, a obra contribuirá para o desenvolvimento de toda a microrregião. Ele acredita que ao ser iniciado, o projeto promoverá mudanças significativas no cotidiano dos moradores, e que a cidade terá que se preparar para receber um fluxo maior de pessoas.

AUDIÊNCIA PÚBLICA DA CODEVASF

Apesar destes aspectos sociais, a audiência pública realizada em Jequitaí, no dia 31 de outubro de 2005, teve como foco apresentar à população os dados sobre a obra. Por mais de cinco horas, autoridades políticas e representantes da Codevasf discursaram para mostrar pontos de vista sobre o projeto.

Após o pronunciamento de vários membros da companhia e dos técnicos, que duraram mais de vinte minutos cada, restou ao povo o prazo de cinco minutos para questionar e mostrar o que pensam contra e a favor sobre o projeto. Alguns produtores rurais deram depoimentos e tentaram ressaltar a importância das pequenas propriedades de terra para a vida de cada um deles.

* Acadêmicos do curso de Jornalismo do CRECIH/Funorte. Professores: Ana Gabriela Ribeiro e Elpidio Rocha. Coordenadora de produção: Tatiana Murta

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