Moradores de Pau de Légua enfrentam restrições para sobrevivência
(DIVULGAÇÃO)
Há quase 20 anos, mais exatamente nos anos 2000, um decreto estadual dava início ao Parque Estadual da Mata Seca, no município de Manga, no Norte de Minas. A decisão gerava também um conflito por conta da utilização de recursos naturais.
No território determinado para o parque, já se encontrava a tradicional comunidade barranqueira de Pau de Légua, com cerca de 60 famílias. O agronegócio, forte na região, principalmente após a implantação do Projeto de Irrigação Jaíba, também já exercia as atividades locais.
O conflito de interesses da comunidade, do agronegócio e do Estado chamou a atenção da pesquisadora Júlia Veloso, mestre em Sociedade, Ambiente e Território, que realizou um estudo na região para entender a atual situação.
De acordo com Júlia, a comunidade tradicional de Pau de Légua possui uma identidade diretamente relacionada àquele território, à natureza do lugar com o qual possui laços tradicionalmente construídos.
“A comunidade nutre pela localidade um sentimento de pertencimento e possui uma racionalidade distinta sobre a ocupação do território, tendo ali desenvolvido regimes de propriedade comum e técnicas tradicionais de manejo dos recursos naturais que contribuem para o equilíbrio do ecossistema”, explica.
Ainda de acordo com a pesquisador a, o agronegócio vê na localidade uma região importante para o desenvolvimento de atividades rurais em grande escala, devido ao fato de se tratar de uma área com solo fértil, topografia favorável e grande disponibilidade de água advinda principalmente do rio São Francisco.
Júlia Veloso ressalta que no conflito em questão, o Estado adotou uma postura conservacionista, vendo a região como um local apropriado para a instalação de políticas ambientais compensatórias, instalando ali uma unidade de conservação de proteção integral, que não permite qualquer interferência humana ou o uso indireto de seus recursos naturais.
“Implementou ações de conservação sem considerar os processos históricos vivenciados pelo território, violando os direitos territoriais da comunidade que ocupava a referida localidade. Vale destacar que o Parque Estadual da Mata Seca faz parte do Sistema de Áreas Protegidas do Jaíba (SAP Jaíba) e foi criado como medida compensatória para viabilizar a Licença de Operação à expansão da etapa II do Projeto Jaíba”, afirma Júlia.
ISOLADOS
O trabalho de preservação no parque é realizado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF). O estudo realizado pela mestre chegou à conclusão que, atualmente, os moradores de Pau de Légua encontram-se encurralados em uma pequena área na beira do rio e são proibidos pelo órgão de circular pelo território.
“Sofrem com a restrição absoluta do uso dos recursos naturais disponíveis na região. O espaço que ocupam não é suficiente para plantarem e colherem, tampouco criar animais, o que vem comprometendo a subsistência e segurança alimentar. Além disso, os moradores estão sujeitos às penalidades previstas pela legislação ambiental, o que limita ainda mais as suas ações, principalmente suas técnicas tradicionais de manejo”, destaca.
Ainda de acordo com Júlia, a comunidade que depende da terra e da água do rio para sobreviver acaba tendo os direitos humanos violados em nome do desenvolvimento da região.
“Acredito que a regularização das terras tradicionalmente ocupadas seria capaz de solucionar o conflito ambiental ali instaurado. Nesse sentido, o reconhecimento por parte do Estado dos direitos territoriais da comunidade tradicional, da racionalidade distinta sobre o uso dos recursos naturais e do seu distinto modo de apropriação territorial, representa um paradigma a ser superado”, diz, lembrando que é preciso espaço para que a comunidade possa ser ouvida.
O QUE DIZ O ESTADO
Em nota, o Estado afirmou que o parque foi criado com a finalidade de proteger a fauna e flora regionais, as nascentes dos rios e córregos da região e que as informações existentes à época da criação não registram a presença de comunidades no seu interior.
Afirmou ainda que por determinação da lei, é vedado a utilização ou permanência de moradores naquela área. Por fim, disse que tem envidado esforços para conciliar todos os interesses envolvidos, visando assegurar espaços democráticos de discussão e solução de conflitos.
“Entendemos que a comunidade tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e cabe ao IEF gerir a unidade de conservação em busca deste equilíbrio”, finaliza a nota.