Nascido em Coronel Fabriciano, no Vale do Aço, Márcio Rezende de Freitas deixou o sonho de ser atleta para se tornar um dos árbitros mais respeitados do país. Aos 58 anos e aposentado dos gramados desde 2005, o também economista atua como comentarista de arbitragem na TV Globo Minas.
Tendo como auge as oportunidades de apitar na Olimpíada de 1992, em Barcelona, e na Copa da França, em 1998, e como dores de cabeça os erros capitais em jogos importantes do Brasileirão de 1995 e 2005, Rezende acredita que o VAR, ferramenta da qual não fez uso quando atuava, não pode ser utilizado como muleta pelos árbitros em atividade.
Você é favorável ao uso do VAR?
Tudo que vier para ajudar a arbitragem, eu sou favorável. Agora, o que a gente tem que ter em mente é o seguinte: o VAR não é uma muleta. Não é um negócio que é uma banana vendida na feira, que a qualquer momento você chega ali e pega. São lances capitais, decisivos em que o árbitro cometeu um erro punindo ou não, marcando ou não (a infração), que o VAR vai entrar. A máxima, inclusive do VAR, pela própria Fifa, é a mínima interferência com a máxima eficiência. Infelizmente, no Brasil, a gente subverte tudo. Tem árbitro que já está criando uma ‘VARdependência’, usando como muleta, e não pode ser dessa forma.
Existe um descaso da CBF com a arbitragem?
Eu não diria um descaso, mas é um apêndice. Não é prioridade. E todo campeonato, as estrelas são os atletas, mas o calcanhar de Aquiles de todas as competições é a arbitragem. Parece que eles (CBF) não perceberam isso ainda. Então, o investimento na arbitragem não é dinheiro jogado fora, é investimento, é capacitação e qualificação em prol do próprio torneio que está sendo disputado. Para o produto.
É possível viver apenas com o salário da arbitragem hoje?
Na minha época dava, mas eu não dependia dele (salário da arbitragem), tive essa felicidade. Eu trabalhei em diretoria de banco, fui secretário de Fazenda de Timóteo, sou economista de formação, pós-graduado em marketing esportivo. Então, dava para viver tranquilamente. Hoje, muitos (árbitros) dependem, mas não conseguem viver, e isso é perigoso. Mas um árbitro Fifa hoje, regularmente escalado, vive, e vive bem do salário dele como árbitro.
Além da Copa de 1998, poderia ter ido a outros mundiais?
Eu poderia ter ido a duas ou três Copas do Mundo seguramente. Mas faltou apoio político da minha federação (Mineira). Eu fui a uma Copa do Mundo por mim. Em 1994 era para eu ter ido. Politicamente fui derrubado, porque a Itália mandou dois árbitros, o Brasil também poderia ter mandado dois. Daqui foi o Renato Marsiglia. Faltou sustentação da minha confederação. Mas são coisas que acontecem. Apitei em 1998, fiz a estreia da França.
É verdade que foi cotado para apitar a final da Copa de 1998?
Quem falou isso foi o presidente da Comissão de Arbitragem da Fifa na época, David Will, um escocês, quando eu fiz um jogo pelas oitavas, que virou para mim e me disse: ‘reze contra o seu país’, foi a frase dele para mim. Disse que estava rezando. Eu não apitei a final porque o Brasil estava na decisão. Eu era muito candidato, porque os dois jogos que eu fiz, tive notas muito boas.
Por mais bem sucedida que tenha sido a sua carreira, você é lembrado pelas polêmicas nos Brasileiros de 1995 e 2005. Como avalia a repercussão desses lances?
Em 1995, mesmo com os erros, eu ganhei o prêmio de melhor árbitro do campeonato. Para você ver que tínhamos esse estofo, mesmo com esses erros de 1995, com impedimento, bola na mão. Em 1996 eu apitei a decisão, e ninguém fala dessa final, porque eu fiz uma baita arbitragem. Eu nem sabia se estava nesse jogo por meritocracia, ou se era para terminar de me queimar. Se eu errasse nesse jogo, estaria morto.
E em 2005?
Em 2005, o problema não foi a marcação ou não do pênalti, que é algo interpretativo, foi um problema anterior, com o Edilson Pereira de Carvalho, que vendeu todo mundo e entregou. Então, qualquer coisa que acontecesse (no final do campeonato) ia desaguar ali. E aconteceu nesse jogo. Então, houve as ilações de que o campeonato foi decidido naquele pênalti. Mas pênalti não é gol. Então, um pênalti que é ou não marcado, interferiu no resultado do campeonato? Sim e não. Primeiro, teria que ter sido convertido o pênalti. Aí gente responde por isso, mas sempre falei.
Esses erros te tiraram o sono?
De um dia para o outro sim. No dia que eu errava, eu adoecia. Mas depois, bola pra frente. Errei, vamos aprender para não cometer esse tipo de erro mais.
Você tem algum arrependimento na carreira?
Tenho arrependimento de, em um certo período da minha vida, afogado que eu estava com o trabalho no banco e com a arbitragem, não ter convivido mais com meus filhos. Isso me amarga muito até hoje. Tinha uma época em que eu apitava nas quartas, quintas, sábados e domingos. Não precisava ter sido tanto. Eu não vi meus filhos crescerem. Isso me amarga.
É uma utopia imaginar mulheres apitando jogos de grande porte no Brasil?
Não diria utopia, mas há um dificultador muito grande para isso acontecer. Teve a Sílvia Regina (nos anos 2000), depois não veio mais ninguém. Não há vontade delas também de correr esse risco hoje, de não serem escaladas para os jogos, preferem ser bandeiras. Infelizmente, existe o preconceito da sociedade como um todo. O torcedor não aceita. O preconceito não é dos árbitros, ou da CBF, é da sociedade como um todo.