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Domingo,24 de Novembro

Um matuto que ganhou o mundo: Téo Azevedo saiu ainda menino da pequena Alto Belo e se consagrou como um maiores produtores musicais do país

Jornal O Norte
21/07/2006 às 13:21.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:40

Jerúsia Arruda


Repórter


jerusia@onorte.net

Quem não o conhece bem não acredita. Até quem o conhece mais de perto às vezes duvida de suas histórias. Isso porque ele resguardou  nos gestos, na postura, no jeito de vestir e falar o  toque agreste, a natureza típica da gente do sertão. E é difícil para muitas pessoas entenderem que é possível ser artista sem usar alegorias, fazer tipo, essas coisas que têm substituído o talento.

Depois de 42 anos produzindo discos, o cantador, escritor, violeiro e repentista Téo Azevedo se aventura na produção de Dvd (foto: Wilson Medeiros)

Quem no norte de Minas não conhece Téo Azevedo? Quem em Minas Gerais e no Brasil nunca ouviu ao menos falar desse cantador, violeiro e agitador cultural que vive de lá para cá, andando por todo país, resgatando e divulgando os valores culturais que a grande mídia insiste em embotar, sufocar, extinguir?

Se ele é um orgulho para o norte-mineiro quando aparece bem posado na TV, em talk-shows ou em programas especiais sobre seu trabalho exibidos em cadeia internacional, mais querido se torna quando junta seus amigos famosos e anônimos para fazer a festa de Alto Belo, uma cidade pequenininha que já se tornou referência para os apreciadores das histórias e da cultura genuinamente brasileiras.

Téo Azevedo nasceu em Alto Belo, povoado do município de Bocaiúva, no norte de Minas Gerais,  filho de geraizeiro, repentista, violeiro, seresteiro e amante das coisas do sertão - parece uma definição do próprio Téo, dada a semelhança de gostos e talentos.

Logo cedo se interessou pela música e aos 4 anos de idade já fazia versos. Aos 7-8 anos, para ajudar a mãe – seu pai morreu quando era era bem pequeno – ia para a feira engraxar sapatos e fazer repente, correndo bandeja. Foi aí que começou a pegar experiência. Também foi nessa idade que compôs sua primeira canção e já cantava à luz da lua, tocando sua viola feita no quintal de casa, e escrevia livros de cordel.  Logo pediu permissão a sua mãe e aos sete irmãos para ganhar o mundo. Aos 16 anos, já morando em Belo Horizonte, teve sua primeira música gravada, quando participou de um concurso com uma marcha de carnaval. Em 1965, cantando pela primeira vez, gravou a música Cálix Bento, acrescentando três estrofes à parte de domínio público. Nessa época o disco de  acetato (disco frágil, compostos por camadas de verniz sobre vidro ou alumínio) e era gravado à mão, de um a um, primeiro de um lado, depois do outro. Téo conta que a máquina gravava no máximo 30 discos por dia.

ABRINDO CAMINHOS

Téo Azevedo começou a produzir em uma época em que a música era gravada em um disco de 78 (rotações), que evoluiu para o  stander play (com oito faixas), depois  para o compacto simples e duplo, vinil Long Play (LP) e finalmente o Cd. Téo acompanhou a evolução se adaptando a ela.

Mudou-se para São Paulo para conhecer outros hábitos, outras culturas e se tornar mais próximo da profissão que logo cedo assumiria como ideal de vida: produtor cultural.

Durante esse período, que ele demarca em 42 anos, produziu mais de 3000 discos, e foram gravadas mais 2000 músicas de sua autoria e parcerias com compositores que conheceu ao longo do caminho.

O primeiro artista que produziu foi Edy Franco, de Janaúba/MG, que gravou duas músicas em um compacto simples. Entre os mais 2500 artistas que tiveram sua assinatura como produtor, muitos  se tornaram sucesso nacional, como Christian e Ralf, Caju e Castanha e Jackson Antunes.

NA TRILHA

Quase completando 60 anos, o escritor, repentista e produtor alça novos vôos, se aventurando na produção de Dvd's.

- Depois de 42 anos produzindo discos, chegou a vez do Dvd. O primeiro a gente sempre apanha um pouco, o segundo vai melhorando. O primeiro que produzi se chama Brasil com S – Téo Azevedo e convidados, reunindo amigos da música sertaneja raíz. Foi gravado pela RI, no Estância Alto da Serra, em São Paulo, na estrada velha de Santos, o maior clube de campo aberto do Brasil. Convidei Procópio e Paraíso, João Mulato e Doradinho, Cacique e Pajé, Irmãs Galvão, Lady Laura, Juliana Andrade e Lucimara e Jackson Antunes.  Dia 24 de julho, em São Paulo, vou produzir o sétimo Dvd, registrando o primeiro encontro de viola caipira do Brasil, conta.

SEM GARANTIAS

Com trânsito fácil entre artistas e  mídia, Téo Azevedo faz do seu trabalho uma bandeira para resguardar os valores culturais do povo que representa.

- Apesar de muitos acharem que são mil maravilhas, enfrento dificuldades, altos e baixos. Tem lugares que sou bem aceito, outros nem tanto, tem pessoas que apreciam meu trabalho, outras que criticam, tem gente que pensa que ganho dinheiro a rodo. Mas não me deixo intimidar. A maioria das pessoas que produzi vieram do interior, sem muita condição financeira, e para gravar precisaram desfazer de um bem só para realizar o sonho. Já lancei muito artista, e sei que muitos achavam que iam estourar, ficar milionários e na maioria dos casos nada aconteceu, pela falta de investimento em divulgação, pela falta de qualidade do trabalho ou pela falta de aceitação do público. E muitos ficaram chateados, cobrando de mim o sucesso que não veio. Se eu soubesse o que faria sucesso, só gravaria o que pudesse garantir, argumenta o produtor.

RECOMPENSA

Tentando sedimentar seu trabalho, Téo diz ter batido em muitas portas e nem todas abriram.

- Apoio do governo, por exemplo, é uma coisa complicada. Admiro as pessoas, grupos ou associações que conseguem aprovar projetos com altas verbas. Batalho com tanta honestidade pela cultura popular e não consigo nem 5% do valor que conseguem. Recebo muito material para apreciação e me sinto lisonjeado pela confiança que as pessoas depositam em mim, mas nunca tive facilidade para lançar nenhuma produção. Mas não posso reclamar porque sou um matuto, sem instrução, o que sei  aprendi na escola da vida. Saí de Alto Belo com a viola nas costas para enfrentar o mundo que não conhecia e chegar onde cheguei me faz uma pessoa abençoada e muito feliz, comemora o  produtor que tem mais 1500 histórias de cordel publicadas.

FALTA DE CRITÉRIOS

Sobre o recolhimento de direitos autorais e controle da pirataria, Téo lamenta a falta de critérios.

- Tem autor que lança uma música e recebe muito mais do que muitos compositores com dezenas de sucessos gravados. Todo o sistema brasileiro é falho e só serve para gastar o dinheiro do consumidor. Deveria haver um único órgão para administrar essas questões. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) tenta funcionar como regulador, elaborar normas, organizar a rádio e teledifusão, mas não funciona, o Ecad (Escritório central de arrecadação e distribuição) é formado por onze associações quando deveria ser apenas uma e por isso também não desenpenha seu papel a contento, e o autor fica esperando por um dinheiro que lhe é devido e que nunca chega. A pirataria é outra coisa sem solução. Não dá para prender os cabeças que controlam a rede,  e privar o camelô que é um pai de família, que não tem outra opção de trabalho, também não resolve o problema. É preciso criar uma nova política administrativa, centralizada, desburocratizada,  para moralizar o trabalho artístico no país e fazer valer o direito do autor.

FESTA DE ALTO BELO

Em parceria com a Associação Folclórica de São José de Alto Belo, Téo realiza há 20 anos a Festa de Alto Belo, reunindo artistas de todo país, que participam gratuitamente do evento. A festa foi criada para resgatar os valores culturais da região, se tornando, inclusive, tema de diversos programas de televisão.

- A idéia é não deixar morrer a dança, a música, os valores culturais da região, mas falta apoio e incentivo de órgãos públicos e empresas privadas, o que limita o alcance da festa. O fato de Alto Belo ter se tornado mais desenvolvida culturalmente em relação à Bocaiúva, sua mantenedora, gera um contraste, e a administração municipal não acompanha o ritmo, lamenta Téo, que diz que a cidade não tem infra-estrutura para receber os convidados e, numa certa altura da festa, ficam cerca de 200 pessoas, a maioria artistas, querendo um lugar para repousar, sendo acolhidas pela população local.

ALÇANDO NOVOS VÔOS

Neste mês, Téo Azevedo sai pelo país para divulgar seu último trabalho, intitulado Blues Matuto, onde  revela sua nova paixão, o blues, cantando e tocando ao lado de Dominguinhos,  banda Blues Etílicos, Antônio Carlos de Nóbrega, Jackson Antunes - que declama uma das histórias escritas por Téo chamada A bala de ouro,  que deve se tornar minissérie na TV – e do gaitista Fernando  Naylor. No disco, Téo revela um outro estilo, sem perder a essência agreste que o celebrizou.

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