Profissionais da área da saúde participam de curso onde discutem atendimento de urgência e emergência e desenvolverem habilidades em lidar com o pré-atendimento. As aulas foram ministradas pelo Grupo Mast, de Marília/SP
Jerúsia Arruda
Repórter
jerusia@onorte.net
Depois de formar 13 turmas em Saúde Coletiva/Saúde Pública, a rede Soebras, através da diretoria de pós-graduação, promove o curso em Urgência e Emergência, em parceria com os hospitais Aroldo Tourinho e universitário Clemente Faria.
Segundo a coordenadora do curso, Ana Cristina Amorim esta é a primeira vez que a especialização é realizada no Norte de Minas.
- As pessoas estão morrendo na sala de espera dos pronto-socorros por motivos mínimos. Às vezes o paciente espera horas por um atendimento de emergência, que tem que ser feito no máximo em meia hora-quarenta minutos, geralmente é um procedimento simples, que se feito na hora certa pode salvar uma vida, e muitas vezes ninguém percebe. O curso de especialização em Urgência e Emergência é exatamente para preparar enfermeiros para detectar esses sintomas em tempo hábil, de forma a reduzir o número de mortes no pré-atendimento – diz Ana Cristina.
TRAUMA
O trauma é, talvez, a doença mais antiga que o homem tenha sido vítima – entre 3.000 e 1600 anos a.C. encontram-se as primeiras descrições de casos de traumatismo de crânio no Edwing Smith Papyrus – e na atualidade pode chamado de doença do mundo moderno.
De acordo com estudos do ministério da Saúde, realizados através do Comitê Técnico Cientifico, no Brasil, a violência urbana tem sido uma das maiores causas de morte no quadro geral, sendo ultrapassada apenas pelas doenças cárdio-circulatórias, porém, representam a primeira causa de morte entre as quatro primeiras décadas de vida, na faixa etária entre 5 e 39 anos, produzindo perda de cerca de 120 mil pessoas por ano. Os acidentes de trânsito e os homicídios - estes em franca ascensão – são as principais causas das mortes.
O Grupo Mast – Manobras avançadas de suporte ao trauma e emergências cardiovasculares - há 20 anos vem promovendo cursos destinados a capacitar profissionais de saúde que atuam na atenção básica e que têm a difícil tarefa de estabilizar as condições vitais da vítima em situações críticas e em ambientes adversos, como pré-hospitalar.
Coordenado pela professora doutora em Enfermagem, Shirlene Pavelqueires, da universidade de Medicina de Marília (Fanema), o grupo esteve em Montes Claros no último fim de semana, ministrando o curso de Urgência e Emergência para os alunos da pós-graduação da Soebras.
- Faz pouco tempo que vem se discutindo urgência no Brasil com mais seriedade, baseado no modelo de atendimento francês, e é preciso muito investimento, não só na capacitação dos agentes de saúde, mas também na capacitação da própria população, de como usar o sistema de urgência, de quem deve ser chamado, porque senão o próprio povo quebra o sistema. As pessoas que passam pelo curso acabaram mudando a forma de atuação no seu serviço, quando acreditam naquilo e quando tem uma política favorável para isso. Nós já capacitamos mais de 10 mil pessoas em todo país, mas o resultado não é imediato – diz a professora.
Além da técnica em lidar com os procedimentos, o Mast também desenvolve ações humanizadoras.
- Em 2002 o ministério da Saúde baixou a Portaria 2048, que organiza e normatiza o atendimento pré-hospitalar fixo – as unidades de Saúde da Família - e móvel – SAMU 192 e Resgate do Corpo de Bombeiros -, mas esses serviços não estão equipados e as pessoas não estão ainda capacitadas. Já existe uma conscientização importante de que, também, é papel de médicos e enfermeiros dessas unidades atender os casos de urgência e emergência – diz.
Shirlene salienta que o profissional da saúde não vai fazer no PSF que faria em um Pronto Socorro, mas é preciso fazer manobras que mantenham a pessoa viva, o chamado Suporte Básico de Vida.
- Essa mentalidade é muito nova no nosso país, mas uma coisa é certa, tem regiões do Brasil que o primeiro recurso é exatamente o PSF, e essa unidade precisa saber o que fazer para que o paciente chegue vivo até o hospital de referência. É essa nossa meta no curso – completa.
QUALIFICAÇÃO
Apesar da Portaria 2048 dizer que o PSF precisa saber acolher as demandas de urgência, Shirlene diz que não existe programa ministerial para treinamento dos recursos humanos.
- No Brasil se investe muito em material, em ambulância, em medicamento, coisas que chamam atenção, mas não se investe em capacitação. Também é preciso se pensar não só em melhorar o atendimento pré-hospitalar, mas o atendimento dentro do hospital, do paciente no centro cirúrgico, depois, na recuperação e na reintegração social, na mesma proporção – alerta.
Segundo Ana Cristina Amorim, a maioria dos alunos que buscam pela especialização na rede Soebras é enfermeiro. Shirlene diz que o enfermeiro vem de uma cultura empobrecida enquanto reconhecimento social e, ao que lhe parece, as pessoas estão acordando para seu real papel, inclusive o próprio enfermeiro.
- O enfermeiro está buscando se capacitar cada vez mais na tentativa de ocupar seu espaço. Atrelado a isso, vem os próprios Conselhos, o de Enfermagem, por exemplo, que acaba exigindo a presença do enfermeiro, ou punindo os mais incompetentes. Então, nós temos mais enfermeiros conscientes que estão buscando pela capacitação, ou por iniciativa própria ou das instituições onde trabalham, sejam públicas ou privadas. Como resultado disso, alguns gestores começaram a organizar melhor suas unidades, mas se formos pensar na proporção do que é o país, ainda é muito pouco – diz.
Segundo Shirlene, conforme o enfermeiro busque se capacitar faz com que o médico também busque cada vez mais sua capacitação, e a tendência é ter uma maior qualidade no serviço de ambos.
POLÍTICA É TUDO
Sobre as regiões do país onde o serviço de saúde é mais efetivo, Shirlene diz que não é possível apontar um lugar, mas algumas instituições onde tem pessoas bem intencionadas.
- Em Marília nós tivemos a história de um PSF modelo no país, mas tudo depende da intenção de quem faz e do momento político. Eu ouvi uma vez que política é tudo e não acreditei, mas hoje vejo que se você não tem um momento favorável, se você não tem um governante que acredita, as coisas não acontecem. Por exemplo, o Programa Saúde da Família visa acima de tudo a prevenção, mas um político não sobe em um palanque para prometer qualidade de vida para a população, ambiente saudável, uma praça iluminada com pessoas passeando. Ele promete ambulâncias que carregam doentes; remédios, deixando que a população seja cada vez mais medicalizada, mais viciada no tratamento e não na prevenção. Então depende do momento político, de um governante que não permita um serviço de favores; que as pessoas consigam trabalhar pela competência; que as instituições estejam bem intencionadas, que o que estou vendo aqui em Montes Claros. O curso é um investimento da instituição, mas os alunos trabalham no serviço público. Então essa é a devolução da academia para a sociedade, porque esse enfermeiro está aqui pela especialização, mas se ele trabalha em um PSF, amanhã vai devolver na unidade o que está aprendendo aqui. Por isso acredito na intenção das pessoas. Nós ainda não temos um modelo político traçado no nosso país para dizer que daqui a 20 anos a saúde vai estar de outra forma. Do jeito que estamos assistindo hoje, cada político que entra destruindo o que outro fez, em vez de dar continuidade, fica complicado – conclui.
O CURSO
Com participação de 23 enfermeiros do curso de pós-graduação em Urgência e Emergência e 32 alunos do curso multi-profissional em Saúde Pública/Saúde da Família, a aulas foram ministradas por Shirlene Pavelqueires, que é presidente da Sociedade Brasileira de Trauma, pelas enfermeiras Carla Pedrosa Marega Luciano Gomes e Arlete Aparecida Marçal e pela médica Patrícia do Amaral Oishi.