Sonho de ser artista ainda não acabou: forçado a deixar os palcos para sobreviver como porteiro, o músico e escritor cobra a valorização do artista montes-clarense

Jornal O Norte
02/02/2006 às 10:10.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:29

Jerúsia Arruda


Repórter


jerusia@onorte.net

Com a simplicidade e o sorriso de menino que o tempo e as dificuldades da vida não conseguiram embotar, Damião Alves é um dos clássicos exemplos de artistas montes-clarenses que sonharam em viver da arte herdada de seus pais, mas que a cidade não teve espaço para abrigar.

Músico desde os doze anos de idade, Damião atuou como contra-baixista em barzinhos, em bandas de baile como Prisma, MC5, Caccos e muitas outras, além de acompanhar vários cantores e duplas sertanejas como Irmãos Saraiva, Rivaldo e Rivael, Denildo e Dênis Jr. entre outras.

Filho, neto e sobrinho de foliões ele afinou o ouvido nas folias de reis que participou desde que nasceu. Com o tempo, se interessou pelo contra-baixo e aprendeu a tocar sem nunca ter freqüentado uma escola de música. Ao longo do caminho, conheceu muitos músicos que lhe deram dicas e o ajudaram a executar com maestria o instrumento que havia escolhido, além de tocar violão.

Com a expressão serena e uma certa nostalgia, Damião fala de seus sonhos de criança sem, contudo, revelar qualquer resquício de amargura.

- Montes Claros, por ser chamada de cidade da arte e da cultura deveria ter mais espaço para o artista trabalhar. Deveria ter uma política mais voltada para o segmento artístico, oferecendo melhores condições para que pudéssemos continuar nosso trabalho sem precisar buscar outro emprego ou, como aconteceu comigo, desistir de vez da profissão. Para mim, que venho de uma família de músicos, que sei que poderia perfeitamente sobreviver tocando, é muito frustrante ver que isso se transformou em hobby – lamenta o músico, que diz que a música foi um sonho bom que lhe serviu como profissão e sustentou sua família por mais de vinte anos.

CRÔNICAS E POESIAS

A mesma música que embalou os sonhos de Damião também lhe serviu de inspiração para escrever os mais de cem poemas que agora pretende reunir em um livro, para o qual planeja dar o título de Flor Atípica, homônimo do seu último poema.




Hoje, trabalhando como porteiro, Damião diz que a arte acompanha seus passos.

- Infelizmente não deu para viver somente da música. A família cresceu e o cachê foi diminuindo cada vez mais, então tive que buscar outros meios de sobreviver. Há algum tempo estou trabalhando como porteiro, mas isso não me fez desistir. A saudade dos palcos é grande e, para compensar, transfiro minhas emoções em poesias, que, aliás, já escrevo desde garoto – diz Damião, que conta que, sempre que reúne os amigos e a família, mata a saudade tocando violão.

Aproveitando o tempo enquanto guarda a portaria, Damião começou a escrever crônicas que publica no suplemento literário Opinião desde o ano de 2002. Sempre aberto às críticas e feliz com a aceitação e respeito de seus colegas e familiares pelo seu trabalho, o músico e escritor – ou aprendiz de escritor – como gosta de se definir, diz que a arte deve antes de qualquer outra coisa proporcionar prazer à alma e acalmar o espírito e, por isso, onde quer que esteja trabalhando, sempre vai aliar à constante ebulição de sua imaginação, seja escrevendo poemas e crônicas, seja tocando violão nos encontros com os amigos.

- Ainda bem que trabalho na portaria de um jornal. Ficou mais fácil tirar meus escritos da gaveta e vê-los publicados. È muito gratificante e me faz muito feliz. Posso dizer que finalmente encontrei um espaço para abrigar minha arte – conclui.

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