O mototaxista que virou jornalista: depois de 18 anos sem estudar, filho do Pacuí realiza o sonho de concluir o ensino superior

Jornal O Norte
17/02/2006 às 10:32.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:29

Jerúsia Arruda


Repórter


jerusia@onorte.net

Enfrentando problemas como falta de emprego e moradia, além da dificuldade de adaptação ao processo ensino-aprendizagem depois de tantos anos longe dos bancos escolares, o recém-formado jornalista Rodrigo Magno comemora o título, como diz, conquistado a duras penas.

Formado em janeiro de 2006 pela Funorte – Faculdades Unidas do Norte de Minas, Rodrigo diz que o Jornalismo é, para ele, uma grande paixão.

- Gosto de contar histórias, de escrever. Confesso que, no começo, pairou alguma dúvida sobre a opção que havia feito.Antes, por influência da família, quis estudar Direito, que é muito bonito e a maioria das pessoas faz ou por vocação ou por tradição familiar, mas em ambos os casos todos gostam mesmo é de ser chamado de doutor. E não é o meu caso. Hoje, posso dizer que o Jornalismo, além de vocação, é uma paixão – explica.

CURSO TÉCNICO OU SUPERIOR?

Durante muito tempo, o curso de graduação – o 3º grau – foi considerado um luxo para uma minoria de privilegiados que, além de condições financeiras favoráveis, tinha no título uma forma de exercício do poder. Isso se tornou parte da cultura do país em virtude da forma como foi constituída nossa sociedade no período colonial e imperial, deixando seus resquícios e influências para a geração contemporânea.

Até outro dia era comum ouvir dizer que faculdade não vale a pena, que o curso técnico é muito melhor, mais rápido e mais barato, capacitando o profissional no mesmo nível que o curso superior.

Na prática, talvez. Mas a verdade é que o mercado de trabalho se tornou cada vez mais exigente e, hoje, além do curso superior, é preciso ter certas qualificações que se tornaram um diferencial entre profissionais. Não basta ser um especialista em uma área específica. É preciso ser gestor na área em que se propõe trabalhar.

OPÇÕES

Rodrigo Magno tem 43 anos. Durante 15 anos trabalhou como industriário em Belo Horizonte, sua cidade natal, no período de 1980 a 1995. Pai de dois filhos, Bruno Cirino, de 16 anos e Gustavo Cirino, de 12, Rodrigo diz que pensou em se graduar em um curso voltado para a área em que atuava, para a qual se preparou em curso técnico, mas foi desestimulado pela gerência da empresa onde trabalhava, que disse que o curso técnico proporcionava uma remuneração quase igual ao curso superior, evitando um investimento alto que, em época de inflação galopante como era, se aplicado, poderia render muito mais.

VENCENDO DESAFIOS

Com o final do casamento, em 1995, Rodrigo deixou o emprego e se mudou para Montes Claros. Na época com 32 anos, trabalhava como vendedor de enciclopédias, até ser absorvido pelo exército de reserva capitalista.

Sua natureza inquieta e uma insistente falta de emprego o conduzem a várias experiências, até decidir-se ingressar na faculdade. Estudando cerca de dez horas por dia para se preparar para o vestibular, conseguiu uma vaga no curso de Jornalismo.

- As dificuldades eram muitas. Meus pais moram em um sítio, próximo ao município de São João do Pacuí, e como não estava trabalhando, meu pai me deu uma moto e me disse para tentar tirar meu sustento com ela, pois mais não poderia me dar. Uns parentes me deram um lugar para morar, provisoriamente, onde acabei ficando durante todo o período do curso. Graças à solidariedade dessas pessoas pude chegar até aqui.  Com a ajuda de Deus, consegui me classificar na seleção para o Fies – Financiamento estudantil oferecido pelo governo federal, e então fui à luta – relembra.

GANHA-PÃO

Rodrigo conta que, logo nos primeiros dias de aula, se cadastrou em uma agência de mototáxi e começou a trabalhar.

- A parte do pagamento da faculdade que me cabia tirei na garupa de uma moto. Trabalhava todos os dias, nos finais de semana, principalmente à noite, porque era melhor remunerado - conta, relembrando que, na casa onde morava, viviam outros estudantes, alguns primos seus, e estudavam juntos, riam, sofriam e passavam por tudo acreditando que, para estudar, valia a pena.

- No trabalho de mototáxi se ganha muito pouco e, se você quiser aumentar a renda, tem que trabalhar dez horas por dia, chova ou faça sol, para no final da semana ter condições de manter ao menos o básico, o essencial. Não dá para pensar em lazer, roupas novas, essas coisas – lamenta.

Segundo Rodrigo, a mudança de uma vida estável, como a que tinha em Belo Horizonte, para a de estudante em Montes Claros foi muito difícil. Depois de oito anos de casamento, 15 anos de emprego fixo e 18 anos sem estudar, ele diz que teve que se adaptar.

- Eu não podia deixar me afetar pelos problemas. A saudade dos meus filhos era imensa, a falta de uma família ao meu lado me fragilizava, mas tentei me segurar, pois sabia que se desistisse não teria outra chance – argumenta.

SEM BENEFÍCIOS

Ganhando um salário sempre menor que o valor da mensalidade da faculdade, atrasando os pagamentos e tendo dificuldades na portaria, Rodrigo diz que o ensino no Brasil está muito longe de atender a comunidade carente.

- As ofertas para se chegar ao ensino superior são muitas, mas as pessoas ainda encontram muitas dificuldades. Mesmo com programas como Prouni, pessoas que, como eu, ficaram muito tempo sem estudar e não participaram do Enem – Exame nacional do ensino médio – jamais serão beneficiadas.

PROJETOS

Agora formado, Rodrigo diz estar otimista em relação ao mercado de trabalho. Com um projeto de um site, uma espécie de catálogo onde disponibiliza informações sobre os profissionais da área de saúde que atuam em Moc e região para os usuários que buscam pelos seus serviços - o www.encontresaude.com.br, se prepara para firmar sua própria empresa,  ao mesmo tempo que planeja um curso de pós-graduação em assessoria de comunicação.

- Sei que é um novo desafio, mas me sinto preparado. Valeu a pena o esforço. Esse é um investimento que fiz em mim e me sinto melhor como pessoa por isso – conclui.

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