Ney Antunes entra em estúdio para produzir primeiro CD

Jornal O Norte
08/12/2005 às 10:39.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:55

Jerúsia Arruda


Repórter


jerusia@onorte.net

Ele recebeu a música em sua vida da forma mais natural possível: ouvindo em casa, junto com a família, ainda criança, numa época em que aparelho de televisão era um luxo e o rádio e a vitrola eram o centro das atenções na sala de quase todos os lares brasileiros.

Nessa época, meados da década de 1970, as estrelas da vitrola eram Ataulfo Alves, Anysio Silva e muitos outros grandes nomes da música, que pautavam os crepúsculos pueris de um garoto que viria a se tornar um dos mais respeitados músicos de sua geração.

Com formação musical sedimentada numa época em que a música transcendia os valores artísticos assumindo funções sociais, Ney Antunes é hoje um artista que não admite fronteiras, classificações ou rótulos musicais. Para ele a música é cosmopolita e não tem pátria.

- A música não tem nacionalidade. Se é para colocar nacionalidade na música, tudo nasceu na áfrica, até que me provem o contrário cientificamente. Desde que o primeiro africano bateu no peito ou deu um grito no meio da selva, a música nasceu ali e se espalhou pelo planeta afora. Não há como rotular. O que ontem era Bolívia cortou um pedaço, virou Acre; é Brasil. O que ontem era União Soviética cortou um pedaço, virou Alaska; são Estados Unidos. O que era Palestina virou Israel. Você só pode determinar uma fronteira musical quando o raio de influência é curto. Mas com a globalização isso não é mais possível, tudo está misturado. São poucas as exceções e eu poderia citar, por exemplo, o Clube da Esquina, que tem toda uma história de Belo Horizonte, mas mesmo assim, tem influência da música inglesa. Em Montes Claros temos um raio de interação musical que tem um domínio gigantesco, se estendendo, de um lado, de Montes Claros a Belo Horizonte, e do outro, de Montes Claros a Salvador. Mas não dá para afirmar sua homogeneidade – analisa.



LINGUAGEM DE CÓDIGOS

Instrumentista, compositor, cantor e artista plástico, apesar de considerar primordial a inspiração, o insight, para Ney Antunes a arte é uma linguagem de códigos onde o artista é só um matemático puro e aplicado.

- É claro que quando ao compor uma obra, você ultrapassa esse lado de linguagens e códigos e tenta transcender numa comunicação energética diferente e pode parecer estar no mundo da lua. Mas para funcionar, é preciso haver um fechamento, uma conclusão de raciocínio de forma a dar sentido à composição, respeitando seus elementos. Antes as universidades classificavam artes como áreas humanas, nunca foi – argumenta.

Ainda em tenra idade, por volta de 8-9 anos, Ney estudou saxofone, depois violão, no Conservatório estadual de música Lorenzo Fernandez. Nessa fase, já conhecia a tropicália, a música inglesa e já havia comprado seu primeiro disco: um compacto de Elvis Presley, que viria a se tornar uma de suas paixões. Esse disco foi o primeiro de uma coleção de mais de 1000 LP’s selecionados com as preferências adquiridas ao longo dos anos.

INFORMAÇÃO MUSICAL

Seu primeiro emprego, por volta de 15 anos de idade foi em uma loja de discos – a Curtsom – que na época dispunha de mais de 40.000 discos com 20.000 títulos diferentes. Trabalhava dez horas por dia, copiando seleções dos sucessos da época em fita cassete e com isso, acabava ouvindo tudo que estava na moda. Assim foi definindo suas preferências e em casa, já arranhando um violão, ouvia as músicas que gostava. Resultado: consolidou a informação e o musical se tornando um grande conhecedor da história da música e de seus personagens, em todo mundo.

De sua coleção, Ney fala sobre um disco que a Polygran lançou – 20 anos de Polygran – que é um show ao vivo com os artistas da gravadora na época, entre eles Caetano Veloso, Raul Seixas, Jorge Mautner, Beth Carvalho e muitos outros. Ouvindo o disco, Ney diz que começa a perceber a importância da melodia.

- Todo mundo canta e é aplaudido, aí entra Odair José e a platéia vaia. No meio da música, entra Caetano e canta o refrão: eu vou tirar você desse lugar... e o povo aplaude. Esse momento do disco me intriga. Por que as pessoas aplaudem se a música é a mesma, a letra é a mesma? Então percebo que só com a melodia da voz do Caetano foi possível uma nova roupagem. Então eu entendi que havia alguma coisa de interessante que ia além da letra – Diz.

PAIXÃO PELO BLUES

A presença do blues foi marcante na vida do músico. Ainda garoto, quando trabalhava na loja e fazia suas pesquisas, Ney começou a se interessar pelo ritmo que embalava artistas de todo mundo.

- Eu ouvia canções dos anos 50, Elvis Presley, Chuck Berry, Bill Halley, músicos norte-americanos do rock’n roll e queria saber onde se inspiravam. Então descobri que tinham bebido da fonte do blues. E todos os outros músicos ingleses dos anos 60, como Beatles e Rolling Stones, para resumir, bebiam dessa mesma fonte. Quando lia alguma coisa sobre os Led Zeppelin, Jimmy Hendrix, sempre dizia que eles amavam o blues. Então comecei a pesquisar as raízes daquele som e descobri que pulsava no mesmo ritmo do meu coração, no ritmo do meu pensamento.Eu tinha um interesse muito grande pela guitarra e descobri que se quisesse tocar bem, não havia outra escola a não ser a escola do blues. Mesmo a guitarra flamenca ou escola indiana, da cítara, os elementos são os mesmos do blues, dos microtons. Entre Dó e Dó Sustenido tem mais uma meia dúzia de dozinhos; são poucos ouvidos que percebem mas a gente sabe que eles estão lá. E isso me fascinava. È a mesma escala chinesa, escala pentatônica, escala flamenca, que dá origem tanto à música caipira da moda de viola quanto ao blues com slide do Mississipi – explica.

URUBLUES

Depois de morar por um tempo em Belo Horizonte, onde estudou guitarra e conheceu a noite da capital mineira, Ney retorna a Montes Claros e monta sua primeira banda – o Urublues – que continua ativa, preparando um cd ao vivo, com lançamento previsto para início de 2006.

- Depois que descobri o blues - como música, não como rótulo musical - dificilmente outro tipo de música me comove. O Urublues nasceu como fruto dessa paixão, apesar de não ter sido planejado. Em uma conversa de mesa de bar com os músicos Bob Marcílio e Cuca Moon, começamos a brincar com o nome que batizaríamos a banda, quando montássemos uma. Cuca sugeriu uma banda de Jazz, que se chamaria Corujazz; eu sugeri uma banda de Blues, que se chamaria Urublues e Bob Marcílio, cômico como sempre, perguntou então porque não montávamos um grupo de Tango que se chamasse Orangotango. Na hora rimos muito, mas acabei abraçando a idéia e, em 1990, começamos o projeto Urubles que já teve em sua formação, nesses 15 anos, mais de cinqüenta músicos, alguns com genialidade musical, outros com mediocridade musical, mas todos maravilhosos. Me sinto orgulhoso e tenho consciência da importância desse trabalho que fez escola e reuniu grandes nomes da música montes-clarense em um mesmo palco. Sei do valor que a banda teve para todos nós que fizemos e ainda fazemos parte desse projeto – avalia o músico.

EM ESTÚDIO

Depois de 22 anos na estrada, Ney Antunes entra em estúdio para gravar seu primeiro CD, que, surpreendentemente não será de blues.

- Nesse trabalho individual, se eu perder a oportunidade de explorar outros elementos da música, posso me perder no todo. Não posso ficar preso ao blues. Sou guitarrista e nesse CD vou até cantar, apesar não me considerar um cantor. Acho que posso me dar o direito de explorar novos elementos – justifica.

Com sampler, squash, linha drum-bass, guitarras com elementos de jazz e do blues, Ney pretende fazer algo diferente de tudo que já foi produzido em Montes Claros. O CD, com provável título Coruja, nome de uma das faixas, composição de Cori Gonzaga, tem ainda música de Marcelo Godoy e Gabrich, Beu e André Emerson, e parcerias com Bob Marcílio, Sholmes Souto e Tiaya Godoy, além das próprias composições.

- Me sinto imaturo, porque como guitarrista de blues, uso poucos recursos tecnológicos, apenas uma guitarra seca e um amplificador valvulado de onde tiro os efeitos. Mas acho que vai ficar bem bacana – conclui.

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