O Cinema Comentado, em parceria com entidades e profissionais que atuam na área de saúde mental, exibe neste sábado, 20, o filme Bicho de sete cabeças e o documentário Em nome da razão, com o propósito de refletir sobre o movimento antimanicomial e levar essa discussão à comunidade.
BICHO DE SETE CABEÇAS
Além de um drama eficiente, Bicho de sete cabeças (2001) é um retrato assustador do sistema manicomial brasileiro. Imagine um cruzamento entre a frieza dos funcionários do hospital de Um Estranho no Ninho e a brutalidade e pobreza da prisão turca retratada em O Expresso da Meia Noite e terá uma vaga idéia do tipo de tratamento que estas instituições oferecem aos seus internos.
O filme, inspirado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano, conta a história de Neto, um adolescente perfeitamente sadio que é internado em um manicômio por seu pai, que espera, com isso, afastar o filho das drogas. Consciente da trágica realidade brasileira, a cineasta Laís Bodanzky aproveita a história forte para realizar um filme que é mais do que simples entretenimento: Bicho de Sete Cabeças é, além de tudo, uma contundente denúncia das instituições. Com experiência em documentários, a diretora age com inteligência ao manter a estética desse gênero: com a câmera sempre na mão e a fotografia realista, Bodanzky confere à película uma dimensão jornalística que não apenas torna o filme mais forte do ponto de vista dramático, mas também mais denso e verossímil.
GALERIA DE LOUCOS
É importante ressaltar a magnífica preparação de elenco: os coadjuvantes e figurantes encarnam seus papéis com perfeição, criando uma galeria de loucos que convence sem apelar para o estereótipo. Mas a grande força do filme reside, sem a menor sombra de dúvida, na poderosa performance de Rodrigo Santoro, que retrata com eficiência o arco dramático percorrido por seu personagem: de adolescente inconseqüente e alienado a um adulto amargurado e marcado por experiências traumáticas.
EM NOME DA RAZÃO
Na programação será exibido, também, o curta-metragem Em nome da razão (1979), dirigido por Helvécio Ratton. Filmado no Manicômio de Barbacena, revela todos os ambientes do hospital: pavilhões de velhos, aleijados, crianças, homens e mulheres. As seqüências se interligam pela imagem de um longo e escuro corredor do hospício enquanto uma interna canta sua música. A narração propõe uma reflexão sobre a função social do manicômio: para que e a quem servem os hospitais psiquiátricos, quem são as pessoas enviadas para lá, e qual o processo de cura e recuperação a que são submetidos.
SISTEMA MANICOMIAL
Poucos espectadores sabem disso, mas o sistema manicomial brasileiro tornou-se, nas últimas décadas, uma espécie de indústria incrivelmente lucrativa: além das milionárias (e mal empregadas) verbas injetadas pelo governo, ainda há um assustador mercado de cadáveres, já que várias faculdades de medicina utilizam os corpos de ex-pacientes psiquiátricos como espécimes de estudo de anatomia.
Ao retratar um mundo em que cura é um conceito tragicamente abstrato, os dois filmes emocionam (e assustam) profundamente. E – o que é mais importante – fazem pensar.
CINEMA COMENTADO
A sessão acontece neste sábado, na sala Geraldo Freire, a partir das18h30. Logo após o jornalista Elpídio Rocha e profissionais de saúde mental promovem debate sobre o filme e o tema com a platéia. A entrada é de graça.