Já não se fazem mais natais como antigamente: Mídia influencia na preferência das crianças e da sociedade pelos brinquedos

Jornal O Norte
05/12/2005 às 11:14.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:55

Jerúsia Arruda


Repórter


jerusia@onorte.net

O natal se aproxima e o comércio se fantasia e se prepara para uma temporada gorda. Entre os principais objetos de sedução do consumo típico da época, estão os brinquedos que, segundo pesquisa realizada pelo Nepes - Núcleo de estudos e pesquisas econômicas e sociais da UNIDERP/UNAES, representam 12% das vendas de final de ano em todo o país.

Para atender ao público mirim que, em algumas regiões ainda têm o hábito de fazer sua lista para o Papai Noel, as lojas se enfeitam, contratam papais-noéis e enchem suas prateleiras dos brinquedos da moda ditada pela grande mídia.

Houve um tempo em que a infância era alimentada pela fantasia e a imaginação. Nesta época se escreviam bilhetinhos e os depositavam no correio ou dentro do sapato ou da meia, esperando que Papai Noel atendesse ao pedido na noite de Natal. Hoje, a maioria das crianças que ainda escrevem esses bilhetinhos tem plena consciência de que Papai Noel não existe e, para elas, é apenas um folclore, um jeito diferente de dizer a seus pais e familiares qual o presente querem ganhar.

Rendidas ao poder da publicidade e do consumismo – assim como seus pais -, se encantam com o brinquedo que vêem nas TV, nas vitrines das lojas ou com o que o coleguinha de escola acabou de ganhar.

Cristiane Peres é proprietária de loja de brinquedos há doze anos e diz que viu o mercado se transformar de forma impressionante.

- Antes vendíamos de tudo e tudo de boa saída. Hoje, só vendemos o que está na mídia. As meninas só querem as bonecas que viram na propaganda e os meninos, jogos eletrônicos – explica.

Segundo a especialista em Psicologia sistêmica, Marta Maria Gomes, presentear o filho é um desafio duplo, pois há que se agradar ao filho e à sociedade. Nem sempre o presente idealizado pelos pais é o que acabam comprando.

- Como somos peça dessa engrenagem capitalista e o que mais desejamos é aprovação (nem tanto de nosso filho - inconscientemente), mas da sociedade que nos cerca, nos infantilizamos e não sabemos o que fazer. 

FIM DA MAGIA

O Natal é um período em que o acolhimento familiar traz preenchimento pessoal e os presentes funcionam para demonstrar o afeto entre familiares e amigos. Mas a magia deixou de existir. Talvez até os sonhos das crianças deixaram de existir; os sonhos dos brinquedos preferidos, os sonhos onde a magia do Natal vivia e permeava com presentes o bom comportamento do ano inteiro. Agora, as crianças já sabem que vão receber presentes, e são elas que determinam quais devem receber. Na época dos bilhetinhos também se escrevia o que gostaria de receber, mas não tinha essa frieza. Nas cartas ao Papai Noel eram depositados as esperanças e os maiores sonhos e desejos.

Os brinquedos têm o poder de encanto aos olhos das crianças, transformando seu mundo em verdadeiros contos de fada, pautados pelas possíveis funções que esses pequenos objetos podem assumir. Essa relação é dupla, pois, muitas vezes, a força da personalidade das crianças sobre os brinquedos, evidente na tenra idade, é intensa. Em outros casos, também podendo ser percebido nos primeiros anos de contato com os brinquedos, serão estes que contribuirão fortemente na formação da personalidade infantil.

IMAGEM DA INFÂNCIA

O escritor baiano Gilberto Freyre, muito antes de publicar seu livro Casa-Grande & Senzala, ainda com vinte e quatro anos de idade, escreveu um artigo onde a imagem da infância, através do mundo dos brinquedos, é um feliz retorno à realidade infantil:

- Neste Natal, vendo as lojas cheias de brinquedos e de caixas de chocolate, lembrei-me dos meus natais de menino. E dos meus brinquedos de menino. Lembrei-me do pequeno mundo que eu fazia funcionar como se fosse um deus: pequeno mundo de soldadinhos de chumbo, dos quais desmilitarizava grande número por meio de tacos de pano e retalhos de papel que lhes serviam de sobrecasacas, fraques, batinas, alvas. (Freyre, 1979: 105, v. II)

Um ano antes dessa publicação, Gilberto escreveu um texto sobre sua impressão diante da cidade de Nuremberg. Nesse artigo, o escritor faz um verdadeiro discurso falando da importância do brinquedo na infância e sua influência na personalidade da criança:

- Quando eu era menino possuí várias caixas de soldadinhos de chumbo. Eram o meu encanto. Não me envergonha confessar que brinquei com os ditos até os treze anos - quando já era redator-chefe do jornal do colégio. Devo aos tais soldadinhos muitas horas de alegria e, ao mesmo tempo, valor educativo. Não brincava com batalhas; sem querer fazer gala de bom gosto posso afirmar que a vontade de ser general ou palhaço de circo jamais me empolgou. (Freyre, 1979: 240, v. I).

NOVO MERCADO

- Nossas crianças não têm mais espaços de produção cultural. A rua está em crise.

Essas frases, ditas em recente artigo por Edmir Perrotti, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, anunciam muito do que serão, daqui a uns anos, os 23,4 milhões de brasileiros que hoje têm entre 06 e 12 anos. Esses 13,8% da população nacional, segundo dados do censo demográfico 2000, estão privados das ruas, calçadas e praças, tendo na escola o último de seus espaços de criatividade e convívio social. Um espaço que tem se mostrado incapaz de propor alternativas ou mesmo questionar o poderio literalmente bélico da indústria do entretenimento - uma engenhosa máquina que trata a infância como negócio e crianças como consumidores.

Trancafiados em casa ou na escola, esses garotos e garotas movimentaram R$ 853 milhões do mercado de brinquedos e outros R$ 206 milhões em livros infantis e juvenis. Mas o grande companheiro tem sido o jogo eletrônico, que fatura entre 120 e 200 milhões de reais anualmente, segundo estimativas do Instituto DataMonitor no ano 2000. A indústria de games, que sofre com a pirataria - até 75% dos jogos são cópias não-autorizadas -, tem produzido aventuras cada vez mais sofisticadas. E violentas, o que levou o ministério da Justiça a proibir oito desses brinquedinhos por excesso de violência. Desde dezembro do ano passado, os fabricantes de jogos eletrônicos são obrigados a informar nas embalagens a classificação etária do produto.

Segundo Marta, se tem discutido em torno desse tema e é certo que desestimular o comércio desse tipo de brinquedo é uma das formas de desestimular o conceito de violência implícito que eles trazem. Contudo, a mudança de comportamento é diretamente proporcional à mudança de mentalidade.

PREMISSA BÁSICA

- Quanto ao exercício da violência, essa regra é mais que uma premissa básica. Quando falamos de leis e regulamentos, nem de perto alcançamos os ditames e os comunicados subliminares que atravessam nossa práxis social. A violência precisa ser reconhecida também no nosso dia-a-dia, especialmente nas suas formas mais sutis. Os livros em troca de armas de brinquedo? Não. É ainda muito pouco o incentivo e investimento editorial no nosso país. Esse bem de consumo não movimenta o mercado como os brinquedos e a meninada, população alvo das datas que superaquecem o comércio, é convidada a desejar o que a mídia nos convence a comprar. A comunicação nesse caso é duplo-vinculada: não incentive a violência, não dê armas de brinquedo, mas compre o que fabricamos e deixe seu filho feliz neste Natal, analisa.

Cristiane Peres diz que, atualmente, apesar de as crianças procurarem muito por jogos e desenhos de combate, está mais difícil vender armas de brinquedo. Talvez por opção dos pais, ou por influência das campanhas do governo no combate à violência, o comércio desse tipo de brinquedos tenha sido desestimulado. Houve um tempo que armas de brinquedo eram campeãs de venda; hoje a procura é bem menor – conta a lojista.

ARMAS E MINIATURAS

José Luís, vendedor ambulante há quase cinco anos, diz que sempre vendeu armas de brinquedo e miniaturas de heróis de desenhos animados.

- Sempre percebi uma preferência das crianças por brinquedos que lembrassem lutas, combates. Mas de um tempo pra cá já não vendo mais revólver ou qualquer tipo de arma de fogo de brinquedo, explica o vendedor.

Karen Santos, 10 anos, diz que se encanta com o caleidoscópio e com bolinhas de sabão, que para ela são brinquedos imbatíveis, porque não se repetem.

- Minhas colegas não acham graça e preferem outras coisas como CD de rock e axé e meus colegas só querem saber de vídeo-game. Não me importo de ser diferente, nos damos bem assim mesmo – diz Karen.

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