Eu não tenho medo é o filme que o Cinema Comen-tado exibe neste sábado, 21, dentro da mostra Panorama do cinema mundial. O filme é considerado um dos gran-des momentos do cinema italiano.
A perda da inocência através do contraste com o mundo dos adultos já serviu de argumento a diversos filmes. Poucas vezes, contudo, com a delicadeza do diretor Gabriele Salvatores em Eu não tenho medo, indicado pela Itália ao Oscar de filme estrangeiro. Salva-tores, ganhador do Oscar por Mediterrâneo, foi extrema-mente feliz na adaptação do romance homônimo do escritor Niccolà Amanti, co-autor do roteiro.
O enredo é bem simples. Michele mora no Sul da Itália com a mãe, o pai e a irmã. Nos belíssimos campos amarelados da região, onde brinca com os amigos, certo dia ele descobre um buraco escondido, no qual está preso um menino, aparentemente da mesma idade. A amizade entre os garotos e as reve-lações que daí decorrem desenharão um verdadeiro mosaico de aprendizados, que incluem temores, decep-ções e heroísmo. Apesar do medo e do receio que por vezes o dominam, Michele é sempre capaz de emprestar solidariedade, de desafiar ainda que silenciosamente quem o ameaça.
Salvatores indica com sutileza que a luta contra esse medo se desenvolve interna-mente ao manter o título original do filme em letras minúsculas, como se desta-casse o sussurro do protago-nista para si mesmo impulsio-nando suas ações.
Com a intenção de colocar o espectador na pele do pequeno herói, o diretor abusa dos planos subjetivos, filmados em geral com a câmera posicionada na altura dos olhos do menino. As conversas entre os pais, as brigas... Há um imenso e desconhecido mundo que enfim se revela entrecortado pela porta do quarto e pelas janelas parcialmente abertas. A beleza do filme deve mui-to à excepcional fotografia de Italo Petriccione, que pinta de tons amarelados a tela, evocando a memória e a música de Ezio Bosso, que sublinha eficazmente o liris-mo que envolve as grandes revelações. Os atores, princi-palmente o elenco infantil, têm atuação irreparável. São especialmente expressivos os olhares que descortinam alegrias fugazes, como a de comer um doce, ou a de acenar para os helicópteros que sobrevoam os campos - sem saber que na verdade são da polícia e sinalizam o encaminhamento trágico da história.
Extremamente bonito, muito bem realizado, poético, mas também perturbador e atual, o filme é uma obra de qualidade que deve ser assistida.
O Cinema comentado, projeto da secretaria municipal de Cultura, acontece na sala Geraldo Freire, todos os sábados, a partir das 18 horas e é de graça. Logo após a exibição tem bate-papo coordenado pelo jornalista e professor de Cinema Elpídio Rocha.