Jerúsia Arruda
Repórter
jerusia@onorte.net
Hoje começam as festas de agosto em Montes Claros. O encontro é agendado por devotos de norte a sul do país e acontece há mais de 150 anos, movimentando a cidade durante cinco dias, misturando em um mesmo cenário, raças, credos e classes sociais.
Começa hoje as Festas de Agosto, que representam uma das mais expressivas manifestações culturais de Montes Claros
(foto: montesclaros.com)
Dentro da programação tradicional, também acontece o Festival Folclórico, em sua 28ª edição, trazendo artistas de diversas cidades brasileiras, nos mais variados estilos, para compor a programação artística da festa.
Durante o Festival, acontece, ainda, o 10o Encontro de Cultura e Educação, com debates, palestras e mesas-redondas sobre a cultura brasileira, focando o tema Territorialidade e Pertencimento, questionando a interferência de instituições oficiais e não-oficiais nas manifestações populares tradicionais, levando em consideração os povos e a língua, que é uma grande unificadora definidora de territórios.
Curiosamente, apesar do tema das discussões do festival, muitos artistas da cidade se sentem abstraídos de um espaço que, segundo eles, deveria ser reservado para divulgar o patrimônio cultural do qual a música faz parte e que, a cada ano, especificamente no caso da música, vem sendo destinado a artistas de outras localidades.
O presidente da Associação dos Artistas no Norte de Minas, Josecé Santos diz que apesar de representar há três anos os 350 artistas cadastrados na Associação nunca foi convidado para participar da escolha dos shows.
- Todos questionam porque não foram convidados e isso causa um mal estar muito grande para a Associação. Já nos oferecemos para participar, ajudar, mas nunca fomos convidados para nenhuma reunião. A festa é a mais antiga da cidade e uma ótima oportunidade para evidenciar os muitos talentos que temos aqui, mas na hora de montar a programação a representação dos artistas não participa – lamenta Josecé.
FAVORECIMENTO
O cantor e compositor Jorge Santos, que está na estrada há 25 anos, com sete discos gravados e finalizando o próximo trabalho, diz que considera a escolha dos shows um favorecimento para uma minoria.
- Fico questionando quando os artistas que durante tantos anos carregaram o nome de Montes Claros pelo mundo a fora terão um espaço digno, respeito e reconhecimento por parte da administração municipal. Confesso que toquei na última Festa do Pequi e fui remunerado, mas o espaço é tão pequeno, a divulgação tão insignificante, que nem dá para considerar como show. Eu, por exemplo, toquei apenas quatro músicas. Fico envergonhado quando amigos de outras cidades chegam aqui para tocar e entusiasmados me perguntam quando será meu show, e não sei como dizer que não estou na programação. Eles ficam sem entender, porque já fizemos muitos shows juntos em outros lugares e aqui, na minha cidade, fico de fora. Realmente, me sinto humilhado – desabafa Jorge Santos, que morou em Belo Horizonte durante 10 anos, onde criou o projeto Curriola Mineira, reconhecido por artistas de todo o país. Segundo ele, o espaço que abriu na capital e o respeito que conquistou lá é muito maior do que o que lhe é dispensado em sua cidade natal. Ele diz que hoje somente os alunos do conservatório recebem atenção das instituições públicas e são considerados artistas.
FIM POLÍTICO
O cantor e compositor Pedro Boi, que há 28 anos trilha a estrada musical, com seis discos e várias canções gravadas por artistas como Sérgio Reis, Saulo Laranjeiras, Pena Branca e Xavantinho, Igor Coimbra, Wilson Balbino e muitos outros, diz que não se importa em não fazer parte das festas tradicionais da cidade.
- Não fico indignado porque não dependo das festas de Montes Claros para viver, até porque, se dependesse morreria de fome. Recebo convites para participar de festas e festivais por todo país e, graças a Deus, não me falta trabalho. Mas sei que é triste para artista não ser reconhecido em sua própria cidade – pondera Pedro Boi, que diz ter se cansado de ver em Montes Claros a música ser usada com fim político.
POSIÇÃO SECUNDÁRIA
O professor de bateria do conservatório estadual Lorenzo Fernandes e do curso de Música da Unimontes, Marco Neves diz que talvez a falta de espaço seja por culpa do próprio artista.
- O artista tem que se profissionalizar, ter maturidade e saber se impor para que possa usufruir da mesma atenção dispensada aos artistas que vêm de fora. O próprio artista se põe em posição secundária, não se dando valor, pede até pelo amor de Deus para tocar, contentando com o que lhe sobra. Pessoalmente não posso reclamar, porque quando preciso do espaço, chego com o trabalho pronto e acabado. O músico precisa se valorizar, encarar a música como um projeto sério – diz Marco que toca há 20 anos, boa parte deles em Belo Horizonte.
VITRINE
Até a tarde de ontem, as informações oficiais que chegaram à redação do jornal O Norte só davam contam dos shows dos artistas de outras cidades e, para saber sobre a participação dos artistas locais, foi preciso pedir à secretaria de Cultura uma programação que incluísse todos os shows.
O cantor e compositor Carlos Soyer, que se apresenta no Festival ao lado de Léo Lopes, Cláudio Mineiro e Marden, no dia 17, diz que lamenta que a divulgação seja feita dessa forma.
- Deveria ser exatamente o contrário: o artista daqui é que deveria ser priorizado. A melhor vitrine que temos é a secretaria de Cultura, que promove as festas tradicionais da cidade, e é ela quem tem de evidenciar o trabalho dos artistas que estão produzindo, principalmente aos que têm um trabalho autoral. Sempre participo das promoções da secretaria, mas acredito que esse espaço pode ser melhor aproveitado por todos os artistas que fazem um trabalho sério. É preciso que a classe se una, que se institua um sindicato atuante e faça valer os direitos do artista – diz Soyer.
DESMERECIMENTO
O guitarrista e compositor Warleyson Almeida diz que considera a festa uma contradição.
- A meu ver as festas de agosto têm a finalidade de divulgar a cultura regional que é tão rica, porém se contradizem na questão dos shows, pois não tendo o devido espaço, o músico norte mineiro se vê fora de um movimento cultural em que ele está inserido diretamente, como agente construtor da história, perdendo espaço para artistas de outras localidades. Esta falta de apoio empana os grandes talentos de nossa região – argumenta o músico.