Jerúsia Arruda
Repórter
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É muito comum na infância sonhar em um dia ser artista. A imaginação fértil, e a sensibilidade das crianças facilmente as conduzem para o mundo mágico que a arte inspira e muitas se apaixonam pela música, pelo teatro, pela dança, pela pintura, pelo desenho, embaladas pelas histórias de contos de fadas que hoje já não se limitam à Literatura, envolvendo personagens bem próximos de nós.
Mas, para sair do sonho e partir para a prática, a profissão de artista requer disciplina, estudo, sacrifícios, parceria entre familiares, nem sempre disponíveis. Principalmente quando a modalidade escolhida envolve superação de preconceitos e discriminação.
Na dança, por exemplo, se para as meninas os obstáculos são gigantescos, para os meninos a situação é ainda mais complicada, face aos conceitos que a sociedade, ainda hoje, tem em relação ao bailarino. Imagine há 20, 30 anos?
O bailarino montes-clarense, Celimar Maia, 35 anos, sabe bem o que isso significa.
De volta a Montes Claros, Celimar Maia planeja montar um espetáculo solo e abrir uma escola de dança (foto: arquivo)
Ele foi uma dessas crianças que se apaixonaram pela dança desde que consegue se lembrar e, para realizar o sonho de subir aos palcos, teve que enfrentar o desafio de viver em uma cidade do interior, com hábitos provincianos, família e amigos reticentes e sem espaço para se profissionalizar. Aos 15 anos, a primeira oportunidade surgiu com a professora e bailarina Ymma Martins, com quem estudou balé clássico.
- Foi uma época difícil, porque as pessoas achavam que balé não era profissão, e sofria toda sorte de preconceitos – diz Celimar, acrescentando que, apesar das dificuldades, não poderia ter escolhido outro trabalho.
Durante o período de iniciação ao balé, Celimar participou do projeto Circo dos Bairros, onde, ao lado de outros bailarinos, ensinava o que aprendia às crianças carentes pelos bairros de Montes Claros.
ABRINDO CAMINHOS
Quatro anos depois de se iniciar na dança, Celimar Maia se muda para Belo Horizonte e logo nos primeiros dias na capital participa de uma audição no Corpo de Balé do Sesiminas, aprovado com louvor.
- Não tinha a técnica dos outros candidatos, mas tinha postura e um bom físico, que fora bem treinado pela professora Ymma e isso fez a diferença na hora da seleção. Fiquei no Sesiminas por seis anos e foi lá que aprimorei a técnica e tive a oportunidade de conhecer outros grupos e ampliar meu conhecimento sobre a arte que escolhi para norte de minha vida - recorda o bailarino, que diz que assim que começou a dançar no novo grupo, teve certeza de estar cada vez mais no caminho certo.
Celimar diz que um dos momentos mais marcantes nesse período foi sua participação como bruxo no espetáculo Lago dos Cisnes, ao lado de bailarinos do grupo russo Kirov.
NA ESTRADA
Depois do balé do Sesiminas, Celimar se enveredou por novas experiências. Conheceu a dança contemporânea no grupo de Dudude Hermam, dando uma guinada em sua carreira.
- Fiquei com Hermam por um ano e foi impressionante a mudança que o novo estilo provocou em meus conceitos sobre a dança. Descobri que estava no escaninho do balé clássico, limitando meu espaço de atuação. A dança contemporânea ampliou meus horizontes e, a partir de então, comecei a alçar vôos mais altos. Fui para Niterói /RJ, onde o espaço era constantemente visitado por coreógrafos internacionais, depois fui dar aulas de balé clássico no Rio de Janeiro, no centro de danças Jaime Arôxa, em seguida, entrei como solista de um grupo, que já estava com o espetáculo pronto, com o qual viajei pela Alemanha durante sete meses, fazendo até cinco espetáculos por dia. Apesar de desgastante, foi muito enriquecedor - diz Celimar.
Depois que retornou da Alemanha, Celimar foi para Londres, onde conheceu um novo universo da dança.
- Em Londres é tudo muito caro e você paga por semana. Além disso, o mercado é muito concorrido e é difícil conseguir trabalho. Mas tive sorte ao fazer um teste para a BBC e participei da gravação da vinheta de abertura da rede. O problema é que na hora da gravação sofri uma queda e machuquei a coluna e tive que dar um tempo. Consegui um trabalho como professor de dança e fiquei lá por seis meses, até o fim do visto - conta o bailarino.
DE VOLTA PARA CASA
De volta a Montes Claros, desde dezembro do ano passado, Celimar diz que está tentando um novo visto para retornar a Londres, mas por causa dos ataques terroristas que têm acontecido por lá, ficou mais complicado.
Por enquanto, o bailarino planeja montar um espetáculo solo e, se ficar em definitivo na cidade, abrir uma escola de dança.
- Montes Claros cresceu muito desde que saí daqui, há dez anos, mas a falta de espaço de trabalho continua a mesma, assim como a falta de incentivo e de patrocínio. É importante para o artista ter um trabalho que lhe resguarde os direitos trabalhistas e uma disciplina de horários e salário. Percebi que os grupos que foram formados nos últimos anos na cidade estão fazendo um trabalho estruturado, mas é cada um na sua. Gostaria de montar um curso que pudesse contar com a parceria de todos os professores e bailarinos, para que a classe pudesse ser fortalecida - argumenta o bailarino que diz que é preciso união e engajamento dos artistas para que a arte realmente aconteça em Montes Claros.
TOQUE DE MESTRE
Para os novos bailarinos, Celimar dá uma dica.
- Não estudem somente balé, mas também dança contemporânea para que possam ampliar o mercado de trabalho. Façam uma boa base aqui, mas não esperem por uma companhia, conheçam outras cidades, outros grupos, outras realidades. No Brasil existem pelo menos 15 companhias profissionais e milhares de bailarinos buscando por uma vaga. Procurem se especializar, façam essa diferença e contem sempre com a sorte - conclui.