Jerúsia Arruda
Repórter
jerusia@onorte.net
Impossível não se render à reflexão diante dos quadros de Conceição Melo, que estão em exposição no espaço cultural Konstantin Crhistoff, desde o dia 5 de maio. Com o tema Santos Sacrifícios, a artista plástica lança mão da religião para pintar santos católicos, numa versão contemporânea, usando a lógica e a energia das transformações da arte moderna, sem abrir mão de recursos velhos conhecidos, como o arabesco, para nutrir o debate entre tradição e modernidade, com uma linguagem que atinge todos os públicos.
A exposição vai até o dia 15 de maio e pode ser visitada de 8h às 18h, gratuitamente.
Em um bate-papo descontraído a reportagem de O Norte conversou com Conceição Melo que, com seu jeito meigo e uma simplicidade típica daqueles que estão voltando quando muitos ainda estão indo, falou de suas experiências com as artes plásticas, seu namoro com a literatura e dificuldades para se manter no mercado de trabalho.
(foto: Wilson Medeiros)
- Porque santos sacrifícios?
- A falta de esperança, o povo está sofrendo tanto. O mesmo grito do rio São Francisco, o mesmo apelo dos índios, agora o apelo do povo, pela fé. O lado espiritual é o que mais grita hoje em dia. Há uma desesperança e o único consolo que as pessoas têm é a fé.
- Você sempre alia sua obra a elementos naturais e, ao mesmo tempo, a sentimentos humanos?
- É uma preocupação com o meio ambiente, mas o lado humano fala bem alto. Eu sempre pintei muitas flores e acho que elas levam à paz espiritual.
- Apesar de a temática ser próxima da usada em seus últimos trabalhos, dá perceber que houve uma mudança.
- A técnica e temática estão diferentes. Mas eu acho que o artista tem que buscar novas tendências, tem que estar atualizado, antenado com o mundo.
- Você sentiu alguma dificuldade nesse processo?
- Não, a mudança fluiu naturalmente, de dentro pra fora, chegou explodindo. A arte tem isso. Tanto que essa exposição estava marcada para agosto, mas eu produzi tão rápido que resolvi antecipar.
- Porque escolheu a religião como tema?
- Não escolhi, acho que fui escolhida.
- Tem algum envolvimento pessoal, relembra alguma fase de sua vida?
- Sou uma pessoa de muita fé e a cada dia venço uma barreira, supero os sacrifícios diários. Santos sacrifícios. A vida da gente é uma eterna luta. Essa inspiração veio no momento certo, me deu muita paz e estou tentando passar isso para as pessoas. É uma função de minha arte. A maioria das pessoas que fazem aula de pintura comigo não vêm só aprender a pintar, vêm fazer arte como terapia.
- Quem são seus alunos?
- Crianças, com quem trabalho a cultura visual, despertando a sensibilidade e a criatividade, estimulando um novo olhar para as coisas do dia-a-dia. Às vezes a gente passa durante anos pela mesma rua e nem percebe o que mudou nela. Então tento chamar atenção para isso. Já com os adultos é um trabalho mais terapêutico. Muitos chegam achando que não têm nenhum talento, só estão a fim de pintar para distrair e de repente descobrem que podem ir além.
- Como você se definiria tecnicamente, em que estilo você se enquadraria?
- Acho que já defini meu estilo, mas estou sempre mudando de técnica. Nas três exposições que fiz, em todas fui fiel às cores. Quem viu duas ou três obras minhas consegue identificar meu traço. Acho que definir estilo é isso, marcar sua pincelada. Você olhar para uma peça e saber de quem é. Em relação à técnica, estou sempre inovando. Nas exposições anteriores trabalhei só com tinta acrílica. Nessa eu trabalhei uma técnica mista. Joguei aguada, acrílica, tom xadrez, folha de ouro para dar a sensação de madeira envelhecida, arabesco para lembrar o barro, sempre de forma mais contemporânea.
- As Artes plásticas não são acessíveis ao grande público. Como é morar em Montes Claros, longe dos grandes centros, em relação ao mercado de trabalho?
- Não só nas artes plásticas, mas na música, no teatro, é preciso que a gente crie o próprio espaço, não ficar esperando ajuda. Eu por exemplo tive dificuldade para realizar essa exposição, mas fui atrás até conseguir. E a resposta do público aqui é boa, as pessoas gostam de arte. É um trabalho mais caro, mas sempre alguém compra alguma coisa. Modestamente se vive de arte aqui sim.
- Já fez exposição em outras cidades?
- Já fiz exposição em Brasília, em Belo Horizonte, sempre em galerias.
- E como é a aceitação?
- Nada é fácil. A gente não consegue nada de um dia pro outro. Eu tenho 20 anos de carreira, são 20 anos de história, e eu estou sempre buscando espaço, divulgando, batalhando e hoje para mim o saldo é positivo, mas não foi nada fácil não.
- Como é o espaço para divulgação do seu trabalho em Montes Claros?
- O Centro Cultural é espaço para tudo e todos e por isso está sempre de agenda lotada, é preciso reservar com um ano de antecedência e você não sabe se daqui a um ano a exposição estará pronta. É preciso improvisar. Essa coisa de expor em barzinho, em restaurante, não dá certo. Lugar de quadro é na galeria. Você vai a um restaurante para comer. É preciso valorizar o trabalho e para isso tem que ter espaço. Não se pode banalizar.
- Tem recebido apoio de alguém?
- Tem a lei de incentivo à Cultura, mas nunca tentei. Normalmente faço minhas exposições sem patrocínio, vendo uma ou duas telas antes e banco a exposição. Não é fácil não.
- Como surgiu a idéia de aliar a literatura à pintura, para dar vida aos livros?
- É uma temática leve, sempre mexendo com o lado afetivo das pessoas. É um trabalho lúdico, com frases curtas, mas profundas. Quando eu falo alimente seu amor com amor, pare e olhe nos olhos, elogie, ouça com carinho, são coisas que se perderam no dia-a-dia. As pessoas correm tanto que não têm tempo de ouvir às outras, de mandar um bilhetinho. O livro Pare e... Fala exatamente disso. Já o Uma visita à Bienal foi uma experiência que tive na Bienal de São Paulo do ano passado. Conto como foi esta exposição para falar sobre arte contemporânea. As pessoas têm dificuldade em falar de arte, dizem que não entendem. Não é verdade, todo mundo entende. É o que emociona que faz a pessoa gostar. Por isso escrevi esse livro. Fui à Bienal, que é o maior evento de arte contemporânea no Brasil e, de uma forma simples, falo que não é preciso ser intelectual para entender a arte, tem que atingir a nossa emoção. Você pode estudar, mas é preciso ter sensibilidade e não colocar a arte como uma coisa distante, quando na verdade ela está no nosso dia-a-dia. A arte faz o coração bater mais leve, nos torna... Suaves. O livro quer passar isso.
- Tem algum projeto que você sonhou, tentou colocar em prática e não conseguiu?
- Estou tentando publicar o livro Uma visita à Bienal. Enviei para um agente literário no Rio de Janeiro e estou aguardando.
- Que recado você deixa para nossos leitores?
- Que convivam mais com a arte, que tentem pintar, todo mundo pode. Trabalhar com a arte suaviza a vida. Quem não gosta de pintar, dance, cante, mas deixe a arte fazer parte de sua vida.