“O dinheiro sumiu”, lamenta o endodontista Anderson Vieira, que sofre com cancelamentos
Levantamento mensal realizado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mostra que o endividamento familiar se tornou uma epidemia financeira no Brasil. A cada 100 famílias, 79 estão endividadas.
A maior parte das dívidas não está atrelada a bancos, mas a serviços em geral: contas de luz, telefone e internet, carnês de loja e prestações de carro e casa.
Com tanta dívida, o país tem atingido níveis recordes de inadimplência, já que muitas famílias não conseguem pagar as contas em dia. É o maior volume desde 2010, quando teve início a série histórica monitorada pelo CNC.
Uma entre tantas trabalhadoras que entrou para esta triste estatística é a doméstica montes-clarense Edmara Santos Almeida, de 36 anos, mãe solo de três. “Tá uma situação complicada: com um salário mínimo, tendo que pagar água, luz, aluguel, feira e despesas dos filhos”, lamenta.
Comerciante Simone Rodrigues (ARQUIVO PESSOAL)
Edmara conta que se vê obrigada a optar pelos pagamentos a efetuar, dando prioridade aos mais urgentes para a sobrevivência.
“Deixo de comprar muitas coisas. Há meses não faço uma feira digna. Compro coisas picadas: um pacote de arroz, um de açúcar, macarrão e assim vai. Por isto, deixei de pagar a conta de água e luz da casa que estava morando de aluguel. E tive que sair de lá. Mas expliquei minha situação para o dono da casa. Disse que assim que puder, devolvo o dinheiro, mas agora não dá, não tenho”, reconhece.
Tem também a situação dos trabalhadores que estão sofrendo com o aumento da inadimplência. É o caso do endodontista Anderson Vieira Ramos, que lamenta o alto número de desistência de tratamentos. “O dinheiro sumiu. Dependemos dos pacientes para ter uma vida melhor, inclusive, vai depender do poder aquisitivo do paciente também. Como esse poder aquisitivo está baixo, isso recai sobre nós”, ressalta.
Para Anderson, que depende desse ciclo entre prestação de serviço, paciente e pagamento, a escassez de um e outro tem grande impacto em seus negócios.
Endodontista Anderson Vieira Ramos (ARQUIVO PESSOAL)
“Os pacientes estão desmarcando demais. Posso dizer que já temos 50% menos. Isso se reflete sobre o nosso trabalho e sobre nossa vida. Está muito difícil assim!”, afirma o dentista.
Simone Rodrigues, que possui uma loja há 14 anos, também está sofrendo com a inadimplência. “Tenho clientes bem antigos, que sempre pagaram as contas em dia. Mas isto não está acontecendo mais. Muitos deles, pessoas honestas, estão deixando de pagar os boletos ou atrasando muito o pagamento”, conta.
Simone diz que a inadimplência era pequena no início de sua atividade comercial – de 1% mais ou menos. “Agora, já está em 8%”.
“Esses clientes bem conhecidos alegam que não estão dando conta de pagar uma água, uma luz. Pessoas que eram pontuais e hoje estão tendo que optar o que vão pagar. É lamentável esta situação do país, porque acaba caindo na gente que é menor”, desabafa.
De acordo com o economista Aroldo Rodrigues, o índice de inadimplentes tem aumentado por falta de planejamento, queda de renda e aumento da taxa de juros.
“O primeiro ponto é a queda de renda, pois o nível de desemprego estava alto e as famílias fizeram dívidas com uma renda que não se concretizou. Os empregos estão retomando, mas demora para se normalizar”, pondera. Em relação às taxas de juros, a pandemia piorou o cenário. “Com a inflação alta, o remédio para conter foram os juros. E as prestações ficaram mais caras, o que contribui para essa alta na inadim-plência”, explica.
Aroldo dá uma dica para quem pretende se livrar da condição de inadimplente. “Tem que fazer planejamento, considerar em não fazer parcelas muito alongadas. E contar com imprevistos, que acontecem, e ter uma boa educação financeira neste sentido”, aconselha.