Obra revela processo criativo de João Cabral de Melo Neto

Em meados dos anos 1980, o poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999) entregou para a filha Inez um fichário escolar com alguns manuscritos dentro

Jornal O Norte
05/11/2013 às 09:35.
Atualizado em 15/11/2021 às 17:14




 
                                                                       Foto: Divulgação

O livro traz os rascunhos incompletos dos primeiros
versos de uma criação de João Cabral de
Melo Neto em 1966




Em meados dos anos 1980, o poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999) entregou para a filha Inez um fichário escolar com alguns manuscritos dentro. “A cegueira não me deixou terminar, faça o que quiser com isso”, disse o escritor a respeito do estudo para um auto que se chamaria “A Casa de Farinha”. São Paulo.

O texto finalizado resumia-se a poucos diálogos, mas Inez Cabral percebeu que o material trazia uma joia rara: seu processo criativo. “Ao ler o texto, deparei-me com seu jeito de ser e trabalhar, e com o caminho percorrido desde a ideia inicial até o trabalho concluído”, escreve ela no prefácio de “Notas Sobre um Possível A Casa de Farinha”, publicado agora pela editora Alfaguara.

Trata-se dos bastidores de uma criação na qual João Cabral começou a trabalhar em 1966 – e o livro traz os rascunhos incompletos dos primeiros versos. O aumento da falta de visão é notado na caligrafia do poeta que, de redonda e perfeita, torna-se, aos poucos, torta e quase ilegível.

Mesmo incompleto, o livro é precioso ao revelar a minuciosa pesquisa de João Cabral sobre um assunto que conhecia desde a meninice: o ambiente do local onde é tratada a mandioca até se chegar na farinha. O vocabulário, os hábitos, a prosódia, os detalhes mínimos do processo de produção, nada escapa ao poeta, que testa versos sobre o conflito entre tradição e modernidade.

CONTEÚDO. Em“Notas Sobre uma Possível A Casa da Farinha”, novamente é possível perceber a ruptura radical na linguagem da poesia brasileira provocada por João Cabral. Antes dele, os versos nacionais viviam à sombra do simbolismo e da retórica pomposa. A partir de “Pedra do Sono”, de 1942, mas especialmente com a publicação de “O Cão sem Plumas” (1950), o poeta revela uma escrita marcada pelo estilo seco, cortante, uma visão materialista da escrita, além de seu desprezo ao enfeite e à beleza fácil.

A leitura sempre surpreendente de seus poemas nos convence de que Cabral era um arquiteto da poesia – cada verso era cuidadosamente pensado, a fim de dar forma a uma estrutura consistente do poema.

Em prefácio da edição, o também poeta Armando Freitas Filho destaca: “A casa de farinha, aberta e escancarada, por obra do poeta, e mesmo inacabada, talvez até por isso mesmo, parece refletir em tempo real os acontecimentos – do estabelecimento em perigo, prestes a esfarinhar-se – e o ir e vir da inspiração de quem os descreve e pesquisa, e desde o seu começo mostra soluções dramatúrgicas com muitas possibilidades de desenvolvimento”.


Ficha
O que. “Notas Sobre uma Possível A Casa da Farinha”, de João Cabral de Melo Neto, Alfaguara, 152 páginas, R$ 49,90

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