Arte na alma sertaneja

Neste Dia do Artesão, O NORTE mostra o trabalho de artistas da região que buscam na cultura local a inspiração para trabalhos que ganham o país e o mundo

Manoel Freitas - Adriana Queiroz
19/03/2019 às 08:03.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:51
 (MANOEL FREITAS)

(MANOEL FREITAS)

A madeira ganha formas inimagináveis – esculturas ou violas que geram sons de enfeitiçar. A tela e a porcelana recebem cores e desenhos que encantam e fascinam. Sementes, fibras e tecidos têm vida nas mãos de quem transporta para a peça a cultura que recebeu desde pequeno e o dom lapidado. No país, 10 milhões de brasileiros sobrevivem do artesanato, segundo dados da Confederação Nacional dos Artesãos do Brasil.

Esses profissionais são autênticos porta-vozes do saber de um setor da economia que possui elevado potencial de geração de trabalho e renda.

Hoje, 19 de março, é celebrado o Dia do Artesão, data escolhida por ser o dia de São José, ou José de Nazaré, protetor dos artesãos e carpinteiros.

Seja o artesanato produzido nos grandes centros urbanos, como no interior e nas nações indígenas, a maioria dos artífices, pelo conhecimento acumulado através de gerações, começa o aprendizado muito cedo.

São mãos obedientes que, além de despertar as aptidões latentes do obreiro, aprimoram-lhe o intelecto, de modo a transformar a habilidade, o talento, a imaginação, em peças úteis e belas, capazes de traduzir de modo simples os costumes de cada povo.

Terapêutico também, o artesanato da região é o espelho da diversidade cultural. São técnicas distintas que retratam o folclore, a religiosidade, a fauna, a flora. No sertão, assume vários significados a partir da transformação da matéria bruta, emprestando aos objetos sua marca pessoal, sua originalidade.

Para celebrar a data, O NORTE foi a campo, em Montes Claros, São João das Missões – território indígena – e em Bocaiuva, conhecida internacionalmente pelos méritos de seus luthiers, como João de Bichinho. Além de transformar a madeira que a mata descarta em viola, violão, rabeca, violino e instrumentos de percussão, fabrica suas próprias ferramentas.
 
MERCADO
Nosso circuito das artes começa pelo Mercado Central de Montes Claros, onde há 42 anos o artista Tibúrcio Pereira da Silva, de 81, natural da comunidade rural de Mirante, em Porteirinha, trabalha oito horas por dia, sorridente.

Diz não ter noção de quantas peças fez até hoje. “São 52 anos trabalhando direto, sempre procurando melhorar”, argumenta. Para ele, a peça mais importante é a “Grávida”, que levou cinco meses para concluir. “Deu mais trabalho, tem mais arte, porque talhei o feto utilizando ferramentas muito pequenas”. Perguntado sobre o valor da obra, mineiramente respondeu baixinho: “50 mil reais”, lembrando que uma peça similar vendeu para a atriz e apresentadora Regina Casé.

Pai de cinco filhos, todos criados com o dinheiro da arte, Tibúrcio explica que nunca estudou e produz em ambientes e horários distintos. “Quem manda é a inspiração. Quando estou com ela, pode estar com o barulho que for, que crio, sem nenhum problema”.

Diversidade norte-mineira
Considerado um dos maiores fabricantes de instrumentos musicais do Brasil, João Alves Botelho, o João de Bichinho, de 68 anos, tem a oficina na comunidade de Gameleira, em Bocaiuva. São 54 anos dedicados ao ofício.

O luthier trabalha basicamente com madeiras da região na feitura de instrumentos de cordas e percussão que já foram parar nas mãos de músicos e colecionadores do mundo inteiro, sobretudo dos Estados Unidos.

Tão importante como exportar, ele chama atenção, “é poder receber amigos como o tocador e compositor Téo Azevedo, para o qual fabriquei minha primeira viola”. Emocionado, mostra duas facas que fabricou ainda jovem, com as quais produz 12 horas por dia.

Disse não gostar de falar de valores, “mas como a prosa está boa, vendo uma viola caipira de Cedro na faixa de R$ 1.200, mas isso aí depende da qualidade do material, às vezes levo 15 dias para fazer um só instrumento”.

NA TERRA XAKRIABÁ
De Bocaiuva vamos para São João das Missões, na Aldeia Morro Faiado, terra do povo Xakriabá. Lá, Sarvino Ferreira, de 41 anos, comemora a certificação nacional de artesão que recebeu ano passado, depois de prova de habilidade documentada pela nossa reportagem.

Ele acredita que o artesanato indígena nunca foi tão valorizado. “E aqui as aldeias produzem peças com grande importância para nossa cultura, a partir de vários materiais, fibras, cipós, frutos, sementes, ossos, dentes, garras e dentes de animais”. Diz que trabalha o ano inteiro apenas com madeiras e ossos. No caso da madeira, o Itapicuru.
 
DE VOLTA A MOC
Aos pés da montanha, entre os parques municipais Milton Prates e Sapucaia, O NORTE encontrou o talento do jovem artesão e artista plástico Jorge Delavega, de 25 anos. Natural de Montes Claros, é doutor em Artes pela Federação Brasileiras de Artes e Letras (Febacla), em São Paulo, com graduação em Artes Plásticas. “Minha vida se confunde com a arte, posso dizer que vivo de arte”. Quinto de seis irmãos, é o único da família que enveredou por esse caminho.

“Desde criança eu já desenhava com lápis, grafite, giz, até chegar à pintura de quadros, porcelana e hoje tenho clientela em diversos países da América Latina e da Europa”, relata. Quando recebeu nossa equipe, tinha acabado de terminar um trabalho para compradora de Lisboa.

No bairro Jardim São Luiz, foi a vez de registrar os traços e cores da artesã e artista plástica Tuca Conceição Melo, que já publicou três livros, “todos voltados para a arte”. A habilidade começa nas paredes do ateliê e continua nas porcelanas, com desenhos e frases que pregam a elevação da autoestima. “São riscos e rabiscos de pincéis em telas que desmistificam opiniões, crenças, mitos e superstições, que refletem o momento que estou vivendo, ou seja, eu me transbordo”.

Em ambiente com forte cheiro de religiosidade, ornamentado com dezenas de imagens de São Francisco de Assis, protetor dos animais, oferece ao cliente mais exigente desde telas, pinturas em roupas, porcelana, madeira e sofás: um cardápio completo e cheio de graça.

Tuca, como é carinhosamente conhecida, salienta que pinta “desde que me entendo por gente” e que a sua vida gira em torno da pintura. Nos sofás, nota-se a predominância de figuras femininas, emoldurados de flores e legendas poéticas.

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por