Crítica: Dança Comigo questiona vergonha de desejar mais

Jornal O Norte
26/03/2008 às 11:18.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:28

Fabíola Cangussu


Repórter

Quem nunca caiu na armadilha de olhar alguém e imaginar que essa pessoa tem tudo para ser feliz. Acreditam piamente que o jardim dessas pessoas vivem cheios de flores, independentemente da estação do ano.  Como se o cansaço do dia-a-dia delas  jamais as fizessem suar, e o hálito refrescante de hortelã brotasse dos seus lábios todas as manhãs.

Exagero? Talvez sim! É possível que esse comentário esteja carregado nas cores e nos tons. Mas tirem o excesso e analisem com mais cuidado a visão que se cria do mundo. Pensem nos comentários feitos em rodas de amigos sobre o visinho, o diretor  das empresas, ou mesmo de um ator e atriz que tanto admiram.

Não é raro encontrar comentários sobre tudo o que alguém conquistou, e em muitos casos, alguns pré-julgamentos são feitos, do tipo O que podem querer mais? Afinal já conquistaram sucesso profissional, uma família linda, ou mesmo afirmam que a jovem é linda, tem corpo perfeito... O que mais podem querer?

Nossa! Como isso é insano! Como é possível alguém se achar capaz de julgar quem merece ou não conquistar algo mais?

Porém, algo mais louco pode acontecer! De repente alguém pode acordar de manhã, começar a observar sua vida e descobrir que conquistou muito, muito mais do que muitos durante toda uma vida irão consegui. E isso tem  efeito perverso. Pode nascer a culpa de não ser a pessoa mais feliz do mundo. Nesse contexto as pessoas começam a usar máscaras para reafirmarem que são inteiras e que correspondem ao ideal de felicidade criada no imaginário de todos, e que de alguma forma aprenderam aceitar como certa.

É nesse momento que inicia Dança comigo, no aniversário de  John Clark - Richard Gere ator que já conquistou o público em clássicos, como Linda Mulher, Noiva em Fulga e Gigolô Americano-, um advogado bem sucedido, especialista em testamento e com uma família harmônica, assume a vida como rotina perfeita. O acordar cedo, ir ao trabalho, voltar para casa e reencontrar a família, sem se darem conta de que a vida pode oferecer um pouco mais. Algo que a cada dia fica mais comum na vida das pessoas.

Peter Chelsom, mesmo diretor de Escrito nas Estrelas, conseguiu demonstrar esse conformismo do protagonista. Logo nas primeiras cenas, Suzan Sarandon, interpretando Beverlin Clark, esposa de Jonh Clark questiona o desejo do marido, algo que ele pudesse querer, pois ela não conseguia perceber o que realmente pudesse agradar o companheiro de vida. E a resposta clássica é dita pelo personagem como se fosse uma verdade universal: O Que mais posso querer? Tenho tudo, uma família linda e uma mulher que amo.

Mas será que realmente se conquista tudo? Será que verdadeiramente se consegue  atingir um estágio que não se planeja novos sonhos e mesmo assim se obtém a felicidade?

Na volta para casa, como tantas outras, John Clark observa uma moça de olhar triste e perdido, encostada na janela de uma academia de dança, a dançarina Paulina, vivida por Jennifer Lopes. O desejo de conhecer a bailarina faz com que o advogado se matricule na academia para estudar dança de salão.

Os mais afoitos ou simplistas podem achar que se trata de uma atração, ou mesmo de uma possível traição conjugal. Mas enganam-se. O que impulsiona esse encontro é a vontade do advogado entender como alguém se permite o direito de expor em sua face a decepção, a angustia de não mais querer sonhar ou mesmo de desejar alçar novos vôos. Verdades que ele próprio tenta ocultar de todos.

Após o início das aulas, o advogado começa a se soltar mais, apresentar maior leveza na maneira de conduzir a vida, o que despertam suspeitas da família. E daí desencadeia cenas engraçadas vividas por Suzan e o detetive  contratado para descobrir o que está promovendo as mudanças no comportamento do marido.

Sem dúvidas o expectador vai deliciar com as cenas vividas por Stanley Tucci  Peterson ,Bobby Cannavale e Omar Benson Miller, e certamente o prazer da dança passará a fazer parte do imaginário de todos.

E mesmo que o divertimento o filme possa não ser unanimidade, a reflexão mínima passará por alguns instantes na mente. Quem sabe um grito interno de Sim quero mais, quero poder acordar um dia mais tarde sem dar explicação a ninguém, encontrar pessoas diferentes e conversar, descobrir o prazer de fazer coisas que nunca sonhei, descobrir minha alma e conectar com as minhas outras milhares de possibilidades de existir. Mas também o expectador merece o direito de não ser obrigado a revoluções pré-determinadas, a levantar bandeiras do algo a mais. Afinal, que tem o direito de dizer o que é certo ou errado. Na dúvida, assista Vem Dançar na companhia de amigos, pipoca e com espaço que permita um tango, afinal nunca se sabe.

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