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Segunda-Feira,11 de Agosto
entrevista

Thalya Dias transforma luto em arte e homenageia sua mãe

Livro ‘SemTi’ será lançado nesta quinta-feira (7) em Montes Claros

Adriana Queiroz
genteideiascomunicacao@gmail.com
Publicado em 05/08/2025 às 19:00.

O livro SemTi nasceu da junção entre a ideia de ausência e a intensidade das emoções. A escritora Thalya Dias, de Água Boa, distrito de Claro dos Poções, explica que o título carrega tanto a falta quanto o sentir profundo, como uma forma de traduzir a dor e a sensibilidade que ainda permanecem nela. O nome da obra, segundo Thalya, resume tudo o que ficou e ainda pulsa em sua trajetória. O lançamento de SemTi acontece na próxima quinta-feira (7), às 20h, no Conversinhos – Bar e Livros, em Montes Claros, e no dia 16 de agosto, na Praça de Água Boa, em Claro dos Poções.

Como foi o processo de transformar dor e memórias em poesia? 
No início, foi doloroso. Colocar minhas dores sobre a mesa, tirar cada memória do lugar onde estavam guardadas e transformar em palavras me arrancou muitas lágrimas. Mas, talvez, escrever tenha sido justamente o que me curou, a forma que encontrei de atravessar o luto. Em vez de apenas sofrer pela falta, passei a agradecer pelo tempo que tive ao lado dela. Esse livro não é só sobre saudade, ele também marca meu amadurecimento, minha transformação.

Quais temas você explora no livro e o que deseja que o leitor sinta ao ler seus poemas?
Falo de saudade, memória, infância, interior, dor, mas também de amor e esperança. Quero que o leitor se sinta acolhido, que veja nas minhas palavras um espelho para as próprias emoções, e talvez encontre um pouco de cura também.

Você dedicou este livro à sua mãe. Como a memória dela te guiou na escrita?
Sempre gosto de contar minha história com a leitura, porque ela começa com minha mãe. Foi algo natural, ela contava que, com apenas três anos, eu já sabia ler. Uma amiga dela me ensinou as sílabas e, de repente, eu já estava devorando palavras. Entrei na creche sabendo ler, e minha mãe sempre me incentivou muito. Mesmo trabalhando como cozinheira e empregada doméstica, mesmo morando na zona rural, ela fazia questão de comprar um livro por mês. Na época, ela pedia por revista, e aquilo já era um mundo pra mim.
Tive a sorte de ter esse suporte. Ela acreditava mais em mim do que eu mesma. Sempre amou minhas palavras, sempre viu potência onde eu só via dúvida. A memória dela me guia em cada linha deste livro. Ela é a raiz de tudo.

Que lembrança da sua mãe você guarda com mais carinho e que, de alguma forma, está nas entrelinhas de SemTi? 
Tem uma poesia no livro em que falo sobre a roça onde vivíamos. Cito a lamparina, o balanço que era a porteira, o céu repleto de estrelas... Eu me lembro de, certa vez, ver um meteoro de verdade caindo. O barulho do fogo cortando o céu é algo que nunca esqueci.
Morar no interior só fez bem ao meu interior. Naquela época, sem energia elétrica, minha mãe fazia fogueira, queimava palha de aço, e as faíscas voavam por todo ar, foi nesse momento, que eu descobri o que era amar!

Como foi o processo de luto e como ele se conectou com sua arte e escrita?
O luto foi extremamente difícil. Carregar a perda e ainda ser a última pessoa que esteve com ela me fez sentir uma culpa enorme — uma culpa por tudo, mesmo sem sentido. Me afastei de Deus, porque eu simplesmente não conseguia entender. Chorava pelas ruas, sozinha. Não tinha forças pra nada: nem pra trabalhar, nem pra escrever... era como se eu também tivesse morrido por dentro. Fiquei vazia. Ouvir opiniões de fora só piorava, porque só quem vive uma dor profunda consegue compreender esse tipo de vazio. Com o tempo, percebi que Deus, na verdade, tinha sido muito bom comigo. Ele me deu suporte por 24 anos, me deu uma mãe que me moldou, me ensinou o que é o amor. E foi aí que começou a minha cura.

Em que momento da sua vida você percebeu que a escrita poderia ser um caminho de cura?
O momento exato foi com um microfone na mão, em cima de um palco. Por incrível que pareça, ali eu vivi algo único: um silêncio dentro de mim e uma confiança que nem parecia minha. Atrás das minhas poesias, consegui tirar as dores do peito e transformá-las em palavras cheias de vida. Escrever foi, sem dúvida, a minha cura. Minha salvação.

Que conselhos você daria para quem vive uma perda profunda e ainda não encontrou uma forma de expressar isso?
O meu conselho é: chore. Chore muito. Deixe a dor sair pelos olhos. Grite, sinta tudo até que a dor deixe de ser visível e passe a morar dentro. Porque a saudade não passa — ela fica.
O luto não é algo momentâneo. Ele aparece no aniversário, no Natal, no Ano Novo… ou até quando você vai comprar um sorvete e lembra que o picolé favorito dela era de milho verde. E isso, ao mesmo tempo que parece engraçado, machuca. Tudo dói. Todos os dias, alguma coisa lá de dentro quer sair.
Por isso, meu conselho é: guarde as lembranças com amor, não com tristeza. Porque elas são o que fica, e também o que cura.

Já pensa em próximos projetos? Mais poesia, talvez outros gêneros?
Sim! Depois de SemTi, quero muito me aventurar no romance, contar uma história mais longa, com personagens que carreguem as raízes e afetos do nosso cotidiano. Também tenho vontade de escrever um livro totalmente voltado para o Norte de Minas, com nossas expressões, nossa cultura, nosso jeito de viver. Acho importante dar voz ao nosso lugar, porque tem muita riqueza nas nossas histórias. Quero também me empenhar em outras formas de arte, como música e teatro.

Como você espera que SemTi encontre os leitores pelo caminho?
Espero que SemTi encontre cada leitor no tempo certo, como um abraço silencioso em meio ao caos. Que seja companhia nos dias difíceis e aconchego nos momentos de saudade. Não escrevi só para mim, escrevi para quem sente demais, para quem perdeu, para quem ama. Que minhas palavras encontrem corações abertos, e que cada página toque alguém de forma única, como se dissesse: “eu te entendo”.

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