
No século passado, escolher uma profissão envolvia considerações de gênero, tradição familiar e estabilidade financeira. Em 2025, embora o cenário tenha evoluído, desigualdades persistem. Montes Claros exemplifica essa realidade brasileira, com muitas profissões ainda marcadas por divisões de gênero, apesar dos avanços recentes.
O sociólogo Luiz Eduardo Pinto analisa que a persistência de uma divisão profissional baseada em gênero em Montes Claros, e no Brasil de modo geral, é um reflexo da “divisão sexual do trabalho”, um conceito sociológico que descreve a estruturação das sociedades por meio de papéis definidos por gênero. “Aos homens sempre foi associado o trabalho fora de casa, o espaço público e, consequentemente, papéis de liderança no coletivo, enquanto as mulheres são sempre vistas como cuidadoras e responsáveis pelo lar, pelo espaço da casa e o cuidado com a família”, reflete.
Samuel Lima, coordenador de regulação no Hospital das Clínicas Dr. Mário Ribeiro da Silveira (HCMR), notou ser uma minoria masculina em uma turma predominantemente feminina ao escolher enfermagem. “É uma profissão muito respeitada, temos inúmeras referências de enfermeiras que têm um potencial técnico muito importante para a construção do que é enfermagem hoje, mas os homens também têm se destacado pela força e, porque às vezes atuam em transportes extra-hospitalares ou procedimentos que exigem realmente uma força física”, diz.
Questionado se já teria passado por alguma situação em que foi rejeitado por ser homem, ele conta que já viveu essa experiência quando trabalhava na atenção primária e atendeu paciente na área ginecológica. “Algumas mulheres já chegavam com essa resistência, até mesmo por exigência do cônjuge. Então lidávamos com a questão mais burocrática e convidávamos uma colega para o procedimento de coleta. Mas acho que isso, na atualidade, já foi um pouco diluído. Prevalece a ética, a responsabilidade e a enfermagem está chegando no patamar de excelência”, declara o enfermeiro.
É PEDREIRA!
Jeane Mary Sampaio, mestre de obras, acredita que a predominância masculina na construção civil está em declínio. Inspirada por Geni do Carmo, famosa no Instagram, Jeane começou na área por acaso, auxiliando o tio em uma obra com a tarefa de preparar o almoço. “Saí de lá, pedreira. Isso tem mais ou menos uns dez anos. Até então, já havia feito de tudo. Fui empregada doméstica, trabalhei em padaria, fui salgadeira e vendia nas ruas, de bicicleta. Hoje eu me realizo nesse trabalho que aprendi na prática”, conta. A quem acha que o serviço não é de “mulher”, ela responde com mais trabalho e reforça que, quanto mais desafio, melhor. “Gosto muito de fazer reboco, de abrir fossa, mas não escolho serviço, não! Já tive um pouco de medo de altura, hoje, não tenho mais”, afirma.
Jeane relata ter enfrentado preconceitos sutis, percebendo hesitação em sua contratação por ser mulher e dificuldades na negociação salarial. “Quando pego serviço, se o dono da obra for homem, às vezes ele quer me ensinar. E na hora de pagar, tentam negociar um valor menor, mas quando é mulher que contrata isso não acontece”, revela. Perguntada sobre o futuro, Jeane declara que no seu horizonte aparece uma carteira assinada e talvez um curso de engenharia, pois não pretende abandonar a profissão. O segredo, ela diz, é simples. “Acreditar sempre no nosso potencial e nunca deixar as críticas nos abalarem. Essa é a mensagem que deixo”.
Quem contratou o serviço de Jeane não se arrependeu. “Era um serviço de acabamento de parede e os estudos evidenciam que as mulheres, nessa parte de acabamentos, desenvolvem um trabalho com excelência. Além disso, são profissões nas quais a gente tem que dar a chance da mulher participar, então resolvi chamá-la”, disse Raquel Muniz, médica e reitora do Centro Universitário Funorte.
A confiança de Raquel não foi em vão. “Ela correspondeu às minhas expectativas, fez um serviço perfeito. Outra coisa que observei é que, ao terminar o serviço, ela não deixa nenhuma sujeira. Tem o maior cuidado de deixar o espaço onde ela trabalhou bem organizado”, acrescenta. O argumento de Raquel não se baseia em levantar bandeiras. O que ela pretende, como afirmou, é criar e ampliar oportunidades. Nos espaços em que mantém colaboradores, como no HCMR, ela coloca em prática aquilo que defende. “Acho que Deus fez os homens e as mulheres diferentes. Cada um tem um dom e eles se somam. Então, nos espaços da enfermagem, muitas vezes o serviço exige força física, e às vezes, as mulheres no período de gravidez não podem fazer essa função. Então, é muito importante que as equipes sejam compostas de homens e mulheres”, declara.