Quando a liberdade tem preço: réu confesso paga R$ 3.500 e ganha liberdade após cometer crime inafiançável

Jornal O Norte
Publicado em 07/11/2006 às 09:32.Atualizado em 15/11/2021 às 08:43.

Uma decisão do juiz de direito de Montes Claros, Frederico do Espírito Santo, colocou em liberdade após pagar fiança equivalente a 10 salários mínimos (R$ 3.500) o réu confesso Valdeir Quirino, 60 anos, acusado de matar com seis tiros a comerciante Raquel Viana de Souza, 41 anos, no dia 9 do mês passado. O acusado saiu da cadeia no último final de semana.






Valdeir Quirino, que confessou ter matado a amante,


retornou ao cadeião na tarde de ontem (foto: Wilson Medeiros)



Valdeir, que trabalha como caminhoneiro, foi preso em flagrante e poderá ser indiciado por homicídio triplamente qualificado. Se isso acontecer e for condenado, pode pegar de 12 a 30 anos de reclusão e, segundo o juiz titular da Vara de execuções penais, Marcos Antônio Ferreira, não poderia receber liberdade provisória, uma vez que, crimes hediondos são inafiançáveis.



O crime, que chocou Montes Claros pela crueldade e frieza do acusado, aconteceu na manhã do dia 9 de outubro, quando Valdeir matou com quatro tiros a queima roupa a comerciante, que foi encontrada estirada em uma estrada vicinal próxima ao anel rodoviário da MG 653, km 15.



Segundo a perícia técnica da polícia civil, Raquel foi executada com quatro tiros, que causaram várias perfurações na cabeça, no rosto, no braço esquerdo, no braço direito e na perna. Ainda segundo a perícia, a cabeça de Raquel também apresentava hematomas, como se tivesse recebido um soco.



Após levantamentos com testemunhas, policiais do Gate - Grupo de ações táticas especiais da PM prenderam Valdeir Quirino próximo ao posto de gasolina, localizado a 5 km do local do crime.



Juntamente com o acusado foi apreendida a arma do crime, um revólver calibre 38 da marca Taurus de seis tiros, ainda sujo de sangue. As cápsulas dos cartuchos utilizados no crime foram localizadas e apreendidas nas margens da BR 365.



MOTIVO BANAL



Em seu depoimento à justiça, Valdeir Quirino confessou o crime e alegou que matou a comerciante por ciúmes.



O acusado relatou ainda que, após uma discussão, Raquel tentou sair várias vezes do caminhão, mas que ele trancou a porta do veículo. Já na estrada vicinal, Raquel conseguiu pular do caminhão, momento em que Valdeir se armou com o revólver que estava no porta-luvas e disparou um tiro no rosto da comerciante.



Ainda segundo o depoimento de Valdeir, no momento em que a comerciante caiu, com o impacto do primeiro tiro, ele teria descido do caminhão e disparado mais três tiros na comerciante.



PRISÃO DECRETADA



Na tarde de ontem, durante audiência de instrução para ouvir as testemunhas de acusação do crime, o juiz titular da Vara de execuções penais, Marcos Antônio Ferreira, decretou a prisão de Valdeir Quirino, em virtude de recurso impetrado pelo ministério público através do promotor Flávio Márcio Lopes Pinheiro.



O juiz Marcos Antônio informou a O Norte que a prisão foi decretada sob o argumento de que o crime causou grande repercussão na cidade, pela crueldade e por entender que o réu não pode receber benefício de liberdade provisória por dois motivos: primeiro, que crimes hediondos são inafiançáveis e, segundo, porque o endereço do réu confesso não está suficientemente provado no processo, que apresenta três endereços diferentes, o que conseqüentemente poderia facilitar a fuga do acusado.



Abaixo, o leitor de O Norte confere na íntegra as decisões do juiz Frederico do Espírito Santo, que concedeu liberdade provisória ao réu confesso do assassinato da comerciante e do juiz titular da Vara de execuções penais, Marcos Antônio Ferreira, que acatou recurso do ministério público e decretou a prisão de Valdeir Quirino, que voltou para o cadeião, onde deve permanecer à disposição da justiça.



Na tarde de ontem, O Norte procurou o juiz Frederico do Espírito Santo para comentar o assunto, porém, sem êxito.



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DECISÃO QUE LIBERTOU O RÉU CONFESSO



VALDEIR QUIRINO, pede liberdade provisória. Foi preso em flagrante em 09/10/06 e denunciado em 20/10/06 como incurso no art. 121, 2º, I, II, III e IV do CP porque matou sua companheira quando esta lhe disse que ia deixá-lo porque estava enamorada de uma mulher. As pretendidas qualificadoras pelo alegado motivo fútil (passional) e surpresa (após a notícia da traição) bem como pelo meio cruel (desferiu 4 (quatro) tiros), parecem de sustentabilidade duvidosa, o que afastaria, eventualmente, a hediondez impeditiva da liberdade provisória.



É certo também que o inciso II do art. 2º da Lei 8.072 não pode sobrepor-se às exigências do art. 312 do CPP, quais sejam: ameaça à tranqüilidade pública que não se vislumbra no caso do réu, que, tendo 60 anos de idade, uma única vez na vida se envolve num crime passional; a ameaça à instrução processual que também não se vislumbra porque o réu já foi devidamente citado e interrogado; ou ameaça à aplicação da lei penal que parece também não existir porque o réu é primário, sem registro de antecedentes e tem raízes fixas nesta comarca.



Isto posto, defiro o pedido, para conceder a liberdade provisória ao réu Valdeir Quirino, mediante fiança de valor equivalente a 10 (dez) salários mínimos.



Feito o depósito e firmado o termo admonitório, expeça-se o alvará de soltura, se por al não estiver preso.



Assina a decisão o juiz de direito, Frederico do Espírito Santo Araújo, em 1 de novembro de 2006.



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DECISÃO QUE MANDOU O RÉU DE VOLTA AO CADEIÃO



VALDEIR QUIRINO, qualificado nos autos, requer a concessão de liberdade provisória, alegando-se merecedor de responder ao processo em liberdade.



Junta cópias de correspondência a ele endereçada pelo Banco Itaú S.A, de notificação de penalidade de multa expedida pelo DER-MG, de boleto de pagamento e de DARF, título de capitalização e CRLV do ano de 2005, todos com endereço da Rua Eugênio M. Mota, 241, Vila Siom, II, nesta cidade de Montes Claros/MG.



O Ministério Público opina pelo indeferimento do pedido.



DECIDO.



O requerente foi preso em flagrante, por ter assassinado Raquel Viana de Souza, mediante disparos de arma de fogo, no dia 09/10/2006, na LMG 653, Km 15, Anel Rodoviário de Montes Claros/MG, tendo confessado aos policiais militares responsáveis pela prisão, que cometera o crime motivado por ciúmes, alegando que a vítima convivia com o acusado por alguns anos e o estaria trocando por uma mulher “sapatão”.



Confessou ainda, que após o crime, deslocou-se até a estrada de acesso ao Distrito de São João da Vereda, onde dispensou a bicicleta da vítima e a arma guardou na garagem da Empresa Volvo, objetos arrecadados onde indicado pelo réu.



Em seu interrogatório na primeira fase, reservou-se para responder aos questionamentos apenas em juízo.



A prisão processual é disciplinada no artigo 312 do Código de Processo Penal, que determina a possibilidade de segregação provisória quando exigida para garantir a ordem pública, para a garantia da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. A lei exige como pressupostos a prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.



A materialidade delitiva é provada nos autos através do relatório de necropsia de fls. 50/57. A autoria delitiva é inconteste. Apesar do acusado reservar-se ao direito de não responder às perguntas que lhe foram formuladas pela Autoridade Policial, deflui-se do relato das demais testemunhas e prova pericial, ser ele o autor do homicídio a ele imputado.



No caso dos autos, observa-se que estão presentes o fumus boni juris, consistente na prova do crime e existem indícios suficientes da autoria delitiva.



Da mesma forma, presente o periculum in mora, vez que a manutenção da prisão do requerente fundamenta-se na conveniência da instrução criminal. A uma porque, embora o interrogatório em juízo seja predominantemente meio de defesa, excepcionalmente como meio de prova, e sua ausência nos autos prejudica a amplitude defesa e o devido processo legal, constitucionalmente garantidas.



A duas, porque para a instrução criminal será essencial o reconhecimento do acusado pelas testemunhas e o confronto do relato destas com aquele possivelmente a ser apresentada pelo réu em juízo.



A três, porque, no crime contra a vida, é exigida a presença do réu em todas as fases, até o julgamento em plenário, que não pode acontecer se o mesmo não estiver presente.



A manutenção da prisão é também é justificada para assegurar a aplicação da lei penal. Isto porque o réu, apesar de tentar, não comprovou ter endereço fixo e raízes na Comarca, de modo a se assegurar o eventual comprimento da sanção penal.



Com efeito, juntou cópia de alguns comprovantes que mencionam residir na Rua Eugênio Moreira Mota, 241, Vila Siom, II, nesta cidade de Montes Claros/MG, e já no auto de prisão em flagrante delito, apresenta endereço diverso, qualificando-se como residente na Av. Carlos Ferrante, 704, A, Bairro Edgar Ferreira.



De outro lado, não cuidou de juntar aos autos o título que comprove a natureza da ocupação: de próprio, o registro imobiliário, se de terceiro, o contrato de locação, ou documentos similares. Simples documentos de cobrança não comprovam endereço de residência do réu.



Consta ainda nestes autos, que o réu, quando foi preso informou para o policial militar que lavrou o boletim de ocorrência, que residia na cidade de Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro, fls. 12, tudo a demonstrar que a persecução criminal se frustrará se colocado em liberdade.



A manutenção da prisão, encontra guarida ainda, na garantia da ordem pública. Isto porque o fato causou intensa repercussão na pacata comunidade de Montes Claros, porque o crime foi praticado com extrema violência contra a pessoa da vítima, que se relacionava amorosamente com o réu, e foi por ele cravejada com 06 perfurações de arma de fogo.



Além disso, a liberdade do investigado, ameaça a ordem pública local, abalada com os acontecimentos que culminaram a morte da jovem senhora, que deixa órfãos filhos menores de idade.



Observo ainda que, via de regra, a liberdade de acusado de crimes violentos contra a vida é entrave à apuração da verdade, visto que todos temem por suas próprias seguranças e, amedrontados, preferem omitir ou calar a verdade quando instados a colaborar com a justiça em seus depoimentos.



A liberdade de tão perigoso delinqüente (se foi capaz de matar a namorada, quanto mais o será de tirar a vida daqueles com quem não convive), armado e pronto a novos ataques contra bens jurídicos relevantes, fomenta a sensação de impunidade e descrença da população nos órgãos da segurança pública, gerando ainda mais violência.



É do conhecimento de todos, que nas favelas e bairros pobres, impera a ordem do infrator, sendo o cidadão de bem sujeitado a esta situação pela falência do aparato repressor do Estado. Nessa ordem de idéias, não se pode exigir do cidadão que testemunha um fato criminoso, deponha à Polícia ou em juízo, e o sujeite à convivência deletéria com o criminoso.



A experiência demonstra que, nestes casos, a falta de prisão dos investigados é entrave para a apuração da verdade real, pois não é crível que alguém, de bom grado, venha ao processo e preste reais e valiosas informações sobre fato que tenha presenciado, simplesmente porque se não o fizer a lei o puna por crime de falso testemunho, enquanto que do outro lado, tem o marginal, com quem conviverá, tete-a-tete, o punindo com a morte, caso fale a verdade em juízo.



Por isso que, em casos como o dos autos, onde houve a prática de um crime violento contra a vida, onde se instala verdadeiro clima de terror na população da favela ou bairro e conseqüentemente as testemunhas do fato, é que o Estado tem o dever moral e legal de obstar a convivência entre o marginal e a testemunha durante a instrução criminal, garantindo-se à pessoa que viu ou ouviu alguma coisa, a necessária isenção ao prestar seu depoimento, poupando-o inclusive se cruzar com o investigado após prestar esclarecimentos à Justiça, para o bem da instrução criminal e garantia da aplicação, justa e serena da lei penal.



Outro fator que não pode ser esquecido, é que existe a vedação legal contida no artigo 5º, inc. XLIII, da Constituição Federal e na Lei 8.072/90.



A Constituição Federal, no ser art. 5º, inciso XLIII considera inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.



O art. 1º, caput e inciso I da Lei 8.072/90, determina que o homicídio qualificado, consumado ou tentado, é insuscetível de anistia, graça e indulto; fiança e liberdade provisória.



Tanto a redação do texto constitucional, quanto a Lei 8.072/90 são extremamente claras: proíbem qualquer forma de liberdade provisória.



O Supremo Tribunal Federal que já decidiu: “Trafico - Liberdade provisória - A Lei 8.072 de 25.07.90, proíbe, nos crimes de tráfico de entorpecentes e drogas afins, na linha da disposição constitucional inscrita no inciso XLIII do artigo 5º da C.F., a liberdade provisória” (STF, 2ª turma - Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 19.06.92, p. 9.521). (grifei)



A medida extrema de privação da liberdade do requerente durante a instrução criminal se impõe, razão pela qual, INDEFIRO O PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA, recomendando VALDEIR QUIRINO na prisão onde se encontra.



Assina o juiz titular da Vara de Execuções Penais, Marcos Antônio Ferreira, no dia 06 de novembro de 2006.

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