Especial

Pequi, um superalimento

Pesquisadora da UFMG destaca potencial antioxidante e riqueza em vitaminas e sais minerais do fruto do Cerrado

Manoel Freitas
03/02/2023 às 22:28.
Atualizado em 03/02/2023 às 22:29
É do Cerrado do Norte de Minas que vem a maior parte da produção da espécie Caryocar brasilense; ao lado: panha do pequi é passada de uma geração a outra. (BENTO VIANA/ISPN E MANOEL FREITAS)

É do Cerrado do Norte de Minas que vem a maior parte da produção da espécie Caryocar brasilense; ao lado: panha do pequi é passada de uma geração a outra. (BENTO VIANA/ISPN E MANOEL FREITAS)

Para falar sobre o pequi como estandarte da cultura no sertão de Minas, O NORTE, na última edição especial da série sobre o fruto nativo do Cerrado, ouviu a bióloga Sarah Alves de Melo Teixeira, membro do Núcleo do Pequi e Outros Frutos do Cerrado. Foi colaboradora do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas Gerais e do Centro de Estudos de Convivência com o Semiárido. Doutora no Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre da UFMG, a pesquisadora possui graduação em Ciências Biológicas e mestrado em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Estadual de Santa Cruz. 

Sarah, que atua principalmente em temas sobre conservação ambiental, frutos do Cerrado, boas práticas de manejo, organização comunitária e sociobiodiversidade, disse que ter o pequi como tema de tese de doutorado foi “um desafio, mas ao mesmo tempo uma honra, porque trata-se de uma espécie que é símbolo da cultura Norte mineira”. Aliás, revela que desde criança convive com o pequi, “pois era uma festa sair pra catar pequi para o almoço, então, cresci percebendo a importância deste fruto para a alimentação e também economia regional”. 

Explica que quando formou em Ciências Biológicas e começou a trabalhar com as cadeias produtivas de frutos do Cerrado, principalmente o pequi, “fui conhecendo os diversos desafios que tanto a espécie quanto sua cadeia produtiva enfrentam e, com isso, tive o privilégio de contribuir um pouco com alguns destes desafios com a pesquisa que desenvolvi em meu doutorado”. Depois dessa caminhada, disse não ter dúvidas “que as pesquisas científicas já comprovaram que o pequi é um superalimento, com grande potencial antioxidante e rico em vitaminas e sais minerais”.

Segundo a pesquisadora, “mesmo sabendo que o pequizeiro é uma espécie nativa e que esse bioma está presente em cerca de 50% do território mineiro, é no Cerrado do Norte de Minas que vem a maior parte da produção de pequi da espécie Caryocar brasilense em Minas, o que torna o estado de maior produção de pequi do Brasil”. Mais ainda, opinou que “é justamente por causa da cultura do consumo e da comercialização do pequi que nos tornamos importantes guardiões deste fruto, principalmente pelos méritos das comunidades agroextrativistas, que têm nele uma importante fonte de alimento e renda”. Observa que “atualmente Minas é referência nacional em políticas públicas para o pequizeiro”. 

A importância do Pró-Pequi
Sarah Alves de Melo falou a O NORTE sobre a importância do Programa Mineiro de Incentivo ao Cultivo, à Extração, ao Consumo, à Comercialização e à Transformação do Pequi e Demais Frutos e Produtos Nativos do Cerrado (Pró-Pequi), instituído julho de 2001 e regulamentada por Decreto em maio de 2020. “É uma das principais políticas públicas do Governo de Minas, voltada para a sustentabilidade das espécies nativas do Cerrado”, prossegue a bióloga. 

Esclarece que quem faz a gestão do Pró-Pequi ‘é o seu Conselho Diretor paritário entre governo e sociedade civil nomeado pela Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas, a quem compete fazer sua gestão com recursos arrecadados com a derrubada legal de pequizeiros, “que é direcionado aos projetos de assistência técnica, pesquisa e ao incentivo da cadeia extrativista, na verdade um instrumento que incentiva o extrativismo, dentro de uma perspectiva de longo prazo e de sustentabilidade”. 

Indagada se a subnotificação e as falhas no controle de saída de pequi do município de origem são fatores que enfraquecem sua cadeia produtiva, Sarah opinou que sim e apontou a solução; “uma cadeia produtiva estruturada precisa de rastreabilidade, uma exigência do mercado consumidor, o que se torna um gargalo para produtos do extrativismo ou que suas cadeias atuem dentro da informalidade”. Argumenta que “a maioria das pessoas que atuam dentro de cadeias produtivas do agroextrativismo tem muito receio das notas fiscais e informações sobre a origem do produto, por isso são necessárias campanhas educativas para melhor orientar tanto o produtor agroextrativista quanto o atravessador”.

Como integrante do Núcleo do Pequi e Outros Frutos do Cerrado, esclarece que “o produto in natura e de origem do extrativismo é isento de imposto do ICMS em Minas Gerais, mas mesmo assim existe uma dificuldade para a orientação do produtor quanto à emissão desta nota fiscal, porque somente assim o município garante o retorno do Valor Adicionado Fiscal (VAF) desta comercialização, melhora os dados de produção real do pequi dentro do município, possibilita que o extrativista posse ser beneficiado de políticas públicas para a espécie, dentre tantos outros benefícios”. 

Observa que o trabalho coletivo de grupos informais e formais, por meio principalmente de associações e cooperativas, “é muito frequente no Norte de Minas Gerais, o que faz ser uma região de referência neste processo”. Revelou que em seu estudo de doutorado fez um rastreamento de comunidades produtoras de pequi e derivados nas diversas mesorregiões do Estado “e comprovei que no Norte de Minas há uma maior concentração de empreendimentos coletivos de produção de pequi e de outros produtos do Cerrado”. 

Além de nutritivo, é remédio e espiritualidade

O pequi nosso de cada dia tem enorme significado para o maior grupo étnico de Minas Gerais, o Povo Xakriabá. Palavra do Pajé Vicente, uma das figuras mais importantes da terra indígena, não apenas por ser detentor dos conhecimentos e da história, como por sua função de líder espiritual das 37 aldeias, distribuídas em território de 54 mil hectares no Norte de Minas. “O pequi é uma tradição indígena, então desde menino a gente toma cinco gotas de óleo de pequi no café, para fechar o corpo, porque as plantas têm energia espiritual”, ensina o pajé.

Resultado de curso áudio visual na terra indígena, o pajé ajudou a elaborar documentário sobre a “panha do pequi”, no qual destacou a relevância da coleta do fruto do Cerrado, prática repassada de uma geração a outra. Mostrou como os indígenas utilizam o fruto nativo para beneficiamento, comercialização, culinária e tratamentos medicinais, “como bronquites, gripes mal curadas, tosses ressecadas, sinusites e, também, para cuidar de machucaduras”.

À reportagem de O NORTE, o Pajé Vicente disse que para os indígenas “o pequi é também um santo remédio”, alusão ao seu uso na produção de medicamentos na Casa de Medicina, erguida em parceria com a UFMG na Aldeia Barreiro Preto. “Além de servir como alimento, é transformado em remédio para nossas aldeias, no passado mais ainda, quando não tinha doutor e nem enfermeiro”. 

Explicou que o documentário foi feito para incentivar o jovem indígena não somente na coleta do pequi, “bem como no preparo de sua polpa, da paçoca com sua castanha e na extração de seu óleo, largamente utilizado na preparação de nossos alimentos, bem como no tratamento de animais quando machucam”. Tudo isso, chama atenção, para “conservar os meios de sobrevivência a partir dos conhecimentos dos mais velhos, sem contar com sua relevância do ponto de vista espiritual”. 

“O pequi faz o índio ficar forte desde cedo, tem simbolismo espiritual, nos transforma em guerreiros do Cerrado, e, através de trocas de experiências com parentes de outras etnias, com nossos avôs, parteiras, anciões, repassamos os conhecimentos”, prossegue a liderança Xakriabá, lembrando que o fruto “faz também a alegria dos pássaros, além de alimentar animais que ficam embaixo, como a raposa do Cerrado”. Finalizando, Vicente disse falar do pequi sempre com o sorriso no rosto, “porque trabalho de pajé é desejar o bem para todos, ter o espírito da cura, mas tudo com fé em Deus e na Terra, nossa mãe sagrada”. 

Pequi-anão, rasteiro ou de Moita
Cantado em prosa e verso no sertão de Minas, onde tem enorme importância cultural para seu povo, é em algumas partes da região do Campo das Vertentes e Sul do Estado (onde foi descoberto) em São Bento do Abade, que ocorre subespécie do Caryocar brasiliense, o Brasiliense SP. Intermedium, popularmente conhecido como pequi-anão, rasteiro ou de moita. Segundo a Embrapa, a árvore de baixo porte mede entre 30 cm e 80 cm de altura e a cor amarela escura de seu fruto é menos acentuada que a do pequi comum, rendendo em torno de 30 frutos por pé, ocorrendo em pequenos nichos ecológicos.

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 Na quinta-feira (2), O NORTE ouviu em São Bento do Abade, distante 288 km de Belo Horizonte, o casal de agricultores Romildo Teixeira dos Reis e Iracema da Silva Reis, onde o pequi-anão ocorre no Sítio Cafundó. Eles explicam que a subespécie já existia quando adquiriram a propriedade e que muita gente vai até lá para por curiosidade, em função de suas características. 

Seu Romildo diz que os frutos são “muito gostosos “e que prefere consumi-los no arroz e no frango. Revela que não ter conhecido ainda o pequi nativo no Norte de Minas. Já Dona Iracema lembra que os filhos, a família, “só conheceram e passaram a apreciar o pequi depois que compramos o Sítio Cafundó”. Observa que começa a coletar o pequi no final de fevereiro, “quando os frutos começam a cair, mas em janeiro já é possível encontrá-los em menor quantidade”. 

Dona Iracema, a exemplo do esposo, gosta e preparar o pequi-rasteiro no arroz e no frango, mas observa que “de qualquer jeito o fruto é saboroso, até mesmo quando preparado isoladamente, sem tempero”. Além de sua utilização como alimento, observa “ser muito lindo ver os pequizeiros no campo, as árvores cheias de flores”. Faz questão de lembrar que nunca permitiram o corte da subespécie do pequi, “porque para todos nós têm grande importância”. 

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