Pai e filha vítimas do combate ao crime organizado: ordem de execução pode ter sido dado de dentro do cadeião, por aproximação da vítima com a polícia

Jornal O Norte
Publicado em 04/12/2006 às 10:14.Atualizado em 15/11/2021 às 08:45.

Gissele Niza


Repórter


onorte@onorte.net



Um crime bárbaro chocou populares na noite de quinta-feira, 30, quando o  presidente de associação comunitária que lutava no combate ao crime organizado e tráfico de drogas no Bairro Cidade Cristo Rei (Feijão Semeado), considerado pela polícia como principal zona de criminalidade, concentração dos principais traficantes de drogas da cidade e grande fluxo de produtos furtados/roubados, foi executado junto com sua filha de 12 anos. Por volta das 20 horas.



Farley José de Souza, 30 anos, e sua filha Lívia Maria Rocha de Souza, 12, que cursava a 6ª série do ensino fundamental em uma escola do Bairro São José, foram executados na Rua Santo Inácio, a menos de 100 metros de sua casa, por dois homens montados em uma moto de cor escura, sem placa, quando voltavam da rádio Comunidade 97,1 FM, onde fizeram uma gravação chamando a comunidade a participar de uma ação que seria promovida neste sábado no bairro, pela Legião da Boa Vontade.



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Farley, que fazia pregação pela paz, foi assassinado e a filha Lívia Maria





Segundo testemunhas, os homens, que usavam roupas pretas e capacetes com viseiras escuras, aguardavam as vítimas na esquina da rua e logo que os avistaram, um dos criminosos desceu da moto e começou a disparar várias vezes.



Uma das testemunhas, que tem sua identidade preservada, presenciou a cena do crime e informou à polícia que o criminosos teria efetuado os primeiros tiros e, após Farley ter caído no chão, continuou a efetuar os disparos, sendo que o último foi contra Lívia Maria.



As vítimas foram socorridas por moradores do bairro e chegaram ao hospital São Lucas já sem vida. Farley foi atingido por cinco tiros, sendo um na cabeça, um no braço direito, um no ombro direito, um no tórax e outro na bacia; Lívia Maria foi atingida com um tiro que ultrapassou seu peito.



Os corpos de Farley e sua filha estão sendo velados no centro comunitário do Alto João.



ORDEM DE EXECUÇÃO TERIA SAÍDO DO CADEIÃO



Durante o registro do boletim de ocorrência do duplo homicídio, policiais militares receberam várias denúncias anônimas sobre o mandante e executor de pai e filha.





Erivelton Ferreira é apontado pela polícia como principal suspeito do duplo homicídio e se encontra foragido



A primeira denúncia informava que um homem conhecido como Didi Cabeludo, que está preso na cadeia pública da cidade, seria o mandante do crime, pois ainda segundo a denúncia, sua prisão teria sido efetuada após denúncia feita pelo presidente da associação.



Ainda segundo denúncias e levantamentos preliminares feitos pelos militares e equipe do serviço de inteligência da PM e polícia civil, o provável executor do crime é Erivelton Ferreira de Souza, 22 anos, conhecido nos meios policiais como Veto, que possui 11 passagens pela polícia, residente na Rua Maria Idalina, no mesmo bairro.



Testemunhas relataram à polícia que, após o crime, os dois criminosos teriam se escondido na casa de Erivelton. 



Após as denúncias foi montado um cerco na residência do suspeito até o amanhecer de sexta-feira, para cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido pelo juiz Bruno Terra Dias.



REVÓLVER, MUNIÇÕES E DROGA APREENDIDOS NA CASA DO SUSPEITO



Ao amanhecer, os policiais entraram na casa de Erivelton que, segundo investigações, faz parte de uma quadrilha que comanda o tráfico de drogas no local, porém, não foi localizado.



Na casa foi apreendido um revólver calibre 38 da marca Taurus, número de série QF538360 de seis tiros, e dezessete cartuchos calibre 38 intactos; um punhal inox da marca Stainless de cabo duplo, com 13 centímetros de lâmina; um canivete da mesma marca de cor preta e vermelha; uma agenda telefônica com várias anotações; um celular da marca Nokia; R$ 241, em dinheiro; uma carteira de habilitação e um documento de moto; e uma pedra de crack. No quintal da casa foram localizadas duas motos Titan CG 125 de cor azul, placas HAJ 5415 e HBO 0663, que não foram apreendidas por não apresentar impedimentos.



O titular da delegacia de repressão aos crimes contra a pessoa, Giovani Siervi, informou a O Norte na tarde de sexta-feira que os objetos apreendidos na casa do suspeito serão periciados e que o revólver será encaminhado a exame de balística, que poderá comprovar se os tiros que mataram pai e filha saíram da mesma arma.



QUAL FOI O MOTIVO DO CRIME?



Em entrevista a O Norte, o delegado Giovani informa que não é possível apontar o motivo do crime ainda, pois, durante as investigações, várias versões foram levantadas.



- Temos que apurar todas as informações que chegaram até nós, através de investigações e denúncias anônimas, para então apontar os suspeitos e os motivos que levaram a crime tão brutal. Desde o momento do crime, nossas equipes estão nas ruas e já foram informadas, entre outras versões, de que a ordem de execução teria sido dada por um preso da cadeia, outra que o motivo do crime foi uma discussão entre o presidente do bairro e dois traficantes, por causa de um som alto no bairro, outra de que o motivo seria a aproximação da vítima com a polícia para combater o crime organizado no local. Como já disse, não podemos afirmar nada, precisamos apurar as denúncias e ouvir testemunhas, para então concluir o inquérito e apontar os suspeitos.



VÍTIMA DO CRIME ORGANIZADO



Emocionado, Jaseli José diz que seu irmão foi vítima do próprio crime que ele ajudava a combater.



- O que será de nossas vidas se os homens de bem que trabalham honestamente para sustentar suas famílias e até ajudar o próximo incomodam os bandidos? Farley foi vítima do crime que ajudava a combater. Ele lutava todo dia, buscava ajuda da sociedade para retirar crianças e jovens do mundo da droga, do crime e, no final, ele e sua filha foram assassinados na esquina de sua casa por traficantes – desabafa o irmão.



APROXIMAÇÃO COM A POLÍCIA TAMBÉM PODE TER SIDO MOTIVO DO CRIME



Com medo de repressão dos traficantes, várias pessoas deram entrevistas a O Norte, mas pediram para não ser identificadas.



Uma moradora do bairro informa que muitos traficantes estavam incomodados com a proximidade do presidente da associação comunitária com a polícia, no trabalho de combate ao crime no local.



- Quem não está em dia com a lei não gosta de ser incomodado pela polícia e Farley estava realizando um trabalho intenso de combate ao crime no bairro, tinha conseguido tirar várias pessoas do crime, da droga. Depois que ele iniciou esse trabalho, a polícia estava mais presente, o helicóptero sempre sobrevoava o bairro, os crimes diminuíram. Isso pode ter irritado os traficantes e levado a matar Farley – diz a moradora.



POPULAÇÃO REVOLTADA



O Norte ouviu, durante todo o dia de sexta-feira, parentes, vizinhos e amigos das vítimas, que estão revoltados com a crueldade com que pai e filha morreram. Um dos amigos de Farley fala da revolta da população com o crime:






Segundo familiares, Farley não chegou a completar um ano à frente da associação comunitária, mas é lembrado pelos amigos como um homem de garra e força de vontade



- Nós já vivíamos com medo, agora o que faremos se a única pessoa que realiza um trabalho social com nossas crianças, para retirá-las das drogas, e lutava para o combate ao crime, já não está no meio de nós? O problema é que não temos para onde ir, e não sabemos quem nos rodeia. Ao contrário do que muitos pensam, aqui não tem só bandido e traficante, pelo contrário, tem muita gente honesta, famílias que lutam pela sobrevivência com garra e força de vontade, assim como Farley. E nossas crianças, como será, continuaram sem rumo, influenciadas pelos criminosos e destinadas ao crime, à morte? Lívia Maria era uma menina alegre, sorridente, prestativa, inteligente e carinhosa com todos, não merecia esse fim cruel que está machucando o coração de seus amigos e deixando a revolta em silêncio, porque não podemos demonstrar para também não sermos vítimas do crime organizado.



VETO FORAGIDO...



Sobre a denúncia de que Erivelton seria um dos executores do crime e sobre a apreensão de uma arma na residência do suspeito, o delegado informa:



- Até o momento, o nosso principal suspeito é Erivelton, devido à apreensão de um revólver calibre 38 em sua casa, após o crime, e às informações do posto médico legal de que os tiros que mataram pai e filha são provavelmente de revólver de mesmo calibre. Mas, continuo a afirmar que precisamos ouvir testemunhas, o próprio suspeito que se encontra foragido e, principalmente, aguardar o resultado do exame de balística, que vai apontar se os projéteis alojados nas vítimas saíram da mesma arma.



AMEAÇAS DE MORTE



No local do crime, parentes das vítimas informam que Farley vinha recebendo ameaças de morte por telefone.



- Nas últimas semanas, Farley estava preocupado, chegou a comentar comigo que tinha recebido ameaças de morte, mas não revelou quem estava fazendo essas ameaças. Na semana, ele até pediu para trocar de casa comigo, mas não revelou o motivo – informa um dos irmãos mais velhos do presidente da associação, Jalesi José de Souza, 36 anos.



DISCUSSÃO COM TRAFICANTES



Questionado se a família tinha suspeitas do motivo do crime, o sobrinho de Farley, Romilson Silva Nobre, 26 anos, diz que não havia motivos, pois o tio era muito querido em todo o bairro e trabalhava diuturnamente para promover a paz na comunidade.



- Tio Farley era uma pessoa muito querida por todos, sempre ajudava aos outros e tinha como sonho a paz na Cidade Cristo Rei. Ele lutava diariamente no combate ao crime, tirava dinheiro do próprio bolso para comprar cestas básicas para as famílias carentes. Ele falou que estava recebendo ameaças, mas não revelou quem era. O único fato diferente que aconteceu no bairro nos últimos dias foi uma discussão com dois homens que a polícia aponta como traficantes, por causa de um som alto, mas isso não era motivo para mandar matar pai e filha – informa o sobrinho da vítima.

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