Novo estudo indica que ‘Luzia’ tem origem indígena

Resultado é baseado em inédita análise de material genético e muda a história do povo que ocupava a América

Malú Damázio
Hoje em Dia - Belo Horizonte
Publicado em 09/11/2018 às 05:52.Atualizado em 28/10/2021 às 01:41.
 ( REPRODUÇ ÃO YOUTUBE // CAROLINE WILKINSON/DIVU LGAÇÃO)
( REPRODUÇ ÃO YOUTUBE // CAROLINE WILKINSON/DIVU LGAÇÃO)

Esqueça a Luzia com traços marcadamente africanos. O fóssil mais antigo encontrado na década de 1970 nas Américas, em Lagoa Santa, na Grande BH, tem outra identidade. A personagem mais conhecida da pré-história do Brasil não veio da África ou Austrália. Pesquisadores apontam que o grupo que deu início à ocupação do continente, há cerca de 20 mil anos, é, na verdade, oriundo da Ásia.

A descoberta foi anunciada ontem por estudiosos das universidades de São Paulo (USP) e de Harvard (EUA) e do Instituto Max Planck (Alemanha), que conseguiram analisar o DNA dos fósseis encontrados na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O feito lança luz para a história dos povos ameríndios – nome dado aos habitantes da América antes da chegada dos europeus –, que passa a ser recontada a partir das novas constatações científicas.

A extração do material genético é inédita. Há duas décadas se tentava, sem sucesso, acessar o genoma do grupo que tem Luzia como personagem principal. O maior obstáculo era o ambiente tropical, de difícil preservação, em que os esqueletos foram encontrados. As áreas, conforme os estudiosos, acumulavam grande fragmentação dos ossos e alta possibilidade de contaminação.

Publicada ontem na revista científica internacional Cell, a pesquisa elimina a hipótese de o Povo de Luzia ter aparência semelhante a de indivíduos africanos ou aborígenes australianos. A imagem de uma Luzia negra, inclusive, foi eternizada pela famosa reconstrução facial feita pelo especialista britânico Richard Neave, na década de 1990.

Essa primeira representação, mais artística do que científica, como afirmam especialistas, se baseou na teoria do antropólogo brasileiro Walter Neves, conhecido como “pai” de Luzia. Segundo ele, o grupo teria chegado ao continente antes dos ancestrais dos indígenas atuais, que vieram da Ásia.

A tese do professor aposentado da USP tinha como ponto central o fato de os crânios dos indivíduos encontrados em Minas Gerais serem anatomicamente muito diferentes das ossadas dos ancestrais dos índios. No entanto, agora o DNA comprovou que todos os indivíduos que povoaram as Américas descendem de apenas uma população que chegou até o continente pelo estreito de Bering, que ligava a Sibéria, na Rússia, ao Alasca, nos Estados Unidos.

CONFIABILIDADE
Mas o bioarqueólogo André Strauss, um dos coordenadores do estudo publicado na Cell, reforça que o mapeamento genético é mais confiável que a comparação dos esqueletos feita anteriormente.

“Se uma pessoa quer fazer um teste de paternidade, ela tira o DNA, que é infinitamente mais seguro, ainda que o crânio tenha informação genética. Agora podemos ver que a população de Lagoa Santa é totalmente ameríndia. Eles são da mesma linhagem que um povo Tupi, por exemplo”, diz o pesquisador, que também é professor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP.
 
PRÓXIMOS PASSOS
A análise genética do Povo de Luzia é considerada a “abertura da caixa de Pandora” da arqueologia das Américas, na visão de André Strauss. Além das ossadas de Lagoa Santa, o Instituto Max Planck, da Alemanha, também verificou parte de sambaquis (depósitos de material orgânico) na costa brasileira. Ao todo, foram analisados quatro sítios arqueológicos nacionais: um mineiro, dois paulistas e um catarinense.

“A ideia é mapearmos o DNA. Com isso, podemos descobrir como essas populações se relacionavam, se eram grupos de famílias, quais povos já tinham genes selecionados e entenderemos melhor também os fluxos migratórios”, explica o pesquisador.

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