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Nas asas da liberdade

Centros de triagem e áreas de solturas: avanços no combate ao tráfico de animais silvestres

Manoel Freitas
Publicado em 24/02/2023 às 22:31.
Papagaios-verdadeiros de volta à natureza: resgatados, animais podem voar tranquilamente pela região e alegrar a natureza com suas cores (Lucas Alves)

Papagaios-verdadeiros de volta à natureza: resgatados, animais podem voar tranquilamente pela região e alegrar a natureza com suas cores (Lucas Alves)

Os números são impressionantes. No Brasil, o comércio ilegal é responsável pela retirada de 38 milhões de animais de seus habitats, prática criminosa que fere nossa biodiversidade, a mais rica do planeta. Mais ainda, além de contribuir para o desequilíbrio ecológico, o tráfico de animais é altamente lucrativo, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e armas.

Muitas vezes, os animais capturados são dopados para serem transportados sem chamar muita atenção até os centros consumidores, sendo que muitos não resistem aos maus tratos. Para virar esse jogo, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) criou em regiões estratégicas do país 45 Centros de Triagem de Animais Silvestres (CETAS), para receber animais apreendidos ou entregues espontaneamente, para reintroduzi-los a natureza. 

Minas Gerais possui cinco Centros de Triagem e Reabilitação, localizados em Belo Horizonte, Juiz de Fora, Patos de Minas, Divinópolis e Montes Claros, que por ser um dos maiores entroncamentos geográficos do país recebe grande número de animais, especialmente aves. Para se ter uma ideia, fruto somente de uma apreensão em Montes Claros, a Polícia Militar entregou à unidade da CETAS no município, em outubro do ano passado, 1234 canários-da-terra (Sicalis flaveola), um dos mais apreciados pelos colecionadores pela excelência do canto. 

Depois de receberem os cuidados necessários, os animais apreendidos ou resgatados são encaminhados as Áreas de Soltura de Animais Silvestres (ASAS), numa parceria entre o IBAMA, Instituto Estadual de Florestas (IEF), Ministério Público de Minas Gerais e proprietários rurais de áreas preservadas, com condições ambientais e estruturas adequadas, onde os animais permanecem até serem reintroduzidas à natureza. Um somatório de forças, que resultou nos dias atuais em 51 áreas de solturas, muitas das quais no Norte de Minas.

O NORTE ouviu duas pessoas que mantém em suas propriedades áreas de solturas, selecionadas a partir da manifestação voluntária de interessados em participar do projeto destinado a propiciar o retorno à natureza de inúmeras espécies. A equipe do jornal foi orientada pelos órgãos ambientais parceiros a não divulgar o nome das localidades e sua localização exata.

De volta para casa

A soltura de animais silvestres na natureza é importante para a conservação de espécies. Foi com esse pensamento que o IEF homenageou no final do ano passado proprietários rurais que têm Áreas de Soltura de Animais Silvestres no Norte de Minas, moção conferida pela “relevância dos serviços prestados”, porque de modo espontâneo acolhem e tratam os animais em grandes viveiros por um período de aclimatação de até três meses, até serem soltos. 

A esse grupo de voluntários se uniu, em São João da Lagoa, há dez anos, o empresário Joaquim Pereira de Amorim Neto. No sábado (20), disse à reportagem que sempre teve muita preocupação com o meio ambiente, a ponto de chamar atenção, há quatro décadas, “ao processo de desertificação que estava passando o Norte de Minas, pela ação das carvoeiras, que deixavam rastros de desmatamento na medida em que o Cerrado era explorado”. 

Um dos pioneiros no acolhimento e soltura de animais Silvestres na região, o empresário argumenta que “é muito gratificante participar de uma parceria como essa, colaborar de alguma forma, porque não tem preço ser acordado por bandos de canários, ao som de papagaios cantando no telhado”. 

Explica que são soltos na propriedade “não apenas aves, mas outras espécies importantes da fauna, como tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), bicho preguiça (Folivora), cobras não peçonhentas e jacarés, que se adaptam muito bem porque temos lagoa e tanques, que atraem, igualmente, grande número de aves aquáticas, como patos selvagens, marrecos e saracura-três-potes (Aramides cajaneus)”. 

A hora e a vez dos bichinhos

Um dos precursores da observação de aves em Minas Gerais, o comerciante Lucas Alves sempre lutou pela preservação da natureza, mas foi em Lagoa dos Patos que conheceu o projeto de soltura de animais silvestres. “Há quatro anos fiz o cadastro da propriedade no projeto ASAS, demorou um pouco a aprovação, mas foi com paciência que aguardei o que eu tanto sonhava, cuidar de aves para soltura”, explica Lucas, que em 2013 registrou no entorno de sua propriedade, em Grão Mogol, o Trinta-réis-ártico(Sterna paradisaea). 

O feito, segundo registro da espécie litorânea no interior de Minas Gerais, por si só dá uma mostra que o ambiente está preservado, permitindo que os animais sejam devolvidos ao seu habitat com maiores chances de adaptação e sobrevivência. No local, Lucas, com o incentivo da mãe Alzira Pereira Alves e do pai Benvindo Antônio Alves, implantou dois viveiros de aclimatação, onde dá assistência veterinária quando preciso e fornece alimentação diária.

Experiência tão exitosa que, no último fim de semana de fevereiro, Lucas começou em sua propriedade os trabalhos para adaptar o local, “inclusive com fonte de água, para receber e trabalhar para reintroduzir na natureza grandes mamíferos, como veados, cotias e tamanduás”. Explica que tem procurado fazer o possível para contribuir com o projeto, “mas há muito por fazer, porque alguns animais chegam muito debilitados e não resistem à aclimatação”. 

Argumentou que “não é só de alegrias” o trabalho de zelar pela conservação de espécies, lembrando, por exemplo, que filhotes são retirados da natureza e maltratados e, mesmo aves adultas não sobrevivem, como ocorreu recentemente em sua área de soltura com dois corrupiões ((Icterus jamacaii), a despeito dos cuidados dispensados. 

Por outro lado, disse que o projeto ASAS “significa que chegou a vez dos bichos”, acrescentando que “depois de sua implantação, aumentou significativamente em volta da propriedade e nas fazendas vizinhas o número de aves, sobretudo Canário-da-terra (Sicallis flaveola), Corrupião (Icterus jamacaii) e Cardeal-do-Nordeste (Paroaria dominicana). 

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