
Nesta terça-feira (6), as 20h no Centro Cultural Hermes de Paula, a escritora Felicidade Patrocínio lança a obra “História das Artes Plásticas de Montes Claros”, um documento histórico que resgata e valoriza a memória artística da cidade. Com um repertório literário já consolidado — incluindo títulos esgotados como Ensaio-Temas Filosóficos, Raymundo Colares e o Fogo Alterante da Criação e Plantando Flores pode-se colher Tomates — Felicidade se destaca pela sensibilidade ao narrar pessoas, ideias e contextos culturais. Em entrevista exclusiva, ela compartilha os bastidores do novo lançamento e reflete sobre a importância da arte e da memória em Montes Claros.
O que a motivou a escrever este livro sobre a História das Artes Plásticas de Montes Claros?
Em primeiro lugar, o amor pelas artes junto ao desejo de sempre contribuir com a cultura da cidade. Fiz parte do grupo que fundou a Associação dos Artistas Plásticos de Montes Claros, há quase 40 anos. Fui sua presidente em 3 gestões e sempre estive presente e participativa nas demais gestões, acompanhei o surgimento e amadurecimento da maioria dos artistas da cidade, após o surgimento dessa Associação, registrando suas atuações, publicando artigos na imprensa local, fui guardando papéis nas gavetas e imagens nas retinas. Percebi a qualidade e autenticidade, a força e beleza da arte gerada na cidade. Vi artistas da primeira e até da segunda onda morrerem. Tive receio de que dados importantes desta história se perdessem, o que já estava acontecendo. E percebi que esta história precisava ser registrada e oferecida à memória da cidade e à memória destes artistas que tanto ofereceram e oferecem a ela no concernente à prática do registro da beleza. Para tal, tentei patrocínios através de inscrições editais mais de uma vez. Finalmente fui selecionada e então o realizei. Moveu-me também a certeza de que este livro servirá à história da cidade, à história do estado e à história do Brasil. Reforçará o reconhecimento de Montes Claros como cidade da Arte e da Cultura. E suas informações se estenderão ao tempo, em pesquisas futuras.
Como foi o processo de pesquisa e seleção dos artistas ou movimentos que aparecem na obra?
O processo de pesquisa foi intenso. Ao iniciar, eu pensava ter uns 90% das informações necessárias. Estava enganada. Descobri a imensidão da expressão artística da cidade que havia começado lá no rupestre de 8.500 anos atrás na Lapa Pintada, que fica a 11 km do centro da cidade. A partir daí fui batendo nas portas, visitando tudo, fotografando tudo; seminários, igrejas, conventos, órgãos sacros, órgãos públicos, casas, ruas, praças, um périplo sem fim. Parti para os livros do Instituto Histórico, bibliotecas, arquivos, Secretaria de Cultura e outros, internet, solicitação de informações aos artistas, etc. Tudo que tinha relevância foi anotado, registrado e depois se transformou em texto.
Como o livro dialoga com sua própria trajetória como artista plástica?
Diante da riqueza do cenário das expressões postas à nossa frente exigimo-nos minucioso cuidado na tarefa de restringir os dados numa síntese elucidativa destas obras e artistas, afastando o risco de colocar qualquer influência dos valores, análises e críticas pessoais, afastando qualquer pretensão de classificações sumárias de estilos, para não ser redutora nem parcial, já que a riqueza da obra de arte em si foge a qualquer determinação e mesmo que consigamos apreendê-la em parte, sua compreensão escapará na totalidade. Pretendemos oferecer tão somente a narrativa das histórias destas artes, seu aparecimento, o impacto que causaram, suas autorias, os dados essenciais, contextualizando-os no tempo e espaço onde surgiram. No entanto, foi impossível disfarçar o nosso encantamento, já que estivemos presentes na maioria desta trajetória.
Como você descreveria o cenário das artes plásticas em sua cidade hoje?
Percebo um desejo de retomada depois de certo período de estagnação. É necessário que os órgãos públicos e empresariais, assim como as pessoas de modo geral, prestigiem os artistas, encomendando obras, comprando, comparecendo às suas exposições e ateliês e se reconheçam na expressão dos artistas da cidade. Percebem-se ensaios de muita gente nova no metiê.
Quais são os principais desafios e potências enfrentados pelos artistas e sua produção?
A aquisição por parte de compradores. Os patrocínios para boas mostragens, espaços para expor, onde as obras possam ser negociadas. Não se vendem as obras nas exposições do Centro Cultural e nem nas salas de exposição do Museu Regional. Os artistas gastam com materiais, consomem tempo executando suas obras, numa busca intensa pela beleza e verdade que querem registrar e acabam expondo onde não se pode vender.
É quase impossível, para o artista, viver somente do trabalho da arte em Montes Claros, ele precisa ter outro emprego para poder fazer arte, senão não sobrevive. Viver exclusivamente da arte em Montes Claros é coisa para pouquíssimos artistas. A grande maioria do espectador aprecia e elogia a obra, mas não adquire.
Como a identidade da cidade se reflete na produção artística que você retrata no livro?
Como disse acima, surpreendeu-me ver a intensidade com que o folclore Catopês da terra é expressa nas telas e esculturas. A arte sacra também tem espaço grande no exercício dos artistas e o nosso patrimônio histórico que anda desabando é sempre bem expresso. Percebe-se este amor nostálgico da memória na maioria do exercício artístico daqui.