No meio de uma situação cotidiana, enquanto tentava aliviar a cólica do filho recém-nascido, Marilda percebeu algo incomum. Havia um nódulo na perna do bebê. Até aquele instante, sua vida era definida pelas tarefas de trocar fraldas, amamentar e aprender diariamente sobre ser mãe pela primeira vez. Contudo, essa descoberta alterou tudo, introduzindo uma série de incertezas, exames, diagnósticos e escolhas complicadas.
Sem ter clareza sobre o que os esperava, ela e seu esposo viajaram de Minas Gerais até São Paulo, carregando nos braços Pedro Otávio, que ainda não havia completado dois meses. No Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC), eles encontraram um ambiente de acolhimento desde o início, tratando a situação com a urgência e o cuidado necessários.Pedro precisava de uma ressonância, mas como era muito pequeno, o procedimento exigia anestesia — e os médicos preferiam evitar esse risco. A mãe, cansada e emocionalmente esgotada, fez o que pôde: segurou o filho nos braços, acariciou, cantou e pediu que ele ficasse imóvel. Ele ficou. O exame, mesmo com imagens tremidas, revelou algo essencial. O diagnóstico mudou. De um rabdomiossarcoma, com indicação de amputação, passou-se a um fibrossarcoma, ainda grave, mas com alternativas de tratamento. Havia, finalmente, uma chance.
A primeira tentativa de quimioterapia não surtiu efeito. O tumor seguia crescendo. Novos ajustes foram feitos, e após mais cinco sessões, veio a notícia inesperada: o tumor havia desaparecido. Marilda apenas chorou. Não por entender tudo o que estava acontecendo, mas por sentir que, de alguma forma, haviam vencido a primeira batalha.
Durante os oito meses de tratamento, Pedro surpreendeu a todos. Sentia desconforto apenas nos dias de quimioterapia. No restante do tempo, era um bebê tranquilo, sorridente, que encantava quem passava pelos corredores do hospital. Teve o primeiro dente durante o tratamento. Não adoeceu, não precisou ser internado fora da cirurgia. Parecia determinado a viver, com uma força silenciosa que comovia até os médicos.
Ela conta que aquele foi o período mais marcante de sua vida. Não pela dor, mas pelo que aprendeu. “Foi ali que eu entendi o que é ser gente de verdade. Quando você vê seu filho naquela situação e ainda assim encontra força para sorrir, você descobre um outro tipo de amor. Um amor que sustenta tudo.”
Após o fim do tratamento, o menino continuou com os acompanhamentos médicos. Aos poucos, os retornos foram se espaçando.
Hoje, o jovem tem 19 anos e está no quinto período da faculdade de Medicina. Marilda segue atuando como advogada, mas carrega consigo uma missão adicional: a de contar essa história. A de repetir, sempre que necessário, a frase que ouviu de uma menina de 10 anos na sala de espera do GRAACC, no dia em que chorava de cansaço e medo: “Tia, vai passar”.
Marilda nunca esqueceu. Porque passou. E quando a nuvem foi embora, ela já não era a mesma mulher. Tinha atravessado algo grande demais para ser esquecido. Aprendeu, com o próprio filho nos braços e com o apoio de muitas mãos ao redor, que a vida nem sempre volta a ser como antes — mas pode, sim, seguir em frente com mais sentido.
*Texto extraído do portal do GRAACC, instituição criada no Brasil com o objetivo de ajudar crianças e adolescentes com câncer.