entrevista

Manoel Ambrósio, o ‘endiabrado’ literato januarense

Coletânea de contos resgata obra de autor que inspirou Guimarães Rosa

Adriana Queiroz
21/03/2023 às 20:00.
Atualizado em 21/03/2023 às 21:33
 (divulgação)

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Natural de Ibiaí, o professor de história radicado em Montes Claros, Aparecido Cardoso, 40 anos, é um dos responsáveis pela organização do livro Pedro Brabo e o diabo – contos de Manoel Ambrósio. Lançado neste ano, a obra é um resgate de um grande nome “relegado” da história da literatura norte-mineira. Em conjunto com outros três pesquisadores e professores, Aimée Lafetá Guimarães, Jonice dos Reis Procópio e Jorge Luiz Teixeira Ribas; Cardoso comenta que desde a infância ouve falar no escritor Manoel Ambrósio, através de histórias contadas por uma família de Januária, residente em Ibiaí desde 1904.

“Falavam de certo professor Manoel Ambrósio e dos livros Brasil Interior, Os Laras e Hercília com suas histórias de assombração, seres fantásticos do rio São Francisco e muitos “causos” sobre o diabo”, dz o professor que também é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. 

Em 2015, a professora Aimeé Lafetá resgatou do baú da família de Ambrósio as obras, dando início a sua pesquisa de mestrado em Estudos Literários, na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Na biografia de Manoel Ambrósio, escrita por Francisco de Vasconcellos em 1974, ele diz que descobriram a existência de contos do autor publicados na revista A Noite Ilustrada, no Rio de Janeiro, nos anos de 1935 e 1936.

“A partir da pesquisa nos periódicos cariocas surgiu a ideia de publicação dos contos em livro e também da elaboração de outra biografia contendo informações inéditas sobre a trajetória intelectual e profissional de Manoel Ambrósio. Todo o trabalho de pesquisa contou com a participação de Aimeé Lafetá Guimarães, Jorge Ribas (doutorando em História/UFOP) e Jonice Procópio (Departamento de História/Unimontes)”, conta Cardoso.

Para mais informações sobre a escrita e a vida do notório januarense, O NORTE realizou uma prosa com Aparecido. Confira: 
 
Qual significado dessa publicação?
O livro cumpre a missão de resgatar e divulgar a obra do autor, e, além disso, possibilitar o estudo de sua trajetória e produção literária. Nos últimos anos o interesse por Manoel Ambrósio tem aumentado sensivelmente, em especial nos meios acadêmicos. 
 
Qual a importância da cidade de Montes Claros na trajetória de Manoel Ambrósio?
Apadrinhado por Carlos Versiani, Manoel Ambrósio ingressou na Escola Normal de Montes Claros em 1883, concluindo o curso de normalista em 1886. Ambrósio considerava Montes Claros sua “pátria espiritual” e “cidade intelectual” devido a sua formação e diálogo com figuras de renome a exemplo do Dr. Chaves, Antônio Augusto Veloso, Camilo Prates e Justino de Andrade Câmara. Em algumas de suas obras, o autor presta sua homenagem a Montes Claros, como se pode verificar em Novos cantos populares do São Francisco e Brasil Interior.
 
Sobre o livro Pedro brabo e o Diabo, quais contos compõem a obra?
É uma coletânea contendo nove contos: Vanjú, O Cangussú, O Serpa, Um milagre, Pai João, O Diabo, A diligência, Confirmação (publicados na revista carioca A Noite Ilustrada entre junho de 1935 e setembro de 1936) e A Oração de Caim (original pertencente ao Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais). Além dos contos, há capítulo sobre a biobibliografia de Manoel Ambrósio, escrito pelos organizadores da obra. 
 
E os outros livros de Manoel Ambrósio?
Nas próprias palavras de Ambrósio, sua escrita estava centrada nas “populações do interior”, “com seus primitivos e coloniais costumes”. Seus livros resgatam as falas e os modos de vida de uma gente escondida “na profundeza das nossas selvas sertanejas”, submetida “ao abandono de mais de dois séculos” e desconhecida do Brasil “civilizado”. Seus livros trazem um sertão resgatado das profundezas do tempo com “suas mais antigas tradições”. Para o autor, o norte de Minas do século XIX ainda era um sertão dos tempos coloniais. A produção literária do autor é composta das seguintes obras: Esboço Histórico do município da Januária (1906), Hercília – romance histórico (1923), Brasil Interior: palestras populares – folk-lore das margens do S. Francisco (1934), Os Laras – novela regional (1938), Paranapetinga (1942), A ermida do planalto – novela regional (1945), Antonio Dó (1976) e Os Mellos (2018). Permanece no ineditismo Novos Cantos Populares do rio São Francisco, concluído em 1897. 
 
Qual a relação do Manoel Ambrósio com Guimarães Rosa?
Não há dúvidas que Guimarães Rosa leu a obra de Manoel Ambrósio. Os livros do intelectual januarense-barranqueiro foram a principal fonte de pesquisa para o autor de Grande Sertão: veredas. Basta ler a descrição dos campos urucuianos em A ermida do Planalto e o conto da bela Evangelina — Vanjú —, que aparou “à escovinha o cabelo” e “trajou-se de homem” para vingar o assassinato dos filhos. Ao leitor familiarizado com a obra de Rosa, basta ir aos escritos de Ambrósio para verificar essa proximidade. Durante toda sua vida Manoel Ambrósio viajou pelo sertão, conheceu muitas veredas, os grandes rios, vilas e arraiais, fazendas e igrejas abandonadas, conversando com o povo e registrando tudo em seu surrado caderno. É importante ressaltar que muito antes de Rosa, o sertão norte/noroeste de Minas Gerais já se fazia presente na literatura através de João Salomé Queiroga (1810-1878), Artur Lobo (1869-1901), Nelson Coelho de Sena (1876-1952), Afonso Arinos de Melo Franco (1868-1916) e Manoel Ambrósio Alves de Oliveira (1865-1947).

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