
No dicionário, o termo insólito refere-se a algo que não é habitual, extraordinário ou que, por vezes, é contrário a regras e hábitos. A literatura do escritor carioca e rebatizado norte-mineiro Pedro Nogueira ocupa esse lugar. Nesse cenário “não habitual” da escrita, onde monstros e deuses coexistem, constrói espaço privilegiado, principalmente em uma cidade sem tradição de produzir esse tipo de escrita e conteúdo.
Pedro Ribeiro Nogueira, 36 anos, nasceu no Rio de Janeiro. Se mudou para Minas aos 11. Além de escritor, também é dono do sebo de livros Grande Sertão. Atualmente, sua trajetória literária conta com sete livros, sendo uma coletânea de contos “Aos meus pés se sentou um deus” (2018); cinco boras de RPG (Role Playing Game, em tradução, jogo de interpretação de papéis), Brasil em fúria (2019), Pontes Queimadas (2020), Rios Profundos (2021), Sangue Nativo (2021) e Cordel da fome (2022); e a adaptação da sua dissertação Memória, história e poder (2021).
O NORTE o convidoupara falar sobre sua obra, trabalho e afins:
Quando você começou a perceber que gostava de escrever?
Sempre gostei muito de ler, a acho que a primeira vez que me percebi tendo uma necessidade de escrever foi aos 13 anos de idade, como acontece com tantas pessoas nessa faixa etária. Eu nunca parei de sentir necessidade de escrever, com o tempo aprendi a gostar e uma ou outra técnica.
Quais suas referências? Elas se espelham na sua escrita?
Hermann Hesse, Neil Gaiman, William Peter Blatty, Conn Igulden, Stephen King. Eu pensei numa lista enorme, mas vou me limitar a citar os que mais me influenciaram. Se essas influências espelham na minha escrita, isso quer dizer que tô muito bem. Mas não sei dizer se há elementos na minha escrita que demonstrem essas influências. Tomara.
Você escreve livros de RPG: o que eles são? Fale um pouco de como o RPG entrou na sua vida e nos seus processos de escritura.
RPG é Role Playing Game, um jogo de interpretação de papéis. É mais famoso pelo Dungeons and Dragons, mas existem diversos outros RPGs. Basicamente é um jogo de contação de histórias em conjunto, um faz-de-conta com regras, e cujo objetivo é viver a narrativa. Acho que hoje em dia RPG já é algo bem mais conhecido, e não precisa de uma longa explicação, mas em resumo é isso, uma mistura de teatro de improvisação com jogo de tabuleiro. Jogo desde os 11 anos de idade, e sempre foi um vício e um hiperfoco meu. Sem dúvidas me influenciou muito como leitor e escritor, e boa parte dos meus interesses literários (horror, ficção científica, investigação, e coisas esquisitas) tem com certeza uma influência grande dos jogos que joguei a vida toda. É estranho admitir que fui influenciado por Alan Watts e Lobisomem: O Apocalipse, mas taí, é a verdade. Quando eu comecei meu projeto de adaptar o cenário de Lobisomem: O Apocalipse para o cenário brasileiro, coisa que havia sido feito muito porcamente no passado por uma editora norte-americana, eu acabei de apaixonando muito por elementos da nossa cultura que eu nem conhecia direito. Escrever é bom, porque a gente acaba aprendendo sobre muita coisa que de outra forma não saberia, porque só é possível escrever bem sobre o que a gente entende. Então a influência do RPG me levou a querer escrever sobre o Brasil, adaptando um cenário regional pro meu jogo favorito, e ao fazer isso aprendi muito e acabei me tornando ainda mais brasileiro.
Você acredita que MOC tem potencial para as literaturas de ficção e terror? Existem outros escritores com esse mote aqui?
Montes Claros é uma cidade que lê muito, embora a gente não perceba isso diretamente. Bem, eu percebo, sendo o dono do Sebo Grande Sertão. e além disso foi em Montes Claros que eu conheci os meus melhores amigos, que também escrevem, e com os quais eu formei um grupo de escrita criativa, onde a gente fazia crítica dos textos que escrevíamos, propúnhamos estudos e desafios literários, e com quem eu cresci muito. Um abraço, Jonas e Chico. E se nós três pudemos formar esse grupo pra escrever, estudar escrita e crescer como escritores, só posso concluir que há muito mais gente por aí.
Eu escrevo o que gosto de ler. É basicamente isso, sempre fui um fã de terror, e acho que a fantasia e ficção científica falam sobre a realidade de uma maneira tão ou mais potente que qualquer texto jornalístico. Eu gosto daquilo que o Neil Gaiman disse sobre a fantasia, às vezes precisamos de uma mentira para iluminar uma verdade.
Por fim, fale um pouco sobre seu sebo e escambo de livros, algo raro em MOC nos dias que correm...
Em setembro eu precisei voltar para a casa dos meus pais, pra poder economizar, uma vez que tenho uma filha nova, e porque trabalhar como professor não estava sendo fácil desde que começou a pandemia. Na ocasião da mudança, então, eu decidi desapegar de alguns livros de quadrinhos da minha coleção, e trouxe no sebo, que então era Sebo do Henrique. Enquanto conversava com ele fiquei sabendo que ele estava vendendo o Sebo, e como sempre foi um sonho ter um lugar assim e trabalhar com livros, agarrei a oportunidade.
Agora o Sebo se chama Sebo Grande Sertão, e eu amo fazer parte do escambo cultural e fomentar a prática da leitura em Montes Claros. Não dá pra reclamar, porque também estou fomentando minhas leituras e meu instinto colecionista (acumulador) de livros.