Fim do silêncio: defensoria aponta maus tratos contra a mulher no berço do coronelismo

Jornal O Norte
Publicado em 08/03/2006 às 09:43.Atualizado em 15/11/2021 às 08:30.

Gissele Niza


Repórter


onorte@onorte.net



Chamar a atenção para o papel e a dignidade da mulher, aguçar a consciência do valor da pessoa, perceber o seu papel na sociedade, contestar e rever preconceitos e limitações que vêm sendo impostos à mulher e, principalmente, clamar pelo fim do silêncio que martiriza as mulheres violentadas em seu próprio lar. É com estes objetivos que, hoje, quarta-feira, quando é comemorado o Dia Internacional da Mulher, acontece em Montes Claros, considerada a quinta cidade do país com maior índice de violência contra as mulheres, acontece uma passeata clamando pelo fim da violência doméstica.





VIOLÊNCIA EM 25% DOS LARES



A coordenadora da Defensoria pública especializada na defesa das mulheres em situação de violência de Montes Claros, Margarida Maria Barreto Almeida, afirmou, na tarde de ontem, em entrevista a O Norte, que em mais de 25% dos lares da cidade mulheres são violentadas de alguma forma.



- Uma pesquisa apontou, no ano passado, que Montes Claros é (proporcionalmente) a quinta cidade do país com maior índice de violência doméstica e isso foi um dos principais motivos da instalação da Defensoria especializada no município, que tem em mais de 25% de seus lares uma mulher violentada pelo companheiro, na maioria, seus esposos – diz Margarida.



Os casos de violência contra a mulher em sua maioria ficam velados, segundo a coordenadora. Ela informa que somente em sete meses já foram registrados mais de cem casos de violência contra a mulher, mas contabilizar o que acontece diariamente nos lares montes-clarenses é impossível, pois, 90% delas têm medo ou não conhecem seus direitos.



VIOLÊNCIA FISICA E MORAL



Margarida Barreto explica que existem dois tipos de violência contra a mulher que, na maioria das vezes, estão interligados.



- As mulheres sofrem a violência física e moral. Muitas vezes chegam a ficar com hematomas e fraturas e, em conseqüência dessa violência física, sofrem também a violência moral, ou seja, a ameaça de morte ou de perder os filhos. E precisam se conscientizar da luta da mulher para conquistar o espaço na sociedade e não deixar se intimidar ou se submeter a esse tipo de tratamento – afirmou a coordenadora da Defensoria da mulher.



Ela lembra a luta da classe para conquistar seus direitos, uma vez que somente em 1934 a mulher teve direito ao voto e, em 1962, com o Estatuto da mulher, conquistou o livre exercício da profissão.



BERÇO DO CORONELISMO



Margarida explica ainda que o silêncio das mulheres vítimas da violência é uma questão cultural que precisa ser extinta.



- A maioria das mulheres não procura ajuda por uma questão cultural, pois estamos no berço do coronelismo, que conspira a favor das mulheres aceitarem a situação de violência. Muitas até reafirmam o ditado popular de que ruim com ele, pior sem ele. Mas está na hora dessas mulheres se conscientizarem e é isso que pretendemos fazer durante a passeata de amanhã (hoje). Conscientizá-las de seus direitos, convidá-las a fazer uma reflexão sobre o passado e ajudá-las a ter uma vida mais digna. Quantas mulheres não sofreram, não lutaram, para hoje ter liberdade? Se cada mulher buscar seus direitos e jamais se submeter, ficar calada perante essa situação de violência, ela contribuíra para um mundo mais justo.



BEBIDAS, CIÚME E JOGO DE PODER



Questionada sobre os motivos que levam os companheiros a agredirem suas mulheres, a coordenadora da Defensoria informa que os principais motivos são bebida, ciúme e jogo de poder:



- Muitas vezes, o homem chega em casa embriagado e desconta toda sua fúria na mulher; outras vezes pelo ciúme, e muitas outras pelo jogo de poder, que o homem não aceita se submeter à mulher, sente-se ameaçado, algumas vezes por estar desempregado.



ESTATÍSTICAS



A Defensoria especializada em defesa da mulher em situação de violência foi instalada em Moc no mês de agosto do ano passado e já registrou mais de cem casos. Em 89% dos casos registrados, as mulheres chegaram à Defensoria machucadas, com hematomas, fraturas pelo corpo e desesperadas. Em 10% dos casos registrados, as mulheres procuraram a Defensoria por sofrerem a violência moral, serem ameaçadas pelos companheiros. E apenas 1% dos casos foi de violência entre irmãos ou pais e filhos.



O balanço da Defensoria do resultado destes casos é positivo, mas Margarida explica que, em muitos casos, as mulheres tomam coragem de procurar ajuda, mas voltam para os companheiros e continuam sendo agredidas.



- O resultado dos casos atendidos hoje na Defensoria é positivo, pois só de as mulheres procurarem ajuda já é um passo dado, apesar de que, em alguns casos, depois de ter sido efetuada uma representação criminal ou ter pedido a separação, algumas mulheres reatam o relacionamento e continuam sendo vítimas da violência doméstica – diz a coordenadora.



Outro problema apontado por Margarida é que as mulheres, na maioria das vezes, não querem se separar e preferem viver em situação de risco.



VIOLÊNCIA EM TODAS AS CLASSES, INCLUSIVE NO MEIO POLICIAL



Diferentemente do que muitas pessoas acreditam, a violência contra a mulher não existe somente nas classes baixas, pelo contrário, alerta a coordenadora da Defensoria.



- Esse mito de que as mulheres violentadas são apenas de classe baixa é totalmente descartável. A violência contra a mulher infesta todas as classes sociais. Hoje, atendemos aqui desde donas de casa de classe baixa a profissionais liberais, mulheres independentes financeiramente e até policiais. A violência doméstica é uma doença que está acabando com a vida de muitas mulheres e, por isso, a importância da conscientização de seus direitos é fundamental – afirmou Margarida Barreto.



A coordenadora completa sua fala fazendo um chamado às mulheres vítimas da violência física e moral:



- Não importa a classe, a mulher tem seus direitos e não pode se submeter a situações de violência. Desde as solteiras às que são casadas e têm filhos, principalmente estas têm que se preocupar em fazer um futuro melhor para seus filhos. Nenhuma mulher quer que sua filha seja violentada, mas, para isso acabar, é preciso cortar o mal pela raiz e procurar ajuda especializada.



PROGRAMAÇÃO



Além da passeata, que tem como objetivo popularizar os direitos da mulher, acontecem várias atividades na tarde de hoje em Moc. Às 14 horas haverá palestra pelo padre Antônio Avilmar, no Centro Cultural Hermes de Paula, seguida de homenagem às Mulheres da Terra, com entrega de placas a oito mulheres montes-clarenses com mais de 90 anos de idade e que têm uma relação forte com a história do município.



A poesia também terá lugar no evento, com a participação das poetisas Dóris Araújo e Mirna Mendes.



A partir das 16h, na Praça Dr. Carlos, apresentação do cantor Herberth Lincoln; e apoio às mulheres com assessoria jurídica, tribuna livre, corte de cabelo, com participação do Senac, que vai disponibilizar 45 cabeleireiros, além de orientação sobre câncer de mama, pela equipe do Programa de saúde da mulher.



O evento continua à noite, no Centro Cultural, a partir das 20h30, com a exposição Essas Mulheres – uma coletiva de artes plásticas e artesanato e vários shows. A entrada é gratuita.



LUTA E DOR



O 08 de março foi escolhido como Dia Internacional da Mulher para lembrar as mulheres que foram queimadas em 1857 na cidade de Nova Iorque, quando reivindicavam seus direitos.



As operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entraram em greve, ocupando a fábrica, para reivindicar redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Essas operárias que, nas suas 16 horas, recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica onde se deflagrara um incêndio, e cerca de 130 morreram queimadas.



Em 1910, numa conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca, foi decidido, em homenagem àquelas mulheres, comemorar o 08 de março como Dia Internacional da Mulher. Desde então, o movimento a favor da emancipação da mulher tomou forma, tanto em Portugal como no resto do mundo.



DEFENSORIA



A Defensoria da mulher em situação de violência oferece às mulheres ajuda especializada nas áreas jurídica, social e psicológica. Está localizado na Rua Dom João Pimenta, Centro, e atende pelo fone 3216.9871.

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