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Domingo,27 de Outubro
Nossos ancestrais

Distante 233 km de MOC, Parque Nacional Cavernas do Peruaçu é rico em artes rupestres

Manoel Freitas
11/11/2022 às 23:00.
Atualizado em 11/11/2022 às 23:03

(MANOEL FREITAS)

O Vale do Peruaçu, onde está situado o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, guarda nos paredões de calcário de seu cânion de 17 km, entrecortado seis vezes por passagens subterrâneas e grutas, infinita diversidade de vestígios dos nossos ancestrais no Alto Médio São Francisco. Na verdade, segundo publicação da UFMG, “uma das mais ricas e longas seqüências arqueológicas do país”, ambientes distintos que possibilitaram múltiplas oportunidades aos homens pré-históricos, “que não precisaram empreender grandes e extensas campanhas de busca de matérias-primas”.

Distante 233 km de Montes Claros, cabe ao Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio), proteger em Januária, São João das Missões, Itacarambi, Cônego Marinho e Miravânia esse patrimônio da humanidade que guarda em suas extensas muralhas 64 sítios com grafismos rupestres recobertos de significação. Tesouros não conhecidos em sua plenitude pela ciência, a despeito de, há exatos 20 anos, o Setor de Arqueologia da UFMG já dispor de um acervo com cerca de 1.800 imagens desses grafismos do Peruaçu, com temáticas diferentes de um sítio a outro. 

Diante tanta grandiosidade, tanto o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, com 56.448,32 hectares, como a Área de Proteção Ambiental Cavernas do Peruaçu, com 143.353,84 hectares, foram criados na década de 90 pelo ICMBio para resguardar as cavernas e demais formações cársticas, sítios arqueopaleontológicos e a biodiversidade, fundamentais para o ecossistema da região. Riqueza tamanha que formula em 2023 sua candidatura a Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

De tal forma que, em face de milhares de inscrições, com incontável variedade temática e estilística, a arte rupestre de nossos antepassados é, nos dias atuais, força motriz da visitação e estudos científicos no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, atraindo um número cada vez maior de visitantes e pesquisadores. Para se ter uma idéia, em 2011 a unidade de conservação recebeu 260 visitantes, número que chegou a 601 em 2012. Em 12 anos, mesmo com a freada imposta pela pandemia, 46.010 pessoas conheceram seus atrativos, em especial os roteiros com inscrições rupestres, uma média de 3.834 visitações anuais. Em 2022, até outubro, nada menos que 7.671 incursões guiadas. 

Sítio do Homem Grande 
Na Pré-História, as pinturas rupestres eram concebidas – sobretudo -graças a cores obtidas a partir de argila colorida pelo óxido de ferro, carvão vegetal, ossos queimados e óxido de manganês, entre outros minerais. A ciência também aponta a possibilidade que tenham sido feitas pinturas à base de pigmentos vegetais, que desapareceriam com o tempo. De um jeito ou de outro, o resultado enche os olhos e tocam corações há milênios, profusão de formas e cores estampadas nos sítios arqueológicos do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. 

Entretanto, como disse o espeleólogo Leonardo Giunco a O NORTE no domingo (6), “há muito que se explorar”. Ele, que é coordenador da candidatura do Peruaçu à Patrimônio Mundial pela da Unesco cita como exemplo um novo painel com figuras humanas em tamanho real, revelado recentemente por membros do Grupo Espeleológico de Monte Sião (MG) e de Vinhedo (SP).  

 “Esse conjunto, na região do Arco do André, foi batizado de Sítio do Homem Grande, embora não tenha sido estudado, por estarem em áreas do cânion quase inteiramente desconhecidas, que foram visitadas apenas por equipes de espeleólogos, ou seja, nunca foram objeto de prospecções arqueológicas sistemáticas”, observa Giunco, também conselheiro do parque.

Segundo o espeleólogo, “a dinâmica é tão grande, que novas grutas são descobertas com freqüência dentro do Parque”, lembrando que há alguns meses foi concluído na unidade de conservação “um grande trabalho de prospecção em área ainda virgem, que possibilitou a descoberta de mais de uma centena de novas cavernas.  

Quanto à candidatura à Patrimônio Mundial, lembra que “as pinturas rupestres foram elementos essenciais para inscrição na lista indicativa na categoria cultural da Unesco, atendendo a principal exigência do órgão avaliador: possuir sítios que tenham valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico”.

Tempos muito remotos
Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, o escritor Dário Teixeira Cotrim esgotou a edição do seu 54º livro, “A arte Rupestre na Pré-História do Médio São Francisco”, Editora Millennium. No prefácio da obra, o também escritor e pesquisador Leonardo Álvares da Silva Campos, diz que “o autor traz a lume um brilhante apanhado de como foi, como aconteceu e como se vivificou a presença do homem primitivo nas Américas, mormente no Norte de Minas”. Autor de “O homem primitivo no Norte de Minas”, Leonardo diz que o lançamento “soma à nossa precaríssima bibliografia sobre os primórdios do ameríndio”. Também espeleólogo, o prefaciador opina que “a obra, então, se enriquece tratando das pinturas e gravuras rupestres, carecendo ainda de uma tradução ou compreensão por nós, ditos modernos”.

Pinturas rupestres em tamanho natural são conhecidas 23 anos após a criação do Parque (Manoel Freitas)

 Segundo Cotrim, “o Vale do Peruaçu atesta-nos com riqueza de sinais a presença do homem primitivo em todo norte mineiro, suas inscrições rupestres gravadas nos blocos de pedras espelham tudo aquilo que estava à sua volta, com uma perfeição incontestável do que qualquer fonte de inspiração”. Explica que a arte rupestre “retrata a cultura dos povos pré-históricos, nem todos ainda catalogados e estudados pelas autoridades competentes, a despeito de provarem a existência de um povo primitivo em tempos bastante remotos”. 

Conexão com o passado
O impacto que as pinturas rupestres causam nas pessoas, à primeira vista ou mesmo sendo contempladas repetidas vezes, foi o tema colocado por O NORTE sobre a mesa da médica e jornalista Mara Narciso. Prontamente, respondeu que “quando se depara com uma pintura rupestre, sente-se estar diante de uma janela para o passado, porque a imagem e seu mistério intrigam e instigam”. Prosseguindo, disse que “observá-la, perscrutá-la, tentar decifrá-la faz abrir um rol de elucubrações e deduções, porque as perguntas que se impõem são: quem fez isso? E por que a fez”? Opinou que as inscrições “revelam um arsenal de segredos, mistérios e espantos do mundo subterrâneo dos nossos ancestrais, uma preciosidade por ter importância cultural histórica e científica, ainda que os nossos ancestrais não imaginassem estar falando com tanta força com o homem do futuro”.

Segundo Mara Narciso, “esses painéis trazem pinturas, gravuras, grafismos rupestres, conjuntos e vestígios gráficos com distribuição espacial e técnicas corporais, sendo manifestações coletivas pela regularidade, recorrência e variação”.  

Com entusiasmo, a jornalista opina que a arte rupestre “é um repertório gráfico que explica o mundo em volta dos nossos antepassados”. Sobre o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, Mara não deixa dúvidas ser também observadora de mão cheia “nas rochas desse complexo podem ser vistos ziguezagues, grades, bastonetes paralelos e justaposições de traços ortogonais, figuras geométricas bicrômicas e tricômicas, triângulos, retângulos, quadrados e bastonetes”.

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