
Até novembro de 2024, o Disque 100 recebeu mais de 3,4 mil denúncias de racismo e injúria racial, envolvendo mais de 5,2 mil violações, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). O número representa um aumento em relação a 2023, quando foram registradas 3,1 mil denúncias e 4,6 mil violações. Apesar da atuação constante dos movimentos negros no Brasil, o aumento dos casos evidencia a necessidade urgente de intensificar o combate à discriminação racial, tema central do Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, celebrado em 21 de março.
A jornalista e doutora em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB), além de ativista montes-clarense, Andreia Pereira da Silva, aponta que o racismo permanece profundamente enraizado na estrutura social do Brasil, manifestando-se persistentemente em diversos casos. “O mito da democracia racial criou essa falsa sensação de que o racismo não existe aqui, mas basta olhar para as desigualdades perpetuadas ao longo dos séculos. Depois de mais de 300 anos de escravidão, a população negra foi lançada à própria sorte, sem acesso a direitos básicos como educação, moradia e trabalho digno. E essa exclusão não foi acidental, foi planejada”, diz.
Ainda segundo Andreia, a ausência de pessoas negras nos espaços de poder, decisão e liderança, não é uma coincidência, é resultado dessa história de segregação. “Muitas vezes, ouvimos que isso acontece por falta de esforço individual, mas essa ideia de meritocracia ignora completamente os obstáculos que o racismo estrutural impõe. O racismo no Brasil persiste porque, além de estrutural, ele também é cultural. Ele se manifesta no mercado de trabalho, na mídia, na segurança pública, na educação e até nas interações do dia a dia. E, muitas vezes, as pessoas brancas não se enxergam como parte do problema, porque o racismo foi construído para ser invisível para quem não sente seus efeitos”, declara.
Bianca Cristina Soares, pós-graduada em Africanidades e Cultura Afro-Brasileira e especialista em Educação e Direitos Humanos, destaca que o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial é uma data de significativa importância, exigindo uma abordagem educativa robusta e enfática para o tema.
“No entanto, quando se trata de temas que já iniciam com palavras como: luta, combate, contra, isso automaticamente nos deixa com uma alerta de guerra, e o objetivo destes diálogos é para esclarecer e levar informação, já começamos por aí! Outro ponto importante que precisamos saber reconhecer os vieses inconscientes que fazem parte de um contexto social, aprender sobre letramento racial, a reconhecer a história, nos faz refletir sobre muitas situações sociais e nossas responsabilidades”, declara.
RAÇA E GÊNERO
Segundo a advogada, especialista em direito criminal e direitos humanos e mestre em desenvolvimento social, Maria Oliveira, o papel das pessoas brancas no combate à discriminação racial é refletir, discutir e romper, assumindo verdadeiramente o ônus disso, com as estruturas de privilégio que sustentam sua existência social. “É necessário um esclarecimento sobre sua própria condição social aliada à clareza com que ela estrutura o sistema em que vivemos e, sem a dissolução desse sistema, é impossível superar o racismo e toda discriminação que ele produz”, declara.
A respeito dos tipos de discriminação existentes, Maria Oliveira conta que a discriminação racial é toda forma de segregação definida por critérios de raça. “O racismo pressupõe que haja ‘raças’ na nossa sociedade e define uma hierarquia para elas onde aqueles indivíduos, sendo lidos socialmente como ‘brancos’, ou que se aproximam dos critérios da branquitude ocupam o topo da pirâmide social e aqueles lidos socialmente como ‘negros’, aqui entendidos pretos ou pardos, ou que constituam qualquer outra minoria racial como os povos indígenas ou ciganos ocupam um patamar inferior”, diz.
Sobre as muitas violências que a população negra enfrenta diariamente, sobretudo as mulheres negras, Maria diz que, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a população negra é a que mais falece no país por ação do Estado.
“Os números e dados são alarmantes e apontam para um verdadeiro genocídio. As mulheres negras sofrem duplamente, carregando consigo o peso de sentirem a violência duas vezes, por serem mulheres e por serem corpos racializados. Elas estão nos piores índices, são as maiores vítimas de feminicídio, de violência doméstica, de abandono parental. Sofrem nos piores lugares com violências obstétricas, com os índices de pobreza e desemprego e, via de regra, são o sustento de uma família inteira”, relata.
*Com colaboração de Alexandre Fonseca