
A artista diamantinense Graciola Rodrigues leva ao público, a partir de 6 de outubro, no Museu Regional do Norte de Minas (MRNM), a exposição “Terra Queimada”, uma potente homenagem à terra, às tradições e às narrativas coletivas por meio da cerâmica artesanal. A mostra integra a agenda de exposições temporárias do MRNM que neste mês reúne trabalhos de diferentes artistas e linguagens, destacando a diversidade estética e cultural da arte contemporânea. A série da exposição Terra Queimada foi inspirada e desenvolvida, segundo a artista, com referência aos trabalhos de pintura em que representa as mulheres apanhadoras de Sempre Viva, o garimpo no entorno da cidade e a musicalidade de Diamantina.
Como foi o processo de escolha dos materiais e técnicas utilizadas nas peças dessa exposição?
A principal matéria-prima é a argila em diversas cores, que, após a produção e queima das peças, recebe a flor natural da Sempre Viva para finalização.
De que forma a cerâmica, enquanto linguagem artística, contribui para expressar as memórias e tradições que você busca resgatar?
A modelagem em argila é uma linguagem de expressão milenar, presente na vida humana desde os primórdios, estando presente no nosso cotidiano até os dias de hoje. Busco resgatar as experimentações das brincadeiras de criança quando a argila era abundante por toda parte, onde a modelagem fazia parte do desenvolvimento motor da minha geração. Hoje, utilizo estas experiências para registrar minha visão poética do garimpo de diamantes e do cultivo da Sempre Viva, as flores eternas.
O que o público pode esperar, sentir ou refletir ao visitar “Terra Queimada”?
Acredito que o olhar do público será de encanto, estranhamento e reflexão sobre o trabalho manual dos trabalhadores e protetores desta biodiversidade que o solo do Vale do Jequitinhonha oferece a nós, seres humanos, dependentes desta sustentabilidade.
O título da exposição carrega uma forte carga simbólica. Qual é o significado dele para você?
Terra Queimada significa para mim transformação, onde a terra (argila), após modelada, perde suas principais essências — água, flexibilidade, cor — transformando-se em um novo elemento da natureza, a cerâmica. Tornando-se útil no nosso cotidiano e prazerosa como produto de enfeite, apreciação e encantamento, agrega aos homens uma parceria sem igual. A terra remodelada e queimada satisfazendo as nossas benesses.
Seu trabalho tem uma forte ligação com a terra e com a ancestralidade. Como essas temáticas atravessam sua produção artística?
Faço um trabalho representativo regional, onde desde criança tenho contato tanto com a Sempre Viva nos campos, garimpeiros informais e músicos, além de crescer ouvindo o violão da minha mãe tocar todos os dias.
Você acredita que a arte pode ajudar a preservar ou recontar histórias coletivas e culturais? Como isso aparece na sua obra?
O registro poético é muito importante para a posteridade e a arte se posiciona nesta função extraordinária de preservar a memória, registrar o hoje, para que o amanhã haja permanência e cumplicidade com o passado.
Há elementos específicos da cultura de Diamantina ou do Norte de Minas que influenciam diretamente sua produção?
Sim, a riqueza cultural de todo Vale do Jequitinhonha e a importância de se manter viva.
Como é o seu processo criativo — desde a concepção até a finalização das peças?
Meu processo criativo se dá na observação do mundo ao meu redor.
A cerâmica exige paciência, tato e um conhecimento muito específico do material. Que tipo de relação você desenvolveu com a argila ao longo dos anos?
O processo não foi contínuo. Na minha infância, fazia panelinhas para brincar. Tinha argila em muitos lugares de acesso em Diamantina, até que uma lacuna foi criada entre a adolescência e a fase adulta. Ingressei na Universidade de Artes Plásticas pela Escola Guignard — UEMG, onde me especializei em Pintura, Desenho, Gravura e Cerâmica, retomando assim o fazer artístico da minha intimidade com o barro e as demais linguagens. Hoje, ministro oficinas de modelagem e queima para públicos de diversas idades.
Você costuma trabalhar com outras linguagens além da cerâmica? Como foi essa transição ou combinação entre diferentes técnicas ao longo da sua carreira?
Sim. Me expresso por meio da pintura, gravura (xilogravura), instalações artísticas, além da cerâmica. Às vezes, todas essas linguagens se encontram juntas.