Variedades

Bebê de ‘mentira’, amor de verdade

Bonecas que imitam com perfeição recém-nascidos caem no gosto de adultos encantados com a maternidade do “faz de conta”

Manoel Freitas
Publicado em 04/11/2022 às 23:26.Atualizado em 09/11/2022 às 14:27.
Para adquirir um bebê Reborn no Brasil, o mais comum é as pessoas recorrem às redes sociais. No Facebook, uma das maiores comunidades tem mais de 91 mil seguidores, e o apelo comercial bate na tecla da afetividade. (Divulgação)
Para adquirir um bebê Reborn no Brasil, o mais comum é as pessoas recorrem às redes sociais. No Facebook, uma das maiores comunidades tem mais de 91 mil seguidores, e o apelo comercial bate na tecla da afetividade. (Divulgação)

Bebê Reborn, bonecos de recém-nascidos fabricados para se assemelharem ao máximo a um humano, são cada vez mais realidade, não apenas em quartos de crianças, como também nas ruas e braços de adultos. Fenômeno que envolve todas as classes sociais, apesar de cada um custar em média R$ 2 mil. Desafio à imaginação dos fabricantes e da ciência, posto que são cada vez mais hiper-realistas e a Psicologia “só agora tem estudado esse universo de relações novas, enraizado na construção de afeto por um elemento inanimado”, explica Mônica Costa Nobre, psicóloga comportamental de Montes Claros.

Foi no quarteirão fechado da rua São Francisco, em Montes Claros, que O NORTE encontrou pela primeira vez um adulto com bebê Reborn nos braços. Valdinéia Ferreira, de 42 anos, mimava a boneca Larah, que, a exemplo da “irmã gêmea” Larissa, foi adquirida pelo Facebook, por R$ 2.490. Aliás, na rede social, o grupo “Mamães e Futuras Mamães Reborn” chega a 25.571membros, atraindo a atenção da salgadeira Valdinéia, moradora do Bairro Major Prates, que pagou pelos dois bonecos - “um que ri e outro que chora” - R$ 4.900. 

“Do jeito que foi combinado os vendedores cumpriram”, observa Valdinéia, explicando, porém, que “enquanto não pagar tudo em conta bancária, você não recebe o bebê”. Ela é mãe de Jennefi Catherine, de 24 anos, e Vitória Emanuel, de nove anos. “Nasci em Claro dos Poções e vim para cá aos 18 anos para morar de favor, só com a roupa do corpo, então os bonecos são muitos especiais, porque agora Deus me deu condições de comprar bebês ‘de verdade’ mesmo, agradando as minhas filhas e a todos nós”. 

Antônia da Silva, comerciária, que chegou no momento da abordagem na área central de Montes Claros, conhece Valdinéia. Opinou que “esse é um jeito diferente de demonstrar afeto num mundo duro, e a história dela é muita bonita, não apenas pelo esforço em comprar os bebês, mas porque trabalha incansavelmente para garantir estudo de melhor qualidade para as filhas, alimentando então sonhos e o futuro”.

A poucos metros dali, a comerciária Jéssica Ferreira, de 30 anos, apressava o passo para deixar em berçário seu primeiro filho, o pequeno Antony Gabriel. Ela vê com bons olhos a atitude de Valdinéia Ferreira. 

Essa representação de uma figura humana na percepção de quem está acolhendo o ser na relação, na visão da psicóloga Mônica Costa Nobre, merece toda atenção. “É comum uma criança tratar uma bebê como uma boneca e uma boneca como bebê, tanto é verdade que você tem bonecas que choram, mas um adulto tratar bonecas como crianças é uma coisa aparentemente bem nova”. A especialista ensina que “algumas crianças permanecem com essa relação com os brinquedos até 11 anos, mas o bebê Reborn foi e tem sido uma surpresa no universo de estudo de caso e consequência”. 

Mais de 90% da clientela é adulta

Raquel Figueiredo Brandão Guimarães, a Quel, como é tratada por todos, no dia a dia passa um bom tempo dando atenção e carinho para os bebês Reborn que coleciona. Os bonecos foram presenteados por familiares e amigos. 

Um mundo cheio de magia e encantamento: zela por todos como se fossem uma família. Ao receber um novo bebê, se apressa para dar o primeiro banho e colocar nomes de pessoas que lhe são queridas. Foi assim com Leozinho, Arthur, Tati, Paulinha, Vitor Hugo e Juninho, “todos meus bebês, amo por igual”, diz Quel, sorrindo. 

Desse modo, penteia os cabelos, ajusta laços, fitas, tiaras, enfim, cuida de roupas e acessórios desses personagens que - de tão reais - parecem ter vida própria, “mantendo sempre viva a criança que mora em cada um de nós”, diz com emoção uma das tias, para a qual “por tudo isso, e muito mais, não resta a menor dúvida de que Quel é a expressão genuína de amor imensurável, de como essas bonecas realistas podem tocar o coração de crianças e adultos no mundo inteiro”. 

Com respeito, carinho e alegria, O NORTE pediu autorização para publicar o retrato, em seu quarto, no Ibituruna, em Montes Claros. A família permitiu “por acreditar que a magia, o amor e a pureza dessa linda história possam prevalecer também em nosso meio, para que o mundo seja um lugar verdadeiramente melhor para se viver”. 

Memória afetiva agrega valor
Para adquirir um bebê Reborn no Brasil, o mais comum é as pessoas recorrem às redes sociais. No Facebook, uma das maiores comunidades tem mais de 91 mil seguidores, e o apelo comercial bate na tecla da afetividade. “Nova bebê Reborn já está disponível para ganhar uma mamãe, R$ 3.499,99 + frete”. Nesse caso, “bebê menino, 100% de silicone, cabelo colocado fio a fio, com enxoval completo. 

Entretanto, bonecos não tão realistas, comercializados pelos gigantes do comércio eletrônico, pode ser adquiridos a preços bem mais em conta: a R$ 598,90, como no Magalu, em 10x de R$ 59,89 sem juros. Na Americanas, a R$ 127,98, até 6x de R$ 21,33. Na Amazon, R$319,90, até 6x de R$ 53,35 sem juros. 

Depois de 10 anos sonhando com um bebê Reborn, Emília Gonçalves dos Santos, graças a uma tia e a buscas na internet, enfim realizou o sonho de muitas crianças. O presente chegou pelo Sedex há um mês. E olha que de boneca Emília entende: são 10. Deu à bebê Reborn o nome de Isadora, “porque desde que comecei a sonhar achava que o nome combina”. 

Na casa dos pais artesaõs, Wilson e Leca, Emília, quando não está fazendo tarefas, brinca com a irmã Emilly, sempre em companhia de amigas com as quais divide a alegria de ter uma boneca realista. “É muito bom lavar, passar e trocar as roupas de Isadora, ela tem que ficar bem bonita, porque quando saio com ela muita gente pensa ser um bebê de verdade”, diz sorrindo.

Aliás, a realização do sonho de ter um bebê Reborn encontra também possibilidade de doação nas redes sociais, especialmente no Facebook. No início de outubro, a menina A.J.A. recorreu a uma dessas comunidades . “Eu quero muito uma bebê Reborn. Alguma para doação”? A criança, evangélica, mantém desde então seu pedido, a despeito de comentários nada inocentes de outros participantes. “Bebê Reborn é artigo luxo, não é necessidade, então recorra a rifas e consórcios”. Não parou por aí. “Quando alguém quer realizar um sonho e não tem dinheiro, lava, engoma, faz faxina, trabalha, vende picolé, pedir é muito fácil, me poupe”.

Bebês hiper-realistas: sonho de pessoas de todas as idades
Para quem acha que a boneca realista é coisa de criança, os números de empresa que opera desde março de 2018 em Montes Claros dizem justamente o contrário. Segundo dados fornecidos a O NORTE na quarta-feira (03/11) pela empresária Sol Oliveira, mais de 90% de sua clientela é formada por adultos, e, igualmente interessante: as pessoas que pagam a partir de R$ 1.500 pelos bebês são em sua grande maioria de outros estados e países. 

Para surfar nessa onda, a ponto de crescer muito em pouco tempo, a empresa apostou todas as suas fichas em redes sociais. Tanto é verdade que são 38.102 inscritos no You Tube, 5.370 no Instagram, 5.000 em perfil do Facebook e outros 5.800 em comunidade no Facebook, ou seja, quase 55 mil pessoas. 

Contudo, tão ou mais relevante que os números, são as histórias: o componente emocional fala alto, muito alto. Na linha de frente dos meios de comunicação e atendimento à clientela, a proprietária de Sol de Pelúcia Reborn explica que em pouco mais de três anos e meio, pôde acompanhar histórias curiosas, “a maioria de senhoras que já não têm mais seus filhos em casa, com o ninho vazio, com os netos não tão presentes, de forma que, quando recebem o bebê Reborn sentem novamente a sensação de serem mães, aquela vontade de amar um bebezinho, se doar”. Revela que recebe vídeos das senhoras fazendo a voz dos bebês, “olha titia, eu estou sendo muito bem tratada, recebendo todos os cuidados”. 

Mais ainda, relata que parte da clientela declara ter saído de quadro depressivo depois da compra dos bonecos de recém-nascidos, mas um caso chamou mais atenção ainda, “um casal novo, mas que a mãe teve três gestações interrompidas, que chorou muito quando veio buscar o bebezinho, e eu até aconselhei a não se apegarem tanto como se fosse de verdade”. 

Outros casos que tocam fundo, segundo sua narrativa, “são de várias mães que perderam filhos e enviaram suas fotos para que a empresa produzisse o bebê Reborn com as mesmas feições, que emociona a todos, mas nesses casos a gente procura a conversar mais com essas pessoas, explicando que o boneco de modo algum pode substituir aquelas crianças, mas que são apenas um alento, uma coisinha boa de cuidar, trocar a roupa, conversar, e, sempre, insistimos para que façam encomenda com características diferentes”, finaliza a empresária Sol Oliveira.

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por