
Três fevereiro é o Dia da Navegação do Rio São Francisco, data que, em 1871, foi inaugurada a navegação a vapor no Rio São Francisco, quando o navio Saldanha Marinho chegou à barra do Guaçuí, em Minas Gerais.
Na verdade, estabelecia-se um marco histórico de aproximação entre 521 municípios banhado em sete estados. Entretanto, 152 depois, de acordo com pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), a pouco a se comemorar, não somente porque o Brasil faz pouco uso dos rios navegáveis, mas porque foi permitido que sua navegação comercial fosse ferida de morte pelo assoreamento em Minas Gerais, onde nasce na Serra da Canastra.
De tal forma que o santo rio, que deságua no Oceano Atlântico, de vetor de desenvolvimento e integração, depois de mais de um século e meio, a cada dia assiste sua navegabilidade comercial ser resumida aos belos capítulos de tempos idos. Ainda assim, mesmo praticamente morta à sua função de transporte fluvial, permite o ir e vir de pequenas e médias embarcações, sem as quais não seria tão rica a história de cidades ribeirinhas, nas quais desempenha importante papel de desenvolvimento sustentável, turístico, paisagístico, cultural e ambiental.
Símbolo da navegabilidade no Brasil
Segundo o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), através de publicação intitulada “Guia de Bens Tombados”, o Vapor Benjamim Guimarães é um dos últimos em atividade no mundo.
A autarquia relaciona sua história ao processo de implantação da navegação comercial no Rio São Francisco, decurso que se iniciou na segunda metade do século XIX e permaneceu em ritmo forte até meados do século XX. De acordo com a publicação, “o vapor foi construído em 1913 pelo estaleiro de James Rees & Sons, um importante estaleiro norte-americano conhecido em todo o mundo por suas embarcações a vapor”.
Fora de operação em Pirapora desde agosto de 2014, o vapor chegou ao Brasil “adquirido pela The Amazon River Steam Company, e durante alguns anos no rio Amazonas, e após esse período foi comprado pela empresa Júlio Mourão Guimarães, montado na cidade ribeirinha no final da década de 1920.”Posteriormente, foi batizado com o nome do patriarca da família.
Então, durante quase 90 anos transportou passageiros e cargas pelo Velho Chico”.
Ultrapassada ao longo dos anos, a navegação a vapor no Brasil, paulatinamente começou a perder a importância. Ao mesmo tempo, “o transporte fluvial no rio decaiu, o que fez com que várias empresas fossem encampadas pela união”.
Nesse contexto, segundo o Iepha, “na década de 1950, o Benjamim Guimarães passou para a recém criada Comissão do Vale do São Francisco que, na década de 1960, foi transformada na Companhia de Navegação do São Francisco”, deixando aos poucos de ser uma via natural para atividades.
Tombado pelo Iepha, nos dias atuais o vapor símbolo da navegação do Velho Chico é uma das atrações turísticas de Pirapora, sob administração da Prefeitura.
Entretanto, O NORTE conseguiu imagens do vapor no sábado (21) que comprovam que a reclamada restauração da embarcação não foi concluída, estando o vapor em terra firme. Aliás, para tentar agilizar o processo reclamado pelas autoridades municipais e pela população, a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo assumiu integralmente essa responsabilidade, pela ausência, em 2021, de recursos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Assoreamento impede navegação comercial
Na quarta-feira (25), O NORTE foi recebido no Instituto Grande Sertão pelo seu fundador, o ambientalista e consultor ambiental Eduardo Gomes. Indagado se enxergava a possibilidade de retomar a navegação comercial no Rio São Francisco, especialmente no Norte de Minas, mostrou-se pessimista.
“Tenho postura cética, posto que a questão do seu assoreamento agrava ainda mais a navegabilidade, devido a diminuição drástica da profundidade do rio”.
Explica que torná-lo navegável “é uma solução muito complexa, vez que, ao longo dos anos, não houve a manutenção necessária dos seus canais de navegação, como ocorre em outros rios de grande movimento n Brasil e ao redor do mundo, por intermédio de programas de conservação, através de dragagem desses canais’.
Em função disso, no seu modo de entender, no Velho Chico o assoreamento é contínuo, “que acontece não apenas a partir da degradação de suas margens diretas, das áreas de preservação ambientais (APPs), como, igualmente, através de seus afluentes grandes, médios e pequenos”.
Observa que, desse modo, “tudo prossegue contribuindo para dificultar a navegação comercial do Velho Chico, já que esses afluentes também têm suas bacias degradadas, impactadas por vários fatores, como desmatamento, queimadas e consequente erosão do solo, provocando um continuo carreamento de sedimentos para seu leito , tornando-se praticamente impossível de ser paralisado”.
Argumentou que, “infelizmente a capacidade do Rio São Francisco de ser novamente uma via fluvial de transporte é difícil, muito difícil, principalmente diante dos custos altíssimos que demandariam uma adequação do rio para navegação”.
Aos seus olhos, o presente e o futuro do rio demonstram que ele “se prestará objetivamente ao papel de fonte de abastecimento de água para consumo humano, animal, irrigação, além de sua inegável função ecológica”.
Por outro lado, acredita que “foram significativos os avanços em relação a construção de estações de tratamento de esgoto (ETEs), que era problema crômico nos anos 80, 90 e 2000”. Observou que, “uma vez não sendo mais possível a navegação comercial, resta a todos trabalhar para que a qualidade de sua água não seja comprometida pela poluição de esgoto doméstico e industrial”.
O ideal, segundo o consultor, “seria um planejamento a longo prazo, com a criação e implementa-ção de um programa nacional de revitalização da bacia do São Francisco, integrada com programas de saneamento eficientes, reflorestamento maciço de matas ciliares e áreas degradadas, prioritariamente nas áreas de recarga”.
Isso, “de forma a promover – paralelamente - ações de contenção de processos erosivos, sobretudo com a adequação do sistema viário, com a construção de milhões de barraginhas ao longo de estradas de terra e rodovias pavimentas”.
Leva e traz de águas e vidas
O NORTE conversou com o historiador Adélio Brasil Filho, conhecido como Delim Brasil, de Pirapora, que falou com propriedade sobre o Rio São Francisco próximo a data tão importante.
Adélio trabalha com o patrimônio cultural, histórico e artístico do município.
Logo no início, chamou atenção acerca da importância do Velho Chico para Pirapora e o Norte de Minas: “sempre foi o transporte, transportar no sentido físico, porque era a única estrada que existia no país, ligação do Norte/Nordeste com o Sul; transportar pessoas, conhecimentos, o leva e traz das águas, o leva e traz das vidas, leva e traz das pessoas”.
“Nós piraporenses somos barranqueiros, resultado do que o rio trouxe, do que o rio levou, porque ele trouxe sabedoria e levou pessoas, trouxe costumes nordestinos, vivências, levou saudades, mineiridade”, disse. Lembrou que “ainda hoje o Rio São Francisco transporta as pequenas embarcações, alimenta o turismo”, lembrando que “nos pós-enchentes, irriga às margens, onde se planta e se colhe muito, importante para os pequenos produtores barranqueiros”.
MAIS VIVO QUE NUNCA
Adélio Brasil argumenta que o Rio São Francisco, mesmo com os limites da navegação comercial, “está mais vivo do que nunca, mostra sua pujança quando preciso, basta lembrar que ficou dez anos seco e mostrou ano passado a que veio, ou seja, quando vem a enchente se renova, mostra porque é dono do pedaço”.
Mesmo sem o ir e vir de outras épocas, acredita que “o rio jamais vai perder sua importância cultural, porque liga cinco estados como se fosse uma nação, com suas lendas, sua culinária, seus costumes”.
Por fim, opinou que “o barranqueiro espera do rio tudo que ele tem de bom, porque é rico tanto nas partidas como nas chegadas, porque o barranqueiro parte de um porto e chega no outro”.