Logotipo O Norte
Sexta-Feira,27 de Junho
ENTREVISTA

100 anos bem vividos

Montes-clarense comemora centenário neste domingo e bate papo com O NORTE relembrando animadas reuniões em casa regadas a boa música

Adriana Queiroz
Publicado em 17/02/2023 às 22:03.Atualizado em 17/02/2023 às 22:03.

A montes-clarense Maria Neusa Maciel Mendes celebra o centenário neste domingo, 19 de fevereiro. De família musical, ela conta nesse bate-papo das animadas reuniões na na sala da casa, regada a boa música, viola e sapateado, além de momentos importantes de sua trajetória.

Parabéns, Neusa! Muito amor, saúde e energia para continuar desfrutando da sua vida com toda alegria! Parabéns pelo seu dia!

Quais as lembranças mais marcantes que a senhora tem da sua infância?
Meu pai era Altino Maciel de Medeiros e minha mãe era Cláudia de Araújo Maciel. O pai da minha mãe era natural de Francisco Sá. O meu avô paterno veio de Patos de Minas para Montes Claros e gostaram do Buriti, então lá eles se estabeleceram. Meus pais cuidavam muito dos filhos, minha mãe nunca trabalhou fora sempre cuidando da casa, ela ia e vinha, naquela época sempre a cavalo, muitas vezes passando pela estrada da Lapa Grande, e era uma lembrança muito boa, porque estudávamos em Montes Claros e durante as férias passávamos no Buriti. Meu pai era amigo da família Prates, Camilo Prates, eu era afilhada de Olga Prates e Juca Barbosa. Muita coisa boa, que nós passávamos nas férias. Não tinha nada de Papai Noel, era Menino Jesus. Nós fazíamos o presépio na fazenda, com ornamentação toda natural, flor do brejo, lírio branco, pedra toda bordada, bonita para fazer a lapinha onde o Menino Jesus nasceu. Lembranças maravilhosas.
  
Como era a convivência, o dia a dia em sua casa? E sua rotina de criança e adolescente?
Nós éramos 8 filhos. Eu sou a antepenúltima. Nasci depois de Benedito. Ele nasceu em 1921. Nossa vida era maravilhosa! Minha mãe e minha avó cuidavam de nós. Sempre a cavalo, quando vovó ia para a cidade, mamãe ia para a fazenda e assim revezavam para cuidar dos filhos. A feira vinha para nós todo sábado, pelo cargueiro. A gente só comprava pão, alguma fruta... Na adolescência, fui para o Colégio Imaculada e a adolescência foi maravilhosa também. Não podia namorar, não podia nem dar a mão. Naquela época só podia dar o braço com o namorado, se estivesse noivo. O sinal de noivado era andar de braço dado. (risos). Os meus irmãos Nivaldo e Benedito fiscalizavam muito a gente. O "footing" era na rua 15. As moças andando e os rapazes parados de lado na calçada. Ali a gente arrumava namorado. Só podia conversar. Só. (risos). O Clube Montes Claros era onde havia Matinê Dançante para os jovens, então Godofredo Guedes tocava clarineta. A música que mais me lembro era "Saudade da Bahia". Música de composição dele (ela cantarolou a música, sem letra). A hora dançante era no Clube Montes Claros que ficava na esquina da Dr. Veloso com a rua 15, na época. Era assim, maravilhoso aquele tempo!
Fale sobre a importância da arte e a música em sua família.
Minha família tem muita gente...posso falar artista, que faz trabalho bonito. Cantores... Papai, durante as férias na fazenda, toda noite nós tínhamos que ouvi-lo tocar viola e meus irmãos tinham que sapatear na sala. Toda noite, toda noite. Fora quando papai chamava os próprios cantores sertanejos do Buriti para tocar e cantar para nós. Então era muito interessante, toda noite tinha aquele sarau na sala. Nós cantávamos, papai gostava que até nós (mulheres) dávamos um sapateado também. E a viola sempre tocando. Os violeiros gostavam de ir tocar pra nós. Nivaldo recebeu essa influência e a influência de Dulce. Quando ela viu que Nivaldo tinha uma voz boa e gostava de cantar, ela o colocou para cantar no Coro da Matriz, que ela comandava e ele continuou. Depois foi fazer parte da Seresta João Chaves e aí eu já estava adulta, em 1970.

E sobre sua formação acadêmica?
Estudei na Escola Normal e o curso primário foi feito lá. O curso de adaptação também. Comecei o curso Normal, mas quando faltava 1 ano foi quando a escola esteve fechada, então tive que ir para o Colégio Imaculada. Depois só fui nomeada em 1949, professora primária, naquele tempo não tinha prova escrita. Era prova de título. Tinha muitos atestados dos cursos que fazia em Belo Horizonte. O próprio governo federal ou estadual nos mandava para os cursos ou senão o MEC mandava os professores darem os cursos aqui em Montes Claros. Eu sempre fazia esses cursos. Mais ou menos na década de 70 fiz o vestibular e sem estudar eu passei em Geografia, que era a matéria que mais gostava. Tínhamos a FAFIL, faculdade daqui que funcionava no mesmo prédio da antiga Escola Normal. Não pude fazer mestrado porque tinha que fazer em Belo Horizonte. Depois tive que dar aula para o curso Ginasial, fiquei então com os dois cursos: primário e ginasial. 

É sabido que a senhora canta muito bem. Quais foram suas influências musicais?
No curso primário, Dulce Sarmento era professora de música e tinha muito boa vontade com os meninos de várias idades. Então, desde a 1ª. Série, Dulce, que era especialista em música, era compositora, tocava piano muito bem, até teoria musical, Dulce dava pra nós. Eu gostava muito de ouvir as músicas de dela. Deixa ver se me lembro: 
"Montes Claros, Montes Claros, teu luar é cor de prata.
 Montes Claros, Montes Claros, aa saudade só nos mata 
quando estamos bem distantes do teu lindo céu azul,
 nos teus prados verdejantes, do teu cruzeiro do sul."
Dulce teve uma influência muito grande! Orientou Nivaldo, meu irmão, tanto que ele se transformou em cantor. Foi Dulce quem deu a primeira orientação pra Nivaldo porque ela gostava muito dele. Dulce foi quem influenciou muito, muito, com o seu amor por nós. No rádio tinha o Luiz Gonzaga, depois veio Dominguinhos, mas eram os nordestinos. Agora, influência também eram as Folias de Reis, com as músicas sertanejas, né? No tempo de natal as Folias, os foliões de Reis que iam nas casas cantar à noite e era muito bonito, principalmente na fazenda. 

Qual sua música preferida? Por quê?
Eu gosto da música! De Ópera, gosto de ver os cantores estrangeiros como a Bela Itália, cantando aquelas músicas antigas e aprecio a nossa música brasileira. Atualmente, a sertaneja também eu gosto e das músicas dos compositores brasileiros. Seresta, por exemplo. Eu gosto de música boa. Soprano, barítono, gosto dessas músicas. Só não gosto daquela música pop. Da música sertaneja gosto da "Cantando em frente" : 
"Ando devagar porque já tive pressa
 e levo essa canção porque já chorei demais..."

E da seresta gosto daquela:  

"Oh, lua branca de fulgores e de canto
Se é verdade que é o amor pelo amigo
Oh, vem tirar dos olhos meus o pranto
Oh, vem matar essa saudade que anda comigo" (Lua Branca).

Quando começou a trabalhar e quais os momentos mais importantes da sua carreira?
Meu primeiro emprego foi no Grupo Francisco Sá, eu "batia máquina", com 17 ou 18 anos. Trabalhei em Belo Horizonte e Petrópolis. Na década de 40 voltei de Petrópolis para Montes Claros e em 1949 fui nomeada pela Escola Normal para dar aula modelo, para as normalistas observarem, chamava-se Classes Anexas. Em 1968 comecei a dar aulas no 2º. Grau, ficando com dois cargos. Fui chamada a ser vice-diretora e continuei no cargo, passando pelas diretoras Sônia Quadros, Dulce Sarmento, Miguel Maciel, Dr. Franculino. Até alistamento para o cartório eleitoral, a Delegacia de Ensino e o Diretor da Escola me designavam, e sempre eu era chamada pra exercer essas funções.

Por quanto tempo lecionou em Montes Claros?
De 1949 até 1987. Por 38 anos. 

Dos alunos mais ilustres que teve ao longo da carreira, quais os que mais a marcaram?
Outro dia mesmo, recebi uma homenagem no meu bairro, o próprio diretor da Associação da Morada do Parque, falou que foi meu aluno. Na Santa Casa eu estava lá para um exame e o médico veio e "ah... eu fui aluno da senhora! Que maravilha!" E outro que me deixou muito emocionada foi quando teve um júri na Escola Normal, um rapaz que tinha matado um casal, a moça era parente dos Athayde e eu, como professora, entrei ali para ajudar a controlar a entrada e saiu um militar de lá: "Ooooh.... minha professora! Foi com o exemplo da senhora que eu nunca fiz coisa errado. A senhora nos ensinou muita coisa boa". Então, eu gravei aquela declaração do meu ex-aluno, que nem me lembrava, porque não gosto de me lembrar das coisas boas que fiz, não, porque nós temos obrigação de ajudar. 

Quais os colegas de trabalho mais se aproximaram da senhora. e por quê?
Hoje ainda eu convivo com os colegas de Geografia, todos amigos. Tenho muito boas recordações de Carlos Monção, Juvenal Durães, Marilene Veloso até hoje é minha amiga e é com quem até hoje convivo, porque muitos, muitos, muitos já se foram. Do meu tempo estão vivos Monção, Juvenal, Rosa, sua esposa, Naide Veloso também ainda está viva, Marilene Veloso... Quem eram mais próximas no curso primário, eram Silvia Veloso dos Anjos, Florinda Athayde Fróes, Hilda Versiani, Carlos Versiani dos Anjos.

Com o passar dos anos, quais as mudanças ocorridas em Montes Claros que mais a afetaram?
Muita coisa que antigamente a gente usava e que hoje... por exemplo, em noite enluarada, a gente se sentava na porta pra conversar, cantar, eu tinha uma amiga, Ilza Amorim, que cantava muito bem, então a gente cantava para o luar e era maravilhoso! Os meus irmãos jogavam futebol na rua, não tinha problema. E hoje, nada... porque não podemos nem ficar no portão sozinha por causa de ladrão, pessoas mal-intencionadas. Perdemos aquela liberdade que nós tínhamos anteriormente. Isso é o que mais me afetou. E a moda, né? Eu, por exemplo, jogava vôlei no Colégio Imaculada, e na Escola Normal também, de meia comprida e de uniforme e a saia tinha que ser abaixo do joelho. Não podia aparecer parte nenhuma do corpo no jogo de vôlei. E hoje em dia é tudo diferente.

Compartilhar
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por