Doença de Chagas em MG

Alerta para casos de Chagas no Norte de MG

Nos últimos dois anos o Norte de Minas registrou mais de 3.500 casos

Larissa Durães
larissa.duraes@funorte.edu.br
Publicado em 01/07/2025 às 13:17.Atualizado em 01/07/2025 às 13:19.
Especialistas alertam para a falta de políticas estruturadas a nível estadual para o enfrentamento da doença, especialmente em regiões rurais de Minas (Integra Chagas Brasil)
Especialistas alertam para a falta de políticas estruturadas a nível estadual para o enfrentamento da doença, especialmente em regiões rurais de Minas (Integra Chagas Brasil)

Pela primeira vez, os municípios de Espinosa e Porteirinha, no Norte de Minas, têm acesso a dados concretos sobre a doença de Chagas. Mais de 10 mil pessoas foram testadas entre março de 2024 e março de 2025 por meio do projeto IntegraChagas Brasil, coordenado pelo Ministério da Saúde em parceria com as secretarias municipal e estadual de saúde. Os dados inéditos, divulgados em boletins epidemiológicos, revelam um cenário preocupante: 1.120 moradores ainda aguardam a conclusão de exames que podem confirmar se convivem com a forma crônica da doença.

Dos 2.392 moradores encaminhados para testes sorológicos de confirmação da doença de Chagas, apenas 1.272 realizaram o exame até março de 2025. Desses, 669 casos foram confirmados, principalmente entre mulheres em idade fértil e gestantes, grupo prioritário por risco de transmissão de mãe para filho. A testagem, feita com um teste rápido da Fiocruz, identificou 600 novos casos entre maio de 2024 e março de 2025. Do total testado, 65,6% são mulheres. Entre 561 gestantes, 70 foram encaminhadas para exames complementares e ao menos uma teve diagnóstico positivo.

O Ministério da Saúde alerta que 70% dos infectados por Chagas desconhecem a doença, o que agrava os casos e dificulta o controle. Entre maio de 2023 e junho de 2025, o Norte de Minas registrou mais de 3.500 casos crônicos e mais de 50 mortes.

Apesar da relevância dos dados, a Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Montes Claros avalia que os números estão subdimensionados. Para Nilce Almeida Lima Fagundes, referência técnica da doença na regional, o medo da população e a negligência histórica explicam a defasagem. “Além de ser negligenciada pelos gestores, a doença também é temida pela população. Muitos evitam fazer o exame por medo de descobrir que têm Chagas, por acreditarem que isso significaria uma sentença de morte ou o fim da vida laboral.”

O projeto IntegraChagas Brasil, iniciado em 2023, tem ampliado a visibilidade da doença e viabilizado estratégias de testagem, como o uso do teste rápido. As discussões começaram antes da pandemia, mas só foram retomadas após a crise sanitária.

A referência técnica alerta, no entanto, que ainda não há políticas estruturadas a nível estadual para o enfrentamento da doença, especialmente em regiões rurais. “Temos municípios com grandes extensões territoriais. É preciso transporte, alimentação para os profissionais, e isso não dá visibilidade política, o que dificulta ainda mais”, ressalta. 

Nilce destaca que a medicação está disponível gratuitamente. “O medicamento não tem faltado. Após a confirmação por sorologia e a apresentação da prescrição médica e notificação, o remédio é entregue rapidamente pela assistência farmacêutica.” Mas o acompanhamento contínuo dos pacientes ainda é um desafio. “A atenção primária está fragilizada. Muitos médicos não têm segurança para prescrever o tratamento por falta de formação sobre a doença. É preciso colocar esse debate dentro das universidades”, alerta.

Ela reforça que o problema não se restringe a Espinosa e Porteirinha. “Toda a nossa região, e a macro de Monte Azul e Janaúba, é altamente endêmica. Já houve ações intensas no passado, com profissionais visitando casas. Hoje, a doença está silenciosa. Só aparece quando se olha para ela”, conta. 

Edivar Pereira da Silva, agricultor de 53 anos de Espinosa, convive com a doença de Chagas desde 2006. Com sintomas cada vez mais severos, como dores, cansaço e problemas cardíacos e digestivos, ele relata o forte impacto físico, psicológico e financeiro da doença. “A qualidade de vida cai, é inevitável”, afirma, destacando que a enfermidade afeta sua produtividade e renda.

Sem apoio do SUS, Edivar buscou tratamento na rede particular, mas hoje, com esclerose cardíaca e sem condições de trabalhar, não consegue mais custear os cuidados. Ele reconhece os avanços do projeto IntegraChagas, mas alerta que ainda “falta tudo”, desde informação até exames especializados como ecocardiograma e colonoscopia, que não são oferecidos pelo SUS na região. “A demanda explodiu depois da testagem, e o município está com sérias dificuldades.” Para ele, sem apoio concreto do Estado e do Governo Federal, o tratamento seguirá incompleto. “Tudo em Chagas ainda está muito atrasado. E no Norte de Minas, onde o barbeiro ainda circula e a doença permanece invisível para muitos, o silêncio pode ser fatal”, conclui.

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