Dilma, Temer e a Espada de Dâmocles

Até que ponto a democracia valida a permanência no cargo de mandatários ineptos

Jornal O Norte
Publicado em 23/04/2016 às 07:00.Atualizado em 15/11/2021 às 15:58.

Para além do debate estéril sobre o engendramento de um golpe ou não no País, há questão mais pertinente: quais serão os efeitos futuros para nossa democracia, ainda instável após 30 e tantos anos de normalidade, caso fique estabelecido que o voto não é força suficiente para manter o governante do turno no cargo por todo o mandato.

Por essa tese, o impedimento da presidente Dilma Rousseff vai legar ao País uma espécie de Espada de Dâmocles. A saber: ameaça constante aos próximos presidentes, que não teriam mais certeza de que efetivamente ficarão na cadeira presidencial até o final do mandato previsto na Constituição. O iminente impeachment de Dona Presidenta, alega-se, pode abrir perigoso precedente. Doravante, todo mandatário, inepto como ela, ou não, passaria a conviver com a ameaça de virar refém das vontades de um Congresso Nacional indócil.

A qualquer momento, o arranjo entre as chamadas forças de mercado, nunca é demais lembrar que são as mesmas que financiam os mandatos, podem se juntar às forças da elite do parlamento para derrubar o governo do turno. A motivação necessária não faltaria – no caso de Dilma são as pedaladas fiscais, mas poderia ser qualquer outro a justificar, do ponto de vista legal, que se coloque na bandeja a cabeça presidencial.

O autor dessas linhas advoga hipótese contrária. Penso que a democracia, de todos os regimes já testados, o menos pior, dispõe de mecanismos que possa poupar ao povo o sacrifício de conviver com os desgovernos - como é notório no caso brasileiro, desde a segunda posse de Dilma. Do ponto de vista da separação entre os poderes que Montesquieu propôs à França do seu tempo, em contexto bem parecido com o Brasil dos nossos dias, não há um golpe em curso.

Estabelecida a diferença de que não temos um governo tirânico, o que há por aqui é o pleno funcionamento do sistema de freios e contrapesos. Fosse o nosso regime parlamentarista, o momento presente seria o de voto de censura e posterior troca de gabinete. Não é o caso brasileiro. O debate sobre a legitimidade do Congresso, ele próprio movido pela mesma corrupção que contribui para levar o governo Dilma e o lulopetismo ao descaso é válido, mas não suficiente para chamar de golpe o afastamento da presidente – que não tem como negar o fato de que os congressistas também foram votados e que o processo em curso cumpre o rito constitucional estabelecido.

Amparada por Lula e por certo esquerdismo fora de tempo e lugar, Dilma promete insistir em brigar pela continuidade de o seguimento de mandato para o qual teria margem estreitíssima de manobra. Sua presença no cargo representa claro agravamento da depressão econômica que devastou muitos dos sonhos fomentados pelo próprio PT, em dias mais amenos e otimistas para o futuro do país.

Dilma e o Congresso que ora enfrenta, absolutamente venal, nunca é demais repetir, certamente se merecem. São o resultado da corrupção que se instalou no nosso fazer político, de alto a baixo. Dona Presidenta adota agora a estratégia de tentar macular seu vice e provável substituto, Michel Temer, com a pecha de traidor. Talvez fosse melhor chamá-lo em Palácio para rememorar a lenda da Espada de Dâmocles, que citei mais acima – a história moral da cultura grega clássica que serve muito bem a ambos e que agora tento resumir para o deleite dos meus 17 leitores.

Conhecida como a expressão de perigo iminente, a lenda da Espada de Dâmocles foi relatada por Cícero, em Tusculanae disputationes. Dâmocles foi um cortesão na corte de Dionísio I, de Siracusa (tirano do século IV a.C, na Sicília). Bajulador, ele repetia sempre que, como donatário de poder e autoridade, Dionísio era homem verdadeiramente afortunado. De tanto ouvir essa história, certa feita Dionísio propôs trocar de lugar com Dâmocles, apenas por um dia, mas o suficiente para que ele também pudesse sentir o gosto da mesma sorte que atribuía ao rei.

No dia seguinte, Dâmocles foi levado ao palácio, onde os criados reais lhe puseram na cabeça a coroa de ouro. Ele sentou-se à mesa na sala de banquetes e foi-lhe servida rica refeição. Dâmocles adorou ser servido como um rei e não se deu conta do que se passava. Já no fim da refeição, ao olhar para o alto, viu a espada afiada, suspensa por um único fio de rabo de cavalo, apontada para sua cabeça.

Pensou em se levantar e sair correndo, mas deteve-se por temer que o movimento brusco pudesse arrebentar a linha e fazer com que a espada lhe caísse em cima. Dionísio entrou na sala e proferiu a sentença moral: explicou que via aquela espada todos os dias, sempre pendente sobre sua cabeça, pois sempre haveria a possibilidade de alguém ou alguma coisa partir o fio. Por exemplo, um dos seus conselheiros, movido pela inveja do seu poder, poderia assassiná-lo. As pessoas ao redor sempre poderiam espalhar mentiras a respeito do rei, para jogar o povo contra ele ou perder seu trono numa disputa com reinos vizinhos.

O que conselheiro de Dionísio entendeu o recado. O exercício da Presidência implica os riscos que Dilma agora enfrenta, pelos seus próprios deméritos, não custa lembrar. Ela calculou mal o risco de partir para o enfrentamento com o PMDB e de tratar o Congresso Nacional com desprezo. Quando se acrescenta ao seu governo as ameaças da Operação Lava Jato e as instabilidades globais que levaram ao fim do ciclo das commodities, fica visível a espada que pende sobre o cocuruto da presidente. Nada indica que a espada que paralisa o governo será retirada do gabinete presidencial quando Dilma deixar a cena. (www.luisclaudioguedes.com.br)

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