À caça de bilhões da Lei Kandir

Estados se mobilizam para recuperar perdas de R$ 637 bi

LUCAS SIMÕES
Publicado em 12/03/2019 às 06:59.Atualizado em 05/09/2021 às 17:45.
 (AGÊNCIA BRASIL)
(AGÊNCIA BRASIL)

Discutida desde meados da década de 1990, e muitas vezes abafada pelas complexidades de uma legislação dúbia, a Lei Kandir voltou a protagonizar as disputas políticas do país neste ano. Em 23 anos de vigência, o texto que isentou empresas de pagar ICMS sobre importação de produtos primários causou um rombo de mais de R$ 600 bilhões aos cofres dos estados.

Agora, diante da grave crise fiscal que diversas unidades da federação atravessam – incluindo Minas, que parcelou o 13º salário do funcionalismo público em 11 vezes –, governadores pressionam pela revisão da Lei Kandir no Congresso Nacional, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) dá um ultimato à União para ressarcir as bilionárias perdas estaduais.

Criada em 1996 com aprovação maciça do Congresso, a Lei Kandir nasceu em um contexto de exaltação do Plano Real. A ideia era fortalecer a moeda nacional e estimular a competição dos produtos brasileiros no exterior ao desonerar o ICMS de produtos primários. Em contrapartida, a União deveria ressarcir os estados anualmente. Apesar disso, os pagamentos nunca foram regulares.

Neste ano, em meio ao sufoco financeiro enfrentado pela maioria dos estados, ao menos 12 governadores organizaram uma espécie de mutirão para convencer a União a resolver o imbróglio.
 
PERDAS DE MINAS
Dos R$ 637 bilhões estimados em perdas dos 27 estados e Distrito Federal por causa da Lei Kandir, Minas lidera o ranking dos que mais têm a receber: 21% dessa fatia, o equivalente a R$ 135 bilhões pelo ICMS que deixou de entrar no cofre desde 1996. Se houver o pagamento, o Estado, que tem dívida ativa de R$ 88 bilhões com a União e um déficit estimado para este ano de R$ 30 bilhões, passará de devedor a credor.

Mas o que seria uma solução para os cofres públicos estaduais ainda é visto como entrave para o governo federal. Em 2018, a União repassou apenas R$ 1,9 bilhão para todos os estados – uma cifra 51,3% menor do que em 2017, quando foram pagos R$ 3,9 bilhões.

“É uma sinuca de bico, porque se a União fizer os pagamentos todos de uma vez, vai sofrer com uma política fiscal duríssima. Ou seja, o governo federal não aguenta isso sozinho. A solução, a meu ver, passa por um ressarcimento parcelado, ao menos, com um valor fixo por ano”, analisa o economista especialista em contas públicas Eduardo Coutinho, da UFMG.

Parlamentares, influenciados pelos governadores, decidiram intensificar a pressão. O senador Antonio Anastasia (PSDB) é relator do PL 511/2018, que obriga a União a repassar R$ 39 bilhões por ano aos 27 Estados mais o Distrito Federal. Depois de passar pelo Senado, o PL retornou à Câmara, onde tramitava em clima morno. Mas o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), provocou o governo federal ao afirmar que vai colocar a proposta na pauta até o fim de março, após a publicação do TCU.

“É uma situação insustentável. E tanto a Câmara como o Senado se mobilizaram para agilizar uma legislação que vai garantir o direito dos estados. A União tem que dialogar”, disse o senador tucano.

Barganha com a Previdência
Com ânimos acirrados entre governos estaduais e a União, parlamentares no Congresso Nacional ameaçam travar a discussão da reforma da Previdência, caso o governo federal não apresente um plano para ressarcir os estados pelas perdas acarretadas pela Lei Kandir.

Com a expectativa do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de votar a reforma da Previdência até julho deste ano, muitas bancadas têm se organizado para barganhar com o governo federal. O deputado federal Rogério Corrêa (PT) avalia que pelo menos 20 partidos tendem a fechar um acordo para atrasar a reforma da Previdência, caso a União não apresente uma proposta para ressarcir os estados.

“O que nós queremos é um acordo, uma posição mais firme do governo federal. Há muitos anos a Lei Kandir causa perdas bilionárias e Minas é o Estado mais prejudicado porque sobrevive basicamente do minério. Estamos unindo os deputados para fazer essa pressão. Se o governo quer aprovar a Previdência, que ajude os estados a, pelo menos, começar a receber a compensação”, disse o petista.

Na mesma linha, o deputado federal Leo Portela (PR) avalia que pelo menos o Projeto de Lei 511/2018, que obriga a União a repassar anualmente R$ 39 bilhões aos estados e ao Distrito Federal, deve ser avaliado no Congresso.

“É uma proposta que fixa um valor, pelo menos. E não deixa cada Estado à mercê de uma negociação individual para tentar receber os repasses. A União tem capacidade de arcar com isso, com planejamento”, diz Portela.

Em Minas, deputados estaduais liderados por Sávio Souza Cruz (MDB) também pretendem fazer pressão para a revisão da lei. “Estamos avaliando organizar um movimento que possa ir até Brasília para mostrar ao governo federal que essa questão compete a muitos atores regionais”.

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