Vergonha

Jornal O Norte
Publicado em 19/02/2013 às 09:45.Atualizado em 15/11/2021 às 16:58.

“A vergonha é a herança maior que meu pai me deixou”, diz a letra da música “Vingança” de Lupicínio Rodrigues. No caso são valores ensinados pelo pai. “Não sei o que me martirizava mais, se era a vergonha ou o medo”, me disse alguém, há nove dias. No passado, indicando que deixou esse estado para trás. Dizem os sociólogos que a cultura japonesa é a cultura da vergonha e que a americana é a da culpa. A vergonha dá vontade de sumir, e por isso é representada por pessoas com o rosto encoberto. Mas nem tudo que se vê escondido é vergonha. Meliante de cabeça baixa e rosto tapado não é vergonha, é esperteza.



A vergonha é um sentimento desagradável de mortificação e culpa diante da opinião alheia, quando se pratica algo inaceitável, seja no âmbito social, político, religioso ou social. É sentimento de desonra e rebaixamento. Quem a sente se acha inútil e desprezível. Quando não há delito real, pode não haver culpa, que é a violação de valores internos, mas sim vergonha, que é a ruptura de valores culturais e sociais, perante os outros.



Uma esbravejada dos pais contra uma criança poderá marcá-la, especialmente quando ocorre em frente a estranhos. Situação mais grave é quando um adulto sofre desmoralização pública. Após a humilhação, é preciso sumir até as pessoas se acostumarem. O tempo de uma vida pode não ser suficiente.



A versão que circula é verdadeira? Até que ponto as pessoas têm como julgar os acontecimentos? Logo se formam opiniões. Mas há quem duvide da história que se ouve ou se lê, e espera algo mais para fazer seu julgamento. Em tempos de informação circulando durante o fato, pouca ou nenhuma análise se faz, e a primeira interpretação vira verdade. No calor dos acontecimentos, em que as paixões estão em brasa, é de se supor que a ação seria mais vividamente contada, por estar fresca na memória. Considera-se que, após algum tempo a pessoa tenha melhor capacidade de fazer uma análise e dar mais detalhes sobre o episódio. Mas atualmente a precipitação é a regra.



Enquanto a Justiça é lenta, muitos têm pressa em bater o martelo e dar seu veredicto, condenando, especialmente em situações de violência. O estopim da opinião pública inexiste e em segundos a malta lincha o suposto criminoso. Então, nada mais se pode fazer para salvar uma reputação.



O juiz decide rápido, mas analisa lentamente. É preciso estudar os fatos, porque depois de decidido não há mais volta. Quem se vê execrado publicamente sente uma dor infinita, com imensa vergonha a atormentá-lo, num penitenciamento que maltrata mais que uma surra ou prisão ou ambas. A sociedade não hesita em ultrajar pessoas e grupos.



Após julgamento e condenação, se aprisiona alguém para que se torture através da culpa, e que venha o arrependimento para que não volte a cometer o mesmo crime. Então, é preciso conviver com ex-presidiários. Como inseri-los sem discriminações, dando-lhes nova chance? Dar-lhes emprego é difícil, mais caro ainda é aceitá-los. Você os aceita?



São pouco faladas, porém permanecem em uso questões relativas à moral, honra e reputação. Linchamentos morais não são justos. A desonra machuca e destrói as pessoas, gerando vergonha, uma arma usada para controlar a sociedade.



Há outras conotações para a palavra vergonha, em expressões como sem-vergonha, isso é uma vergonha, ou pouca-vergonha, relacionada à nudez e questões outras. Ter vergonha pode ser sentir-se encabulado. Destaco a vergonha pública, por ser a mais dolorosa. As pessoas e a imprensa nem sempre são justas em suas aclamações. Já vimos erros acontecerem na primeira página e em horário nobre e a retratação ocorrer num pé de página ou na madrugada. Nem de longe os reparos chegam perto da destruição. E a vida de quem foi linchado? Poucos se importam com o sofrimento alheio. Os que nunca erraram que atirem seus teclados.



Mara Narciso

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