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Sexta-Feira,18 de Outubro

Vereadores e bandidos

Jornal O Norte
10/07/2006 às 12:24.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:39

Edson Andrade

Na lição da melhor doutrina do direito penal pátrio, por ser espécie do gênero prisão cautelar, a prisão preventiva é medida de extrema exceção, somente sendo justificada onde a segregação preventiva seja indispensável, em atendimento ao fumus boni júris e ao periculum in mora.

Da assertiva de que poucos discordam, voltemos o olhar jurídico para o atentado cometido em Montes Claros, nesta quinta-feira, pela força policial federal, sob mandado judicial. Ao esquadrinhar a questão, ressalta-se, no mínimo, o excesso, cuja conseqüência imediata é o desrespeito a um importante princípio constitucional insculpido no Artigo 5º, Inciso 57, concernente à presunção de inocência. Ali, enquanto não transitada em julgado sentença condenatória, somente após vencido o devido processo legal, não se justifica a custódia cautelar, até por que, pelo que todos sabemos, nenhum dos envolvidos no processo em trâmite é bandido, pretende fugir ou está ameaçando o regular andamento das investigações. Todos têm residência fixa e bons antecedentes.

Humilhação maior ficou por conta das algemas. Causaram espanto em todo o cidadão de bem – olhos colados no vídeo – as imagens exibidas em redes nacionais de televisão, de onde, constrangidos e vilipendiados em seus direitos, cidadãos montes-clarenses marchavam, algemados, para uma prisão incompreensível e desnecessária, pelo menos no atual estado do inquérito policial.

Sentimo-nos, também, humilhados, como advogado e como cidadão, ao presenciar cenas dantescas – o inferno de Dante não teve Virgílio como condutor pacífico dos condenados – pois vislumbramos ali holofotes e vaidades, contrapondo-se à desgraça de oito membros do parlamento municipal e ferindo direitos humanos indisponíveis, não meramente subjetivos, mas expressos constitucionalmente.

Não gostei de ver, algemadas e conduzidas como bandidos pessoas do quilate de Fátima Pereira, cuja contribuição para a educação formal deste estado é de todos conhecida...

Não façamos o mise em scène do advogado do diabo. Afinal, o clamor popular exige o império da justiça, mas não pode ser fundamento para ações ilegais, sob qualquer pretexto. Para que se não criem dúvidas acerca da intenção dessas palavras, aplaudimos e rendemos homenagens penhoradas às ações da Polícia Federal em todo o país, cujo trabalho vem resgatando a vergonha e combatendo a impunidade. Contudo, algemar e prender cautelarmente oito cidadãos, sem o respeito de que deveria ser revestida a ação, é inaceitável.

Confesso que as cenas impressionaram em demasia este olhar que já ultrapassa meio século. Não gostei de ver, algemadas e conduzidas como bandidos pessoas do quilate de uma Fátima Pereira, cuja contribuição para a educação formal deste estado é de todos conhecida. Tampouco achei a menor graça na imagem de Lipa Xavier e Aurindo Ribeiro, dois conhecidos e respeitados defensores de direitos alheios, sendo humilhados com uma prisão que chuta o código penal, a doutrina e a jurisprudência do direito criminal brasileiro. Sem mencionar os demais algemados pela pressa da justiça, olhos no chão, vergonha estampada em cada milímetro da cena.

Lamentável sob todos os aspectos – até porque envolve pessoas cidadãs – o episódio, ainda que ao final do processo haja a culminância de sentença condenatória, não pode ser ignorado pelas inteligências jurídicas. Por outro lado, já que mencionamos o “advogado do diabo”, persiste o clamor de que não haja impunidade para quem quer que seja. O verdadeiro cidadão somente o comprova através de comportamentos irrepreensíveis, cotidianos e permanentes. Que haja punição pedagógica para aqueles que chafurdam na lama do desrespeito ao direito da coletividade. Mas que não nos equivoquemos na necessidade doentia da busca ao holofote. Sobretudo, urge respeitar a Constituição Federal e o consenso popular de que há bandidos em demasia na rua, enquanto cidadãos – com culpa ou não – encarcerados sem sentença terminativa, lutam por vencer assombroso pesadelo em suas vidas.

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