Pedro Henrique Oliveira
Bancário e articulista
Levantou-se do sofá com pompa de verdadeiro rei carnavalesco, estava na hora. As abotoaduras do seu manto vermelho já quase não fechavam de tão gordo o Momo daquele ano. A coroa, feita de dura cartolina enfeitada com lantejoulas, assentava-se em sua cabeça com um caimento digno dos antigos reis aristocráticos, exceto pelo fato de não ser de ouro a coroa e nem serem de pedras preciosas os enfeites desta.
Despertava olhares curiosos no caminho que levava para a avenida do desfile. Não era comum um homem com duzentos quilos e um metro e noventa e cinco centímetros de altura percorrer toda a curta dimensão daquela cidade quente de interior vestido em traje de realeza. O suor lhe percorria o corpo inteiro, deixando manchas pretas em todo o traje rubro, principalmente na região das axilas.
Já subia um odor desagradável quando o aparentemente exausto rei do carnaval começava a subir os degraus do carro alegórico. Os botões de sua roupa pareciam agora estar na iminência de saltar e atingir alguém, fato este que, somado ao mau cheiro do carnavalesco, afastava a rainha da bateria e os demais integrantes daquele bloco, que tanto aguardavam a hora de entrar na avenida dos paralelepípedos.
O Momo, aturdido pelo cansaço e pelo início do desfile, esboçava um samba que deixou temerosos os companheiros. Estava atrás da rainha da bateria, uma graciosa mulata seminua, fato este que fazia com que o rei fixasse os seus olhos apenas na região glútea da moça, e pulasse mais e mais num samba desconcertado. Os botões dourados, forjados em metal, começaram a saltar em diversas direções, com a força de uma bala de revólver, atingindo diversos companheiros que caíam gritando de dor.
O Momo, sem perceber o desastre que havia causado, continuava seguindo o batuque, enquanto sua pança, agora já descoberta, balançava como uma espécie de gelatina enorme que assustava os espectadores do desfile. A multidão se desesperou quando a bela mulata que exibia a faixa de rainha caiu do carro alegórico, atingida pelo último botão do Momo que, de forma certeira, acertara sua nuca.
Parava o desfile e acabava o carnaval daquele ano, enquanto o Rei Momo, sem entender, achava que os gritos de desespero eram de vibração por aquilo que considerou ter sido o seu melhor samba.
Reza a lenda que foi a partir desse ano que permitiram que o Rei Momo fosse magro (e naquela cidade virou regra). O Rei daquele ano nunca mais desfilou e, ao envelhecer, contava vaidoso aos seus netos que havia arrancado os gritos da multidão, que tinha sido tão bom, que nunca mais deixaram outro gordo assumir o trono em sua homenagem...